Politicy and crisis of current capitalism: theoretical contributions/ Politica e crise do capitalismo atual: aportes teoricos.

AutorMascaro, Alysson Leandro

Introducao

A nocao de crise politica ou juridica--exemplificada e vivida em paises que vao da America Latina e seus atuais processos de impeachment ate chegar as primaveras arabes e batendo, mesmo, nos EUA--costuma ser lida como crise moral, das instituicoes ou mesmo civilizacional, mas, quase nunca, como crise do capitalismo como modo de producao. Quando, raramente, o diagnostico teorico alcanca este objeto, permanece refem dos horizontes ideologicos que o produziram. Tal qual nao se pode sair do poco puxando-se os cabelos, tambem nao se pode ler a crise capitalista por meio dos proprios termos teoricos que fundam sua reproducao. A tarefa de consolidacao das mais avancadas balizas teoricas criticas e empreendimento necessario para confrontar a sociabilidade presente em termos estruturais. Isto exige rupturas metodologicas, deslocamentos e reelaboracoes do objeto teorico e investigacoes materiais que facam a compreensao da sociedade avancar de marcos ideologicos para cientificos. Politica, direito e instituicoes, como plexos centrais do capitalismo, devem ser lidos a partir de sua natureza concreta, de suas formas sociais e de suas determinacoes pela mercadoria.

O objetivo desta reflexao e encaminhar uma arquitetonica dos horizontes teoricos do campo marxista que buscam se fundar na propria materialidade da reproducao do capital, apontando para suas determinacoes e suas contradicoes. Se ha uma confortavel zona de trabalho reformista que tem sido o espaco de atuacao da esquerda, e preciso extrair do marxismo aquilo que aponta para alem de tais visoes baseadas no Estado e no direito.

Por se tratarem de visoes construidas a partir de fundamentos independentes e, mesmo, com pronunciadas contraposicoes entre si--buscar-se-a anelar uma especifica juncao de alguns dos campos teoricos marxistas contemporaneos, que floresceram, quase todos, a partir do terco final do seculo XX. Tal amalgama, que se articula com a propria reflexao sobre a forma politica estatal e a forma juridica, podera servir de relevante ferramental a esclarecer as perspectivas de luta da atualidade. Em destaque, o referencial teorico que unira tais campos sera a critica do direito promovida por Pachukanis, bem como as contribuicoes de Althusser para a critica da ideologia juridica, avancando, entao, no espaco teorico cada vez mais chamado por "novo marxismo", de onde se desdobram importantes marcos para tais debates.

  1. Da crise e suas leituras

    As multiplas leituras do quadro da crise capitalista presente representam variados interesses e, mesmo, sinceras dificuldades de analise e de estrategia. Via de regra, tem havido um redobrar da aposta dos setores liberais, que dominam a producao da ideologia do atual saber economico e dos meios de comunicacao de massa que o difundem. De outro lado, setores criticos tem repetido uma especie de posicao institucionalista de esquerda, arraigada mundialmente desde as decadas finais do seculo XX, fundada em estruturas politicas democraticas, na acao por dentro do espaco das instituicoes e na resistencia a desmontes neoliberais dessas mesmas esferas politicojuridicas. A crise do capitalismo e lida, portanto, ou por quem nao a reconhece como crise capitalista--desejando mais mercado desregrado para curar o mercado--ou por quem a trata como crise capitalista minoravel ou domavel--desejando mais mercado regrado para curar o mercado. Reforma, seja para mais ou para menos, tem sido o mote para a crise capitalista do final do seculo XX e do inicio do seculo XXI.

    Em termos de massificacao das leituras, nao ha paralelo entre o poder da visao liberal--que domina jornais, televisoes, internet, as universidades--e as visoes criticas--que, quando muito, ganham algum espaco em eventuais governos de centro-esquerda e em residuais circulos intelectuais de resistencia. No campo progressista e das esquerdas, leituras concretas e materialistas da dinamica do capitalismo contemporaneo tem sido poucas, ainda constrangidas--indevidamente--pelas eventuais sombras do escombro sovietico. Mas e preciso se voltar a uma visao aprofundada da atualidade, a ser necessariamente critica, apontando para a contradicao fundante da economia politica presente--e, dai, para o imperativo de superacao desta atual sociabilidade. Tal leitura desagrada aos tempos de reproducao capitalista entre margens maximas e minimas de instituicoes e reformas e de ligeireza confortavel das ideias estabelecidas.

    Alem das classicas proposicoes que versavam sobre outros momentos da reproducao do capital, o campo do marxismo tem desenvolvido, desde a decada de 1970, diagnosticos a respeito da crise capitalista contemporanea (1). Excluindo-se leituras que sejam diretamente ligadas a velhas ordens politicas--como as que se gestaram, ao tempo, por interesse ou afinidade com o mundo sovietico--e ainda aquelas, mais frequentes, que abusam de jargoes marxistas para fins de reiteracao de leituras tradicionais, resta entao o vigor das visoes radicais. Estas apontam ao incomodo de nao parecerem politicamente plausiveis--dado que nao jogam a partir das bases armadas pela sociabilidade atual--e, dai, sao tidas como impraticaveis mesmo as lutas progressistas e de esquerda que se empreenderam nesse tempo. No entanto, exatamente seu incomodo e sua falta de condescendencia sao indices de que tais teorias se aproximam de um vigoroso diagnostico cientifico acerca do capitalismo presente.

