É Possível Planejar a Ciência? os cientistas franceses e a gênese de uma política científica no pós-guerra
Autor | Pierre Verschueren |
Páginas | 135-160 |
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n38p135/
135135 – 160
É Possível Planejar a Ciência?
os cientistas franceses e a gênese de
uma política científica no pós-guerra1
Pierre Verschueren2
Resumo
A Segunda Guerra mundial mostrou que a ciência constitui um elemento indispensável de po-
der: depois de Hiroshima, não poderia mais ser desconsiderado. Consequentemente, os Estados
ocidentais investem na Big Science com base no modelo fornecido pelos Estados Unidos. Diante
do aparecimento de um novo regime de produção dos saberes científicos, as universidades têm
que enfrentar o surgimento de um novo regime de produção das elites científicas. No entanto,
o campo universitário francês vê suas estruturas mudarem lentamente; os governos dos anos
1940 e 1950 parecem apostar sobre a homotetia existente, sem uma política global. O presente
artigo se interessa pela mobilização dos cientistas em nome de uma nova organização do métier
científico, por meio de um consenso de que cabe ao Estado apoiar e orientar o desenvolvimento
científico. De fato, depois dos primeiros fracassos frustrantes dessas mobilizações, uma política
científica se afirma a partir de 1956–1958.
Palavras-chave: Ciência. Planificação. Universidade. Mobilização. França.
A Segunda Guerra Mundial mostrou que a ciência constitui um ele-
mento indispensável de poder: depois de Hiroshima, ninguém poderia
mais negligenciá-la. Com a Guerra Fria, as ciências físicas se encontram
no centro de disputas mais amplas em decorrência da ressonância política,
diplomática e econômica de grande parte de seus avanços: basta evocar
a energia nuclear, a conquista do espaço, o aparecimento dos transisto-
res, ou ainda dos radares. Por isso, os estados ocidentais aumentam sig-
nicativamente seus investimentos na Big Science, isso é, na construção
de laboratórios e de grandes equipes, baseando-se no modelo dos EUA
1 Tradução de Rodrigo da Rosa Bordignon.
2 Doutor em história pela Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne (IHMC, CNRS/ENS/Paris 1), ATER no Collège
de France (Sociologie du travail créateur). E-mail: pierre.verschueren@gmail.com.
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durante a guerra (GALISON e HEVLY, 1992). A França segue rapidamen-
te esse movimento por meio da criação do Commissariat à l’Énergie Ato-
mique (CEA) e do Centre National de la Recherche Scientique (CNRS)
(PESTRE, 1992; PESTRE, 1996). Isso ecoa diretamente nas faculdades de
ciências francesas, as quais são as primeiras a conhecer uma massicação
exponencial (PROST e CYTERMANN, 2010): 13.000 em 1938–1939,
seus estudantes são 23.000 entre 1945–1946, 70.000 em 1960–1961; os
professores representam um pouco mais de 1.000 em 1938–1939, 1.600
em 1949–1950, e 3.600 em 1960–1961.
Com o mundo cientíco diante da aparição de um novo regime de
produção dos fatos e dos saberes cientícos (PESTRE, 2003), as universi-
dades têm que colocar em prática um novo regime de produção das elites
cientícas. No entanto, o campo universitário francês, profundamente es-
truturado por sua herança napoleônica, verá suas estruturas se modicarem
lentamente (CHARLE e VERGER, 2012). Sobre este ponto, os governos
dos anos 1940 e 1950 parecem apostar na complementaridade existente e
na criação de novas instituições sem uma política global.
Este artigo se interessa pela mobilização dos cientistas em favor de
uma nova organização de sua atividade, chamando o Estado a apoiar e
orientar o desenvolvimento cientíco.
Nascimento da “força de pesquisa científica”
(Fréderic Joliot)
Com o ocorrido em Hiroshima, as instituições mais antigas, inabalá-
veis bastiãs do modelo de cientista, revelam-se atores poderosos, dos quais
a intervenção é considerada esperada e legítima: a tomada de posição da
Académie des Sciences, em novembro de 1945, e a grande difusão do tex-
to na imprensa, mostra o poder da mais antiga e poderosa das sociedades
cientícas, templo da ciência ocial, estabelecida e ritualizada. Como bem
analisa Arnaud Saint-Martin, essa instituição representa o papel de supere-
go da ciência francesa (SAINT-MARTIN, 2002), mesmo quando ela não
é mais realmente o tribunal supremo que pretendeu ser no início do século
XIX, e que a acomodação servil adotada durante a Occupation coloque-a
em uma posição política secundária durante a Libération (GRISET, 2015).
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