Possibilidade de parcelamento de débitos de CPMF pela Lei 11.941/2009

AutorLuis Carlos A. Merçon de Vargas
CargoMestrando em Direito Tributário pela PUC/SP.
Páginas167-177

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1. Considerações introdutórias

O presente artigo tem como objeto de análise verificar a possibilidade de parcelamento de débitos de Contribuição Provisória sobre Movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza Financeira - CPMF, especialmente após o advento da Lei 11.941/2009, que instituiu o programa de parcelamento especial conhecido como Refis da Crise.

Cabe destacar que a CPMF foi instituída pela Lei 9.311/1996, cujo fundamento de validade é o art. 74 do ADCT, com a redação dada pela EC 12/1996:

"Art. 74. A União poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.

"§ 1º. A alíquota da contribuição de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco centésimos por cento, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei.

"§ 2º. A contribuição de que trata este artigo não se aplica o disposto nos arts. 153, § 5º, e 154, I, da Constituição.

"§ 3º. O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde.

"§ 4º. A contribuição de que trata este artigo terá sua exigibilidade subordinada ao disposto no art. 195, § 6º, da Constituição, e não poderá ser cobrada por prazo superior a dois anos."

Ainda, cabe destacar que a lei que instituiu a CPMF dispõe em seu art. 15 que: "Art. 15. É vedado o parcelamento do crédito constituído em favor da Fazenda Pública em decorrência da aplicação desta Lei".

Como base nesse dispositivo, sobretudo após a edição da Lei 11.941/2009, a jurisprudência vem reiteradamente decidindo

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não ser possível incluir débitos de CPMF em programas de parcelamento, uma vez que há vedação expressa em lei, conforme os seguintes julgados do TRF3:

"Processo Civil. Tributário. Execução fiscal. Parcelamento de débitos de CPMF. Impossibilidade por expressa disposição legal. 1. Não há que cogitar acerca da concessão de parcelamento em relação aos débitos oriundos da cobrança de CPMF, por força de expressa previsão legal constante do art.15 da Lei n. 9.311/1996, instituidora da aludida exação. 2. Agravo de instrumento improvido" (AI 200803000237707, Des. Federal Roberto Haddad, TRF 3ª-R., 4ª T., DJF3-CJ2, 14.7.2009, p. 307).

"Processual Civil. Agravo retido. Reiteração. Inocorrência. Legitimidade ativa. CPMF. Atraso no pagamento. Juros de mora e multa em período acobertado por decisão liminar posteriormente cassada. Incidência. Art. 63, § 2º da Lei n. 9.430/1996. Inaplicabilidade. Medida Provisória n. 2.037/2000. Princípio da especialidade. Parcelamento. Impossibilidade. Vedação contida no art. 15 da Lei n. 9.311/1996. 1. (...). 5. O parcelamento de débitos concernentes à CPMF é vedado pelo art. 15 da Lei n. 9.311/96, que continua válida e eficaz e veicula normas específicas quanto ao recolhimento dessa contribuição, devendo ser observada. 6. Agravo retido não conhecido. Preliminar rejeitada. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, providas" (AC 200561000138630, Des. Federal Consuelo Yoshida, TRF 3ª-R., 6ª T., DJF3-CJ1, 26.1.2011, p. 441).

Dessa forma, o objetivo do presente artigo será analisar o argumento utilizado por estas decisões, bem como buscar responder as seguintes questões: é possível o parcelamento de débitos de CPMF pela Lei 11.941/2009? Houve revogação do art. 15 da Lei 9.311/1996? Se sim, como se deu essa revogação?

2. Premissas epistemológico-jurídicas

Antes de entrar propriamente em nosso objeto de estudo, importante destacar qual o sistema de referência teórico que será utilizado em nossa análise.

O presente trabalho parte da premissa que o direito positivo está intimamente ligado à ideia de linguagem. Toda norma jurídica parte necessariamente de um enunciado linguístico proferido por autoridade competente. Assim, é traço comum a toda e qualquer norma jurídica possuir como ponto de partida o texto.

Logo, o componente linguístico é a própria essência do direito positivo, uma vez que sem linguagem não se pode falar em conjunto de normas. Por outro giro, sem linguagem não há ponto de partida para início do processo interpretativo, que culmina na formação da norma jurídica.

Firmada essa premissa, podemos estabelecer a diferença entre (i) enunciados prescritivos, (ii) as significações isoladas e

(iii) a norma jurídica.

Para isso, é conveniente utilizarmos a proposta de Paulo de Barros Carvalho,1para quem o direito positivo se manifesta em quatro planos: (i) S1, que é o conjunto de enunciados prescritivos tomados no plano da expressão; (ii) S2, que é o conjunto de conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; (iii) S3, que é o domínio articulado de significações normativas; e (iv) S4, que é a forma superior do sistema normativo.