    Sobre crise e superacao do capitalismo, varias reflexoes criticas, de searas independentes e relativamente divergentes entre si, foram gestadas nos tempos que se seguem ao desmoronamento do capitalismo de bem-estar social ocidental. Sao leituras que, quando despontam, deparam-se com um espaco de crescimento de ideias conservadoras e de fechamento de prestigio ao campo marxista, associado que foi, por grande parte do seculo XX, a experiencia sovietica. Por isso, embora seu vigor, sao forjadas de modo minoritario nas academias. Na America Latina, que conheceu alguma dose de vitalidade do pensamento e da acao de esquerda no mesmo periodo, tambem o marxismo, como denuncia dos limites e das contradicoes do capitalismo e apontamento da necessidade de sua superacao, nao alcancou grande afeicao teorica. As posicoes de esquerda, mesmo que articulando alguns jargoes marxistas, sao reiteradamente de reformismo e de desenvolvimento das proprias relacoes capitalistas. O louvor a democracia, aos direitos humanos, ao respeito as instituicoes e, mesmo, uma certa escatologia humanista, religiosa muitas vezes, de insercao de grupos e minorias no quadro da sociabilidade capitalista, posicionaram variadas esquerdas latinoamericanas num espaco similar ao dos grupos multiculturalistas ou ao daqueles que, na ultima decada do seculo XX, intitularam-se terceira via.

    Uma leitura do marxismo que se forje a partir do problema do direito permite entender as contradicoes das apostas reformistas--que sao sempre estrategias juridicas, lastreadas em aumentos e manejos de direitos subjetivos e respeito a instituicoes--e, ao mesmo tempo, gesta ferramentas teoricas para encontrar-se com uma critica marxista dos campos da economia, da politica, da ideologia e da subjetividade. Com base em reflexoes que se estabelecem claramente a partir de Evguieni Pachukanis, muitos ambientes teoricos podem ser iluminados e mesmo reconfigurados por uma denuncia da juridicidade como simile do mundo da mercadoria, que porta contradicao e exploracao, vendo dai a crise como sua regra.

    Para o necessario dialogo com a critica marxista do direito, aponto para alguns dos grandes horizontes de analise critica contemporanea, todos de algum modo embebidos de marxismo: althusserianismos, pos-estruturalismos, derivacionismos, regulacionismos, altermundismos e criticas do valor. O encontro de tais leituras fornece o mais vigoroso caldo de cultura para a critica social atual. E certo que, de per se, sao doutrinas que apresentam postulacoes insignes e, muitas vezes, irredutiveis. Mas, por se iniciarem a partir da critica da sociedade da mercadoria, possuem um grande espaco comum para gerar as ferramentas teoricas necessarias para o diagnostico do presente. Muitos denominam a esse campo de teorias e teoricos de novo marxismo. (2)

  2. Marxismo: crise e critica da forma juridica

    Tomarei como ponto de partida uma radical leitura pachukaniana sobre direito, politica e economia. (3) Tal mirada alta, ainda que nao fale diretamente de questoes peculiares da crise do capitalismo presente--como o fazem as teorias da regulacao, por exemplo, com seus termos medios, que dao conta de explicar os varios momentos historicos da producao capitalista, como o fordismo e o pos-fordismo--tem, no entanto, o condao de assentar as bases mais solidas a respeito da reproducao social geral do capitalismo. E apenas se fundando nessa visao estruturante que, entao posteriormente, chegar-se-a a singularidade do momento atual.

    Evguieni Pachukanis funda sua leitura do direito nao diretamente nas instituicoes normativas--afastando assim o juspositivismo recorrente da autoexplicacao dos juristas. Mas tambem nao se situa no patamar intermediario das explicacoes do direito pelo poder. Esse campo, que e vasto e altamente contrastante entre seus pensadores, vai de um Carl Schmitt a um Michel Foucault e, insolitamente, congrega boa parte do pensamento juridico da esquerda--daquela de um direito insurgente ou alternativo--e tambem do proprio marxismo--como e o caso de Pietr Stutchka. A esse espectro da filosofia contemporanea, denomino-o nao-juspositivismo. (4)

    Para alem do juspositivismo e do direito como fenomeno de poder, Pachukanis alcanca o direito enquanto forma social de subjetividade juridica. Nesse nivel funda-se a concretude material do direito. A forma social da mercadoria--com base em Marx em O capital--e, necessariamente, uma forma de relacao entre sujeitos, que, para tanto, portam as mercadorias na condicao de seus guardioes por direito, transacionando-as. Assim, esta na mercadoria o...

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