Políticas públicas de educação, psicologia e neoliberalismo no Brasil e no México na década de 1990

AutorAlayde Maria Pinto Digiovanni/Marilene Proença Rebello de Souza
CargoMestre, aluna do curso de doutorado do Programa Interunidades de Pós-graduação em Integração da América Latina, Universidade de São Paulo (PROLAM/USP)/Doutora, Professora Livre-docente do Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Páginas47-60

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1 - Introdução

A América Latina tem sido palco de discussões e de ações no campo da educação com vistas à universalização do acesso e à garantia da qualidade do ensino em todos os níveis. Nas últimas décadas do século XX, forte pressão política se estabeleceu sobre o poder público, a partir de setores organizados da sociedade, que reivindicavam o direito à educação pública, universal, gratuita, democrática, laica e de qualidade, bem como por meio de organismos internacionais de financiamento, que estabeleceram determinadas exigências aos países “em desenvolvimento”, no âmbito da educação, visando seu desenvolvimento econômico e social. Essas exigências internacionais se inscrevem no cenário da globalização, que tem sua consolidação, a partir do Consenso de Washington, em 1989, promovido por diversos acordos de financiamento protagonizados pelo Banco Mundial e por relações de ampliação do mercado.

Identifica-se, neste período, a educação como um fator primordial para o desenvolvimento econômico, implicado em uma série de indicações internacionais para as políticas públicas educacionais da América Latina e Caribe. Tais recomendações se coadunam e impulsionam o modelo de orientação econômica neoliberal, e tem como um dos eixos centrais o Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, da UNESCO, coordenado por Jacques Delors (1996). Essas indicações buscam, nas Ciências Humanas e na Psicologia Educacional, concepções interacionistas de desenvolvimento humano e de aprendizagem que corroborem com princípios e finalidades do modelo econômico, que visa, por meio da educação, preparar indivíduos para esta nova ordem mundial imposta pela globalização acelerada deste período.

É no cenário da globalização, hegemonicamente neoliberal, que se constitui o objetivo deste estudo: compreender o contexto político e social que favoreceu determinadas concepções de aprendizagem e de desenvolvimento humano, produzidas pela Psicologia Educacional, e que estão presentes nas políticas públicas de educação do Brasil e do México, na década de 1990. Foram escolhidos esses países em função de semelhanças em termos de dados educacionais, demográficos e em integração aos mercados globais. Do ponto de vista metodológico, utiliza-se como fonte de dados documentos oficiais, produções acadêmicas sobre o tema, bem como dados educacionais dos dois países.

A análise partirá de uma breve incursão histórica sobre a reorganização financeira internacional, apresentando a implementação do neoliberalismo na América Latina e como a educação pública foi se constituindo, à luz deste modelo, no Brasil e no México. No âmbito dos documentos analisