O "jus postulandi" na justiça do trabalho: Irracionalidade que pode impossibilitar a busca da verdade ou correção e impedir a concretização de direitos

AutorFabiano Negrisoli
CargoAdvogado trabalhista em Curitiba. Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia, pela UNIBRASIL, Faculdades Integradas do Brasil.
1 Introdução

Na Justiça do Trabalho,1conforme previsão expressa dos artigos 791 e 839 da Consolidação das Leis do Trabalho3, predomina o entendimento de que o “jus postulandi” da parte, que é a capacidade desta de pedir em juízo sem estar acompanhada por advogado, está em vigor.

Essa situação encontra-se atualmente pacificada pelos Tribunais Superiores, a despeito de ter sido apontada como inconstitucional e ilegal, conforme restará demonstrado no Capítulo II.

A intenção desse artigo é reacender a polêmica, com base na “Teoria dos Quatro Discursos” de ARISTÓTELES (Capítulo III) e com base na “Teoria da Argumentação”, conforme proposta por Robert ALEXY (Capítulo IV). Se não pela inconstitucionalidade ou ilegalidade, com base nessas duas teorias, o “jus postulandi” das partes deve deixar de existir.

Considerando a exposição, será demonstrado que, adiantando-se a conclusão, a possibilidade da parte atuar sem auxílio de advogado na Justiça do Trabalho, tendo em vista sua atual configuração e complexidade, não pode mais ser admitida.

2 O “jus postulandi” na justiça do trabalho

A regra geral, sobre a capacidade postulatória, é aquela contida no Código de Processo Civil, no artigo 36. Segundo este artigo, a parte somente poderá postular em juízo representada por advogado legalmente habilitado4. No que tange a sucumbência, a previsão está contida nos artigos 20 e 21 do CPC, no sentido de que, a parte perdedora deverá arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios da parte vencedora5.

Há exceções a regra da capacidade postulatória, como na reclamação de alimentos (art. 2º da Lei n.º 5.478, de 25.07.68) 6; nos pleitos decorrentes da lei de acidentes do trabalho (art. 13 da Lei n.º 6.367, de 19.10.1976)7; nos processos de aquisição, perda e reaquisição de nacionalidade (art. 6º, §5º, da Lei n.º 818, de 18.09.1949)8, dentre outras hipóteses, como os Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95), o “habeas corpus” e a ressalva do próprio artigo 36 do CPC, para os casos de não haver advogado no lugar, recusa ou impedimento dos que houver.

As “reclamatórias”, na Justiça do Trabalho, também são uma das exceções, havendo regramento próprio quanto à capacidade postulatória9, no sentido de que, a parte não precisa estar representada por advogado.

Nos termos dos artigos 791 e 839 da CLT, empregado e empregador podem reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho seus direitos. A partes possuem o “jus postulandi”. Sobre isso, citando Délio MARANHÃO, Wagner D. GIGLIO escreve que, baseado no artigo 791 da CLT, o “jus postulandi” seria o direito de praticar, pessoalmente, sem a necessidade de advogado, os atos processuais necessários ao início e ao andamento do processo. O “jus postulandi” seria a capacidade de requerer em juízo e isso seria um dos traços característicos do processo do trabalho10.

No mesmo sentido, Cléber Lúcio de ALMEIDA escreve:

Da capacidade postulatória (poder de postular pessoalmente em juízo) trata o art. 791 da CLT, estabelecendo que os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar o processo até o final. Empregados e empregadores têm, no processo do trabalho, capacidade postulatória ou jus postulandi. A parte pode postular pessoalmente no TST e na execução11.

Aparentemente, essa previsão é uma resquício da origem administrativa da Justiça do Trabalho. Ocorre que, a Justiça do Trabalho nem sempre teve a configuração que conhecemos hoje. Parte das alterações, seja quanto à estrutura, seja quanto à competência, foram vividas recentemente. Não é raro, aliás, encontrarmos pessoas que convivem no dia a dia do Fórum Trabalhista referirem-se, ainda, às “juntas”; outros, ainda, perguntam sobre o “Ministério” do Trabalho, quando querem referir-se à Justiça do Trabalho, tudo reflexo das recentes alterações. A Justiça do Trabalho teve sua origem como órgão administrativo, o que perdurou até 1934 ou 1937, pois há controvérsia quanto a isso. Atualmente, as antigas Juntas, formadas por dois juízes classistas e um “togado” não existem mais, dando lugar as atuais Varas do Trabalho12.

Para alguns autores, o “jus postulandi” teria nascido como uma compensação à hipossuficiência do empregado e a exigência de um procurador seria uma redução dessa proteção. Sobre isso Orlando TEIXEIRA DA COSTA13, referindo-se aos artigos 791 da CLT, 36 do CPC, da Lei n.º 7.244/84 e da Lei n.º 5478/68, escreve:

Este breve elenco ressalta a preocupação do legislador de amparar o pobre, o desvalido, o hipossuficiente, possibilitando-lhe acesso ao Poder Judiciário sempre que a circunstância ou a natureza do pedido justificarem. Seria incompatível com o interesse público que a lei vedasse a essas pessoas reclamar alimentos, salários ou formular pedidos de pequena significação econômica; por isso, a lei reconheceu, excepcionalmente, que o patrocínio do advogado poderá ser facultativo nesses casos14.

