Povo e Elite no Republicanismo Clássico

AutorTiago Losso
CargoPesquisador do Núcleo de estudos do Pensamento Político
Páginas286-306
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p286/
286286 – 306
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer m, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
Povo e Elite no
Republicanismo Clássico1
Tiago Losso2
Resumo
No bojo do Republican Revival, há um renovado interesse pelo pensamento político romano. A teoria
política tem se nutrido das formulações alicerçadas na tradição republicana de pensamento político
desde que o argumento neorromano foi incluído no debate sobre o conceito de liberdade. Correlato
a este movimento inicial, atualmente está sendo alargado o conjunto de dilemas que poderia contar
com a sugestão republicana. Um tema debatido atualmente é o papel conferido pelo republicanismo
ao elemento democrático em seus modelos políticos. A intenção deste paper é analisar três autores-
-chave do pensamento político romano – Cícero, Salústio e Lívio – e suas respectivas compreensões
sobre o papel que cabe ao povo e ao elemento democrático na dinâmica política de Roma. Pretendo
convencer o leitor de que a crítica moderna pode estar cometendo um equívoco ao procurar, entre
estes autores, justicativas para apontar o povo como protagonista do processo político.
Palavras-chave: Roma. Republicanismo. Povo. Elite.
Introdução
A Teoria Política contemporânea está sendo cada vez mais alimentada
pela tradição romana de pensamento político, especialmente aquela estrei-
tamente vinculada aos autores romanos do século I a.C. e às formulações
sobre a política forjadas durante o Humanismo e o Renascimento. Desde
que a atenção ao republicanismo neorromano foi reativada por historiadores
1 A pesquisa que embasa este artigo foi realizada durante Estágio Pós-doutoral na Universidade de Wisconsin
– Madison (2014-2015) e contou com bolsa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES). Uma versão inicial deste artigo foi apresentada no X Encontro da Associação Brasileira de Ciência
Política, que ocorreu em Belo Horizonte, em 2016.
2 Pesquisador do Núcleo de estudos do Pensamento Político. Professor do Departamento de Sociologia e Ciência
Política e do Programa de Pós-Pós-graduação em Sociologia Política - Universidade Federal de Santa Catarina.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 40 - Set./Dez. de 2018
287286 – 306
do pensamento político no terço nal do século XX, as formulações neor-
romanas deixaram de ser uma novidade e assumiram o status de fonte
relevante para os estudiosos da política.
O conceito de liberdade foi o primeiro tema de análise da teoria políti-
ca marcado por este retorno ao republicanismo. Ao procurarem uma deni-
ção para liberdade tipicamente republicana, para além da dicotomia entre as
dimensões positiva e negativa, autores como Quentin Skinner e Philip Pettit
incluíram a tradição republicana no cerne da reexão contemporânea sobre
a política. Assim, após tornar-se uma fonte de consulta para teóricos da po-
lítica, o republicanismo neorromano expandiu os seus pontos de análise e a
abrangência dos contextos intelectuais a serem inspecionados.
Um dos temas que emergiram na teoria política informada pelo repu-
blicanismo neorromano é o papel que cabe ao povo no governo de uma co-
munidade política. Geralmente o republicanismo é tido como refratário ao
envolvimento popular na política, mas atualmente é evidente a intenção de
alguns teóricos em ressaltar o caráter popular ou democrático da tradição que
possui suas raízes na antiga Roma republicana. Aquilo que seria, portanto, o
foco inicial da tradição torna-se um contexto que está sendo agora analisado
em seus próprios termos e cada vez de forma mais sistemática. Se até o nal
do século XX o mundo moderno era o locus fundamental de análise para os
interessados no republicanismo, sendo a realidade institucional e intelectual
da Roma antiga tratada de forma tangencial ou acessória, as recentes publi-
cações ligadas ao republicanismo passam a tratar o republicanismo clássico
como ponto principal de análise (HAMMER, 2014; KAPUST, 2011).
Neste artigo pretendo investigar a tradição intelectual republicana,
tendo suas considerações sobre povo e elite como ponto de análise. Farei
isso lidando com escritos dos três autores clássicos da tradição – Cícero,
Lívio e Salústio – que abordaram o papel que caberia ao povo e à elite na
condução dos negócios públicos. Acredito que, ao explorar o signicado
de determinados trechos das obras destes escritores, é possível sustentar
que não se encontram arrazoados essencialistas sobre o caráter do povo
ou da elite. Seja quando o tema é discutido teoricamente – por exemplo,
Cícero e as considerações de Cipião sobre qual o melhor dos governos
–, ou quando abordado historicamente – como no caso de Lívio narran-
do as ações virtuosas e degeneradas do povo e da elite romana nos anos

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT