Pós-modernidade: a identidade ? real ou virtual?

AutorMarco Antonio Barbosa
CargoBacharel, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e Professor e Pesquisador do Programa de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação da FMU
Páginas75-92
PÓS-MODERNIDADE: A IDENTIDADE – REAL OU VIRTUAL?
POST-MODERNITY: IDENTITY - REAL OR VIRTUAL?
Marco Antonio Barbosa1
Resumo: Aborda-se a identidade enquanto processo permanente de reconstrução e se constata que toda
utilização da noção começa pela sua crítica levando à interrogação se essa unidade tão postulada
corresponde de algum modo a algo real. O da do irredutível é a descontinuidade, de modo qu e para
formular a noção de identidade e resolver o pr oblema por ela colocado, a ú nica via que se apresenta é a
oposta ao substancialismo, podendo, a ssim, ser apreendida enquanto uma espécie d e lugar virtual ao
qual é i ndispensável referir para explicar certo número de coisa s, mas sem que tenha nunca existência
real.
Palavras-chave: identidade; virtualidade; essencialismo; modernidade; pós-moderni dade, poder
cultural.
Abstract: It addres ses itself to identity as a permanent process of recon struction and noted that any use
of the concept begins with his critici sm leading to the interro gation unit so if that is postulated in so me
way to something r eal. The figure is th e irreducible discontinuity, so to formulate the notion of identity
and address the problem posed by it, the only way that presents itself is the opposite t o the substantial
and can therefor e be perceived as a kind of vir tual forum in whic h it is essential that to explain certain
number of things, but that has never realit y.
Keywords: identity; virtuality; essentiali sm, modernity, post-modernity; cultural power
1 INTRODUÇÃO
.... o tema da identidade se situa não apenas em uma encruzilhada, mas e m
muitas. Ele interessa p raticamente a todas as disciplinas, e ele interessa
também a todas as so ciedades estudadas pelos etnólogos....(....) A crer no que
afirmam a lguns, a crise da identidade seria o novo mal do século. Qu ando
hábitos seculares se dissolve m, quando gêneros de vida desapar ecem, quando
velhas solidariedades se desmancham, é certo que uma crise de identidad e se
produz. 2
Como afirma Claude Lévi-Strauss, na citação acima, o tema da identidade
concerne a praticamente todas as disciplinas, o que vale também para o Direito, ao
menos em sua forma de abordagem e de estudos decorrentes da tradição ocidental.
As concepções sobre a identidade têm variações importantes no tempo e no espaço,
bem como conforme as formulações das diversas disciplinas. Ela também pode ser
encarada em seus aspectos subjetivos quanto às condições objetivas das quais é
sintoma e reflexo e o tema relativo à cultura encontra-se nesse último campo. Para
os operadores do Direito, e especialmente para aqueles preocupados com o Direito
na atualidade, a discussão e a reflexão sobre a crise da identidade são fundamentais
por diversas razões. A identidade na m odernidade tardia, ou pós-modernidade,
estaria em crise, segundo a visão de importantes estudiosos das ciências sociais.
Sua causa decorreria exatamente das profundas e enormes transformações devidas
entre outros fatores à globalização, à celeridade dos meios de comunicação, ao
encurtamento do tempo e do espaço que se impõem aos hábitos, aos gêneros de
1 Bacharel, Mestre e D outor em Dir eito pela Universida de de São Paulo e Professor e Pesqui sador do
Programa de Mestrado em Direito da Soci edade da Informação da FMU. E-mail: mabarbosa@fmu.br.
2 CLAUDE LÉVI-STRAUSS. L’Identité. Seminaire dirigé par Claude Lévi Strauss. Bernard Gras set.
Paris.1977, p. 9, tradução pessoal.
76 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 5, n.8, p. 75-92, jan./jun. 2010
vida e às antigas solidariedades, com consequências, portanto, também para a
noção de cultura. Parece-nos, assim, apropriado trazer ao debate jurídico essas
contribuições de outras disciplinas das ciências humanas e sociais a respeito da
crise da identidade na modernidade tardia. Conhecer as discussões em
antropologia, por exemplo, e em outras áreas afins, bem como identificar alguns
dos mais importantes fatos históricos e sociais que teriam produzido,
especialmente nas sociedades contemporâneas, a crise da identidade, pode
contribuir para o estudo do Direito e do direito cultural. Entrar nesse debate pode
permitir o alargamento de visão e quiçá a i dentificação de certos m itos modernos,
frequentes na formação jurídica. O propósito modesto deste ensaio é tão somente
desvelar esse processo de discussão, que diz respeito à crise de identidade n a
sociedade contemporânea, também conhecida como da informação, por meio do
conhecimento, tanto de certos eventos, ancorados na modernidade tardia, quanto
das contribuições das ciências humanas e sociais do mesmo perí odo. Algumas
dessas c ontribuições aqui analisadas serão tratadas como prismas de observação
dos fatos sociais e culturais e do próprio pensamento a elas anterior e que vêm
contribuindo para problematizar a noção de identidade, seja do sujeito, seja da
cultura.
2 A INDIVIDUALIZAÇÃO DO SUJEITO
A modernidade fez surgir uma decisiva forma de sujeito individualizado.
Ela liberou o sujeito de seu apoio no status (nas tradições e estruturas). Tal
processo histórico encontrou sua realização espacial, sobretudo na Europa. Situa-se
entre o Humanismo renascentista do século XVI e o Iluminismo do séc. XVIII. Ele
é o responsável pelo nascimento do indivíduo soberano, por meio da ruptura com o
passado e a constituição da história do sujeito individual. Provocou, assim, ra dical
mudança da cosmovisão alegórico-teológica para antropológica3, e redefiniu o real,
por meio de suas coordenadas espaço e tempo4.
Vários eventos são invocados nesse processo de transformação. Entre eles
a reforma e o protestantismo, que liberaram a consciência individual das amarras
das instituições religiosas da Igreja e permitiram a exposição dir eta do indivíduo
aos olhos de Deus. Do mesmo modo, o Humanismo renascentista colocou o
homem no centro do universo. É por isso que se tratou da constituição de uma nova
cosmovisão. Antropológica, oposta à anterior, alegórico-teológica. Igualmente, as
revoluções científicas conferiram ao homem a faculdade e a capacidade para
inquirir, investigar e decifrar mistérios da natureza. O Iluminismo centrou-se na
ideia de homem racional, científico, libertado do dogma e da intolerância, diante
do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser compreendida e
dominada. Descartes (1596-1650), por exemplo, foi decisivamente influenciado
pela nova ciência do século XVII e atingido pela profunda dúvida que se seguia ao
deslocamento de Deus do centro do universo. Acertou as contas com Deus ao
torná-lo o primeiro movimento de toda a criação e, daí em diante, passou a explicar
o resto do mundo m aterial inteiramente em termos mecânicos e matemáticos. As
coisas para Descartes devem ser explicadas por uma redução aos seus elementos
essenciais, à quantidade mínima de elementos e, em última análise, aos seus
elementos irredutíveis. No centro da “mente” fica o sujeito individual, constituído
3 GILBERTO MAZZOLENI, O planeta cultural . Edusp. São Paulo 1990.
4 STUART HALL. A identidade cultural na pós-modernidade. DO&A.Rio. 2005, p. 25.

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