É possível à saída temporária de preso mediante única autorização anual

AutorMin. Rogerio Schietti Cruz
Páginas36-50

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Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial n. 1544036/RJ

Órgão Julgador: 3a. Seção

Órgão Julgador: 19.09.2016

Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz

EMENTA

Recurso especial repetitivo. Execução penal. Autorização de saídas temporárias. Ato judicial único. Excepcionalidade. Delegação de esco-lha das datas à autoridade prisional. Impossibilidade. Limite ânuo de 35 dias. Hipótese do art. 122, II e III, da LEP. Prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre os benefícios. Recur-so provido. Revisão do tema n. 445 do STJ.

  1. Recurso especial processado sob o regime previsto no art. 1.036 do CPC, c/c o art. 3º do CPP.

  2. A autorização das saídas tem-porárias é benefício previsto nos arts. 122 e seguintes da LEP, com o objetivo de permitir ao preso que cumpre pena em regime semiaberto visitar a família, estudar na comarca do juízo da execução e participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

  3. Cuida-se de benefício que depende de ato motivado do juiz da execução penal, ouvido o Ministério Público e a administração penitenci-ária, desde que o preso tenha comportamento adequado, tenha cumpri-do o mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente, e haja compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

  4. É de se permitir a fiexibilização do benefício, nos limites legais, de modo a não impedir que seu gozo seja inviabilizado por dificuldades burocráticas e estruturais dos órgãos da execução penal. Assim, exercen-do seu papel de intérprete último da lei federal e atento aos objetivos e princípios que orientam o processo de individualização da pena e de reinserção progressiva do condena-do à sociedade, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, estabelece, dado o propósito do julgamento desta impugnação especial como recurso repetitivo, as seguintes teses:

    Primeira tese: É recomendável que cada autorização de saída tem-porária do preso seja precedida de decisão judicial motivada. Entre-tanto, se a apreciação individual do pedido estiver, por deficiência exclu-siva do aparato estatal, a interferir no direito subjetivo do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de fixação de calen-dário anual de saídas temporárias

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    por ato judicial único, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP.

    Segunda tese: O calendário prévio das saídas temporárias deverá ser fixado, obrigatoriamente, pelo Juízo das Execuções, não se lhe per-mitindo delegar à autoridade prisio-nal a escolha das datas específicas nas quais o apenado irá usufruir os benefícios. Inteligência da Súmula n. 520 do STJ.

    Terceira tese: Respeitado o limite anual de 35 dias, estabelecido pelo art. 124 da LEP, é cabível a concessão de maior número de autoriza-ções de curta duração.

    Quarta tese: As autorizações de saída temporária para visita à famí-lia e para participação em ativida-des que concorram para o retorno ao convívio social, se limitadas a cinco vezes durante o ano, deverão observar o prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre uma e outra. Na hipótese de maior número de saídas temporárias de curta duração, já in-tercaladas durante os doze meses do ano e muitas vezes sem pernoite, não se exige o intervalo previsto no art. 124, § 3º, da LEP.

  5. No caso concreto, deve ser re-conhecida a violação do art. 123 da LEP, por indevida delegação de escolha das datas da fruição do benefí-cio à autoridade prisional.

  6. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a violação tão somente do art. 123 da LEP, man-tido, no mais, o acórdão impugnado. Modificação do Tema n. 445 do STJ, nos termos das teses ora fixadas.

    ACÓRDÃO

    Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção, por unanimidade, dar provi-mento ao recurso especial para re-conhecer a violação tão somente do art. 123 da LEP, mantido, no mais, o acórdão impugnado, com modificação do Tema n. 445 do STJ, nos termos do voto do Sr. Ministro Re-lator. Os Srs. Ministros Ne? Cordeiro, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior. A Dra. Thais dos Santos Lima sustentou oralmente pela parte recorrida: Sandra Marli Borges.

    Brasília (DF), 14 de setembro de 2016

    Ministro Rogerio Schietti Cruz

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

    O Ministério Público do estado do Rio de Janeiro interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo cons-titucional, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça local nos Embargos Infringentes e de Nulida-de n. 0001706-28.2014.8.19.0000.

    Consta dos autos que o Juízo da Vara das Execuções Criminais con-cedeu à recorrida, com fulcro no art. 124 da LEP, saída temporária na modalidade de visitação periódica ao lar, sem pernoite, a ser realizada duas vezes por mês, bem assim por ocasião de seu aniversário, na Páscoa, no dia nominado das mães e dos pais, no Natal e nas festividades do Ano Novo, até o limite ânuo de 35 saídas (fis. 62-63).

