Positivismo jurídico: da ascensão à crise
Autor | Marcos Oliveira de Melo |
Páginas | 73-118 |
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cAPÍTULO 2
POSITIVISMO JURÍDIcO: DA AScENSãO À cRISE
2.1 Ascensão do Positivismo Jurídico
Com a formação do Estado moderno nos séculos XVIII e
XIX, o Estado toma para si a monopolização da produção jurídi-
ca, isto é, a exclusividade de criar o Direito ou, mais precisamen-
te, as leis que regerão a sociedade.
A alteração no modo de produção do direito culminou
com uma mudança em suas categorias do direito. Estado e Direito
se equivalem, posto que o direito deriva do Estado. Enquanto no
Estado primitivo, em geral, as normas jurídicas eram produto da
sociedade pluralista58, adotando uma concepção dualista de di-
reito (Direito Natural e Positivo), no Estado moderno há uma
concepção monista, ou seja, apenas vigora o Direito Positivo.
Positivismo jurídico é uma concepção do direito que nas-
ce quando “Direito Positivo” e “Direito Natural” não mais são
58 Sociedade pluralista, pois cada grupo soci al tinha seu próprio direito: havia o
direito feudal, o direito das corporações, o direito das comunas ou civitates (dito
“direito estatutário”, “porque os atos que o constituíam chamavam-se “estatu-
tos”), o direito dos “reinos”. Todos esses direitos eram, em geral, subordinados
ao romano, assim como todas as organizações sociais eram subordinadas ao
Império” (BOBBIO, 2006, p. 31).
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considerados direito no mesmo sentido, mas o Direito Positivo
passa a ser considerado como direito em sentido próprio e o Di-
reito Natural é excluído da categoria do direito.
A partir desse momento o acréscimo do adjetivo “positivo”
ao termo “direito” torna-se um pleonasmo. “Positivismo é aquela
doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo”
(BOBBIO, 2006, p. 26). (grifo do autor)
Antes da formação do Estado moderno, não havia vincula-
ção exclusiva na lei para as soluções das controvérsias, antes, pelo
contrário, existia certa liberdade de escolha na determinação da
norma a aplicar, deduzindo regras dos costumes, da equidade e
da razão (Direito Natural).
Na formação do Estado moderno há uma imposição para
aplicar as normas e penas impostas pelo Estado, único criador
do direito. Esse processo de monopolização da produção jurídica
por parte dos Estados modernos tem precedentes na compilação
de Justiniano.
Todo o complexo de normas que regiam o direito romano
foi condensado por determinação de Justiniano, no Corpus juris
civilis, transmudando de direito de origem social para direito de
Estado que encontra fundamento na vontade do príncipe.
Na Idade Média, o direito romano difundiu-se com o
nome de “direito comum” (jus commune), contrapondo-se ao di-
reito próprio das diversas instituições, característica da sociedade
pluralista.
No conito entre o jus commune e o jus proprium, aos
poucos vai se rmando e prevalecendo o primeiro (jus com-
mune), pois emana da vontade do Imperador. Com a constante
prática, o direito se reduz ao jus commune, produto do Estado.
Percebe-se que a monopolização jurídica tem estreita relação
com o Estado absoluto.
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DIREITO NATURAL, DIREITO POSITIVO E HUMANISMO FRATERNAL
O termo nal do contraste entre direito comum e direito
estatal é representado pelas codicações (nal do século XVIII e
início do século XIX), através das quais o direito comum foi ab-
sorvido totalmente pelo direito estatal. ”Da codicação começa
a história do positivismo jurídico propriamente dito” (BOBBIO,
2006, p. 32).
A losoa jusnaturalista passou por severas críticas nota-
damente quanto a seus mitos estado de natureza, lei natural, con-
trato social, todos ligados ao pensamento racionalista do século
XVIII. Mas foi o movimento chamado historicismo que conduziu
o Direito Natural à margem da concepção jurídica.
O historicismo teve sua origem com a escola histórica do
direito, surgindo na Alemanha no nal do século XVIII e começo
do século XIX, representado em Savigny, seu maior expoente.
Por esse movimento, o Direito Natural não é mais enten-
dido como um sistema normativo de regras e sim, tão somente,
um conjunto de considerações losócas sobre o próprio Direito
Positivo, vale dizer, uma losoa do Direito Positivo.
Bobbio (2006, p. 49) muito bem observou algumas carac-
terísticas fundamentais do historicismo:
1) O sentido da variedade da história devida à variedade
do próprio homem: não existe o Homem (com H maiús-
culo) com certos caracteres fundamentais sempre iguais
e imutáveis, como pensavam os jusnaturalistas; existem
homens, diversos entre si conforme a raça, o clima, o pe-
ríodo histórico.
2) O sentido do irracional na história, contraposto à in-
terpretação racionalista da história própria dos iluminis-
tas: a mola fundamental da história não é a razão, o cálcu-
lo, a avaliação racional, mas sim a não-razão, o elemento
passional e emotivo do homem, o impulso, a paixão, o
sentimento (de tal modo o historicismo se torna Roman-
tismo, que exalta o quanto de misterioso, de obscuro e
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