A politização em condições politicistas: alguns problemas analíticos e resultados de trabalhos

AutorOdaci Luiz Coradini
Páginas36-75
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n37p36
36 36 – 75
A politização em condições
politicistas: alguns problemas
analíticos e resultados de trabalhos
Odaci Luiz Coradini1
Resumo
Neste artigo são examinadas algumas implicações do estudo da politização, com ênfase nas pos-
sibilidades e nos limites atinentes às condições periféricas. Para tanto, na primeira parte do texto
são apresentados alguns elementos gerais relativos às def‌inições propostas por Jacques Lagroye,
sobretudo enfatizando as bases teóricas e os problemas epistemológicos subjacentes. A segunda
parte da exposição utiliza resultados de investigações realizadas nas últimas décadas, em dife-
rentes universos empíricos no Brasil e que abrangem direta ou indiretamente questões relativas
à politização ou temas conexos. A partir delas são evidenciados problemas decorrentes, por um
lado, das dif‌iculdades ocasionadas pela falta de autonomia das Ciências Sociais, e, por outro
lado, dos desaf‌ios ligados às particularidades sócio-históricas. Uma vez que, nesses contextos, é
atribuído maior peso à “política” na estruturação social, bem como seus princípios de def‌inição
são diversos e múltiplos, além de haver múltiplos circuitos, com princípios de seleção distintos,
que circunscrevem algo que pode ser tido como da ordem “política”.
Palavras-chave: Politização. Lagroye. Periferia. Ciências sociais.
Introdução
Os objetivos deste texto diferem um tanto daquele formato de apresenta-
ção de resultados de trabalhos centrados em algum problema especíco, com
a utilização da respectiva base de dados e metodologia própria. No presente
caso, trata-se de apresentar uma síntese de alguns problemas e resultados de
esforços no estudo de politização e temas conexos em condições brasileiras.
Portanto, além da oportunidade de um relato sintético, também pode servir
como reexão sobre este tipo de problema.
1 Professor de ciências sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 37 - Set./Dez. de 2017
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Em termos formais, o texto é constituído, basicamente, por duas partes.
Na primeira, são apresentados alguns elementos gerais relativos às denições
propostas por Lagroye (2003b, 1991). Isso decorre do fato de que, no caso
em pauta, estas conceituações e respectivas bases teóricas e conceituais têm
sido a principal fonte para a apropriação de esquemas analíticos concernentes
à politização e temas conexos nos trabalhos sinteticamente comentados na
segunda parte. Além disso, e que parece ser o mais importante, conforme
uma das ideias gerais que orientam o texto, se por um lado conceitos como
o de politização podem constituir ótimos instrumentos analíticos; por ou-
tro, representam um forte perigo de substancialização e sua transformação
em algo a ser “aplicado” para a constatação de determinada “realidade”. Esta
substancialização pode ser reforçada pelo raciocínio analógico, inclusive por-
que se trata de um conceito que abrange processos e, consequentemente, sua
utilização pode se tornar muito propensa à redundância, ou seja, a formulação
de determinado problema de investigação (a “politização”) cuja resposta está
contida na sua própria formulação. É tendo isso e outros problemas desta
ordem em vista que são apresentados ou destacados alguns dos elementos da
fundamentação epistemológica e teórica da conceituação de politização em
pauta e dos desaos (ou impasses) representados pelas condições periféricas.
A politização como conceito e como inscrição em
perspectivas teóricas e epistemológicas
Como é sabido, nas ciências sociais, com exceção de poucos casos em que
algum conceito é formulado através de algum neologismo, em geral a formu-
lação ocorre pela redenição de termos de uso comum, como é o caso daquele
de politização. Isso implica, em primeiro lugar, que os princípios dessa rede-
nição remetem às respectivas bases teóricas, que passam a estar presentes na
própria denição conceitual. Em segundo lugar, no que tange especicamente
ao conceito de politização, sua denição implica a conversão, ou seja, um pro-
cesso de transformação de algo supostamente externo passando a ser referido
como da ordem da “política” ou daquilo que foi “politizado”. Assim, está pre-
sente na própria denição conceitual de politização o problema mais geral do
que seja a própria “política”, em oposição àquilo que seria externo à mesma.
Por mais elementares que possam parecer estas ideias gerais, é necessário tê-las
presente ao apreender as diferentes perspectivas conceituais e metodológicas
no estudo da politização.
A politização em condições politicistas: alguns problemas analíticos e resultados de trabalhos | Odaci Luiz Coradini
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Embora possa parecer elementar, também é necessário destacar que tan-
to a conceituação como os estudos relativos à politização e a temas conexos
abrange o conjunto das ciências sociais no ocidente, não se restringindo, por-
tanto, à França. Porém, mesmo deixando de lado as ciências sociais anglo-
-saxônicas e tomando apenas a França, este tipo de estudo vai muito além dos
trabalhos de Lagroye ou de seus seguidores. Nesse sentido, uma das principais
e mais antigas linhas de investigação de politização consiste naquela que tem
como principal eixo temas relativos à constituição do corpo eleitoral ou a
expansão dos processos eleitorais e a gradativa incorporação da população até
então excluída da “política” – dentre outros, ver particularmente Garrigou
(1992); Gaxie (1978); Oerlé, (2007); Lacroix (1985). Porém, como já foi
mencionado, a orientação teórica e a linha de trabalho de Lagroye mantém
uma posição relativamente própria. Para uma melhor compreensão de suas
potencialidades, limites e desaos, é necessário destacar alguns pontos, espe-
cialmente nos esforços em sua utilização no estudo em condições periféricas.
Alguns desses pontos têm sido destacados ou pelo menos apontados nas exe-
geses realizadas nos últimos anos. Por outro lado, outros aspectos tidos como
centrais não chegam a ser apontados nessas exegeses, talvez como efeito da
dinâmica do próprio espaço das ciências sociais na França.
O primeiro desses aspectos centrais que tem efeitos decisivos nas condi-
ções de apropriação e utilização da denição de politização de Lagroye consis-
te na concepção de “política” e suas implicações em denições correlatas, tais
como a de “poder”. Apesar da forte inuência das abordagens interacionistas
no que tange a outros pontos, como os vinculados às lutas e competições no
espaço político (LAGROYE, 1973) ou nas relações e usos das regras institucio-
nais e, inclusive, para se contrapor às perspectivas institucionalistas, tomando
como objeto as próprias denições daquilo que seriam as instituições (LA
GROYE; OFFERLE, 2010, as denições de “política” remetem diretamente
à sociologia da dominação de Weber (LAGROYE, FRANÇOIS; SAWICKI,
2002, p. 36-38). Sinteticamente, em primeiro lugar, é daquilo que não dispõe
de alguma “solução” de outra ordem e, consequentemente, torna-se um pro-
blema “político” (no sentido da “continuação da guerra por outros meios”).
Em segundo lugar, trata-se do poder de “arbitragem” (ou de “governo”), em
oposição àquele de mediação e inuência. Em terceiro lugar, trata-se também
de algo que necessariamente se constitui em um princípio de diferenciação

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