    Irresignado, o Ministério Público interpôs agravo em execução contra o decisum, não provido pelo Tribu-nal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o que ensejou o recurso es-pecial de fis. 108-135. Por se tratar de matéria repetitiva, a Presidência da Corte estadual determinou o re-torno dos autos à 6ª Câmara Criminal para novo exame da controvér-sia, ocasião em que, por maioria, o colegiado retratou-se e deu provimento ao recurso para cassar a deci-são do Juízo da Vara das Execuções, nos seguintes termos:

    Recurso especial ministerial in-terposto em face de acórdão proferido em sede de agravo - execução penal - visita periódica ao lar - saídas automatizadas - irresignação minis-terial em face de acórdão que man-teve decisum proferido pelo juízo de piso onde a visita periódica ao lar foi deferida, previamente e por trinta e cinco vezes, cada uma delas com duração por um dia, pretendendo a respectiva cassação, mercê da indicação que o entendimento diverso e que foi vencedor no acórdão recor-rido afronta decisão apontada como paradigmática de entendimento pa-cificado junto à corte cidadã - exercício de juízo de retratação em sede de recurso especial com a reconside-ração do acórdão vergastado quanto ao cumprimento de forma automatizada da v.p.l., para descartar tal condição de saída extramuros, em se tratando de ato de provimento judicial vinculado à normatividade legal expressa, que não pode ser delega-do, em razão de prévia, automática e desfundamentada autorização co-letiva, à diretoria de estabelecimento prisional, nem podendo subtrair da fiscalização do parquet, ou ainda, retirar do exame direto do juízo da v.e.p., na verificação do cumprimento das datas e horários fixados para retorno do apenado à unidade penitenciária, atividade essencial à constatação da pretendida ressocialização e a se considerar aquele como apto à obtenção de outros e mais abrangentes benefícios - inadequa-ção de construção jurisprudencial que cria normatividade inexistente, numa espaçosa interpretação sistemática, em frontal violação à dispositivo legal expresso e ao princípio da legalidade - cassação das saídas automatizadas na prévia concessão do benefício pelo juízo a quo, em número e por extensão diversos dos

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    previstos em lei, para que outro decisum seja proferido, agora com a observância da normatividade legal própria - provimento do recurso (fis. 173-174).

    A defesa interpôs embargos in-fringentes, acolhidos para restabele-cer a decisão do Juiz da Vara de Execuções Penais, que deferiu as saídas temporárias de forma automática, in verbis:

    Embargos infringentes. Agravo. Execução penal. Visita periódica à família. Interpretação do Art. 124 da Lei n. 7.210/84. Número legal inter-valo. Interpretação razoável. Vinculação do parágrafo ao caput.

    O artigo 124 da LEP deve ser interpretado, como todas as normas, de acordo com a razoabilidade, buscando maior agilidade no processo judicial de execução da pena, sem-pre atento ao fundamento principal de obter a ressocialização do apena-do, sendo indispensável o contato com a família.

    Na hipótese, a decisão atacada se mostra de acordo com a legislação vigente, não estando o apenado autorizado a sair por período superior ao disposto na lei, tendo o fim de também desburocratizar o processo executório, evitando que para cada saída do apenado seja necessária à autorização judicial. O que importa é que as saídas não ultrapassem o número de 35 dias por ano, sendo irrelevante que elas tenham ocorrido por mais de cinco vezes. Benefício adquirido através de decisão do Ju-ízo da Execução, após exame dos requisitos objetivos e subjetivos previstos na lei. Controle administrati-vo do benefício afetado à direção da unidade penitenciária. Inocorrência de delegação de poder jurisdicional. Distinção entre a aquisição e o gozo do benefício, a primeira inserida no âmbito da competência exclusiva do Juízo da Execução, o segundo passível de delegação à autoridade admi-nistrativa.

    Critério adequado e razoável adotado pelo Juízo das Execuções Penais. De outro giro, a ideia central de um artigo da Lei está em seu caput, servindo os parágrafos para detalhá-la, estando estes vinculados àquele. Assim, quando a lei dispõe que a autorização para saída não deve ocorrer em intervalo inferior a 45 dias, está se referindo àquelas saídas pelo prazo de 07 dias seguidos referidas no caput. Embargos aco-lhidos (fis. 235-236).

    Nesta Corte, nas razões de pedir do recurso especial de fis. 276-305, o Ministério Público alega que o acór-dão estadual contrariou os arts. 123 e 124, ambos da Lei de Execução Penal, e deu aos dispositivos legais interpretação divergente da consoli-dada jurisprudência deste Superior Tribunal.

    Argumenta ser incabível o defe-rimento de...

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