Em síntese, esses planos seriam o percurso gerador de sentido, que ocorre quando o intérprete, a partir da leitura dos enunciados prescritivos (S1), articula suas significações (S2), criando a norma jurídica (S3), e relacionando-a ao sistema jurídico (S4).

Todavia, por uma questão de corte, nosso estudo terá como centro das atenções o plano S1, ou seja, o plano dos enunciados prescritivos tomados no plano da expressão.

Entretanto, advertimos que se trata apenas de um corte metodológico de preten-

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são analítica, tendo em vista que os planos indicados acima são indissociáveis, sendo impossível compreendê-los isoladamente.

Pontuamos que a escolha do enfoque no plano dos enunciados prescritivos se justifica porque este é a base empírica e objetivada, posta intersubjetivamente entre os utentes da linguagem. Nesse sentido, ensina Paulo de Barros Carvalho:2"A concepção do texto como plano de expressão, como suporte físico e significações, cresce em importância na medida se apresenta como o único e exclusivo dado objetivo para os integrantes da comunidade comunicacional. Tudo mais será entregue ao teor das subjetividades. Apenas o texto, na instância de sua materialidade existencial, se oferece aos sujeitos como algo que adquiriu foros de objetivação".

Ainda, cabe atentarmos para a observação feita por Tárek Moussallem:3"A atenção exacerbada dada ao subsistema S3 (normas jurídicas em sentido estrito) dominou, até a presente data, o cenário jurídico brasileiro, olvidando-se, por vezes, as importantes funções exercidas pelos subsistemas S2 e S1. Tal fato acabou por reduzir a visão do direito positivo ao subsistema S3 além de prejudicar o estudo dos elementos pertencentes aos demais subsistemas".

Sendo assim, cabe fazer algumas considerações específicas sobre o conceito de enunciado prescritivo.

Quanto a isso, podemos afirmar que o plano dos enunciados prescritivos tomados no plano da expressão (S1) é composto por orações soltas, plenas de sentido, mas sem formar uma unidade completa de significação deôntica. Nesse sentido, é importante destacar que "enunciado" é "(...) um conjunto de fonemas ou grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação".4Logo, considerando o triângulo semiótico com a nomenclatura proposta por Edmund Husserl, o enunciado corresponderia ao suporte físico, ou seja, a expressão material de um signo.5Voltando ao enunciado, podemos afirmar que toda produção de enunciado é decorrente de uma atividade humana, que denominaremos enunciação. Assim, conforme ensina José Luiz Fiorin: "o primeiro sentido de enunciação é o ato produtor de enunciados".6Contudo, esse ato produtor de enunciados se trata de um evento que se esvai no tempo e no espaço, somente sendo possível alcançá-lo por meio de marcas de produção deixadas no produto (enunciado).

Nas palavras de Tárek Moussallem:7"A enunciação é em si mesma o arquétipo do incognoscível. Trata-se de um acontecimento - agir humano - que se exaure no tempo e no espaço. Mas, por sua vez, projeta no enunciado os chamados fatos enunciativos (actantes, espaço e tempo da enunciação), que nos permitem constituir o evento da enunciação".

Nesse sentido, se considerarmos o conjunto enunciativo em sua totalidade, verificaremos que há duas espécies de enunciados:

(i) aqueles que remetem ao processo de enunciação; e (ii) aqueles que estão desprovidos de marcas de enunciação. Em relação aos primeiros, chamá-los-emos de "enunciação-enunciada". Já em relação ao segundo tipo, chamaremos de "enunciado-enunciado".

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Portanto, enunciação-enunciada são as marcas que remetem ao ato produtor do texto, enquanto os enunciados-enunciados são as mensagens veiculadas pelo texto.

Essa diferenciação é de grande utilidade para a análise do direito positivo, principal-mente se considerarmos temas como as fontes do direito e a revogação.

Isso porque a partir da enunciação-enunciada é que se permite reconstruir o procedimento legislativo e a competência do órgão que elaborou o documento normativo, bem como o espaço e o tempo em que este foi produzido.8Feitas essas considerações acerca dos enunciados prescritivos, reafirmamos sua importância, tendo em vista que é a partir desses enunciados que se inicia o percurso gerador de sentido.

Nesse ponto, cabe fixarmos como premissa que "a norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos de direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos".9Além disso, também podemos estabelecer que "o direito positivo é o complexo de normas jurídicas válidas em um dado país".10

Ou ainda: "(...) um conjunto...

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