Segundo este autor, a facultatividade do patrocínio seria, no foro trabalhista, um princípio básico tradicional e a sua revogação implicaria numa equiparação a Justiça Comum15. Isso porque a Justiça do Trabalho seria despojada de formalidades e estaria destinada a quem normalmente é pobre. Além do que, a maioria das reclamatórias seriam de pessoas que ganham um, dois ou três salários mínimos, sendo que este trabalhador estaria mais aberto à conciliação e ao entendimento. Ainda, grande parte das reclamações se extinguiria por composição amigável. Tudo isso revelaria a importância do “jus postulandi” na Justiça do Trabalho, inclusive, o Juizado Especial de Pequenas Causas teria sido inspirado nela.

Ocorre que, o “jus postulandi” das partes é de 1943, sendo que vieram depois duas outras previsões que surtiram grande discussão e polêmica e que devem ser mencionadas.

A primeira delas é o advento da Constituição Federal de 1988. A Constituição de 1988, expressamente, tratou da matéria no artigo 133, dispondo que o advogado seria indispensável à administração da justiça16. Os operadores não tardaram a afirmar que os artigos 791 e 839 da CLT estariam revogados, porque em total desacordo com a Constituição Federal. Esse entendimento não prevaleceu, pois o Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo constitucional não era de aplicação imediata e dependeria de regulamentação.

Orlando TEIXEIRA DA COSTA, quando compunha o Tribunal Superior do Trabalho, proferiu julgamento nesse sentido:

Em Acórdão de minha autoria, a Seção de Dissídios Individuais do TST assim se pronunciou ao apreciar o Processo nº TST-RO-AR-468/84: ´O jus postulandi do processo trabalhista não conflita com o artigo 133 da Constituição de 1988, pois ele apenas reconheceu a natureza de direito público da função de advogado, sem criar nenhum incompatibilidade com as exceções legais que permitem à parte ajuizar, pessoalmente, pleitos perante os órgãos do Poder Judiciário´17.

Mais tarde, em 07.07.1994, foi publicado o novo Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94), o segundo “empecilho” ao “jus postulandi”. No artigo 1º, inciso I, havia previsão expressa no sentido de que a postulação em qualquer órgão do Poder Judiciário é atividade privativa do advogado18. Era o que faltava. A matéria estaria regulamentada e, neste caso, os artigos 791 e 839 da CLT estariam revogados.

Não foi o que ocorreu.

Provavelmente, tendo em vista que o artigo em referência foi considerado corporativista19, a interpretação do artigo 1º foi suspensa liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal numa Ação Direito da Inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (ADIn n.º 1.127-8). A decisão que julgou procedente essa Ação, por maioria, entendeu pela inconstitucionalidade da expressão “qualquer” e foi publicada no dia 26/05/2006.

Vale salientar que, a discussão, na Justiça do Trabalho, referente ao “jus postulandi”, como se infere nas Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria, foi, principalmente, quanto ao pagamento e condenação em honorários advocatícios. Isso porque, tendo em vista a existência do “jus postulandi”, a parte perdedora, porque não poderia ser onerada com o exercício de uma faculdade da outra parte, não poderia ser condenada no pagamento de honorários. Como vige o “jus postulandi” seria impossível haver condenação em honorário advocatícios20. Como observa Jorge Luiz SOUTO MAIOR21, argumenta-se, ainda, que o empregado, hipossuficiente, pode ser prejudicado se tiver que arcar com honorários da outra parte. Entretanto, segundo este autor, esta deve ser a lógica da relação jurídica processual, não podendo ser admitido uma inversão, sob pena de não se penalizar aquele que perde e impor custo ao que ganha. Some-se a isso que, se as partes não se utilizam das mesmas armas, devem ser tratadas de forma diferente, no sentido de que, caso alguém se utilize do “jus postulandi” não se pode falar de sucumbência quando ao custo do advogado. Exemplo disso seriam os artigos e 55 da Lei n.º 9.099/95. De toda sorte, nosso interesse, aqui, não está na questão dos honorários22, mas na irracionalidade do “jus postulandi”.

Independentemente da forma como se deu a discussão principal na Justiça do Trabalho, a matéria está pacificada pelo Superior do Tribunal do Trabalho, como se infere nas Súmulas n.ºs 219 e 39223, no sentido de que o “jus postulandi” é totalmente válido e que, na maioria esmagadora dos julgados, vêm sendo adotadas também pelos Tribunais Regionais.

Resumindo, considerando os artigos 791 e 839 da CLT, predomina o entendimento de que, o reclamante ou o reclamado podem praticar todos os atos processuais, inclusive nos Tribunas Regionais e no Superior Tribunal do Trabalho, com exceção do Recurso Extraordinário para o Supremo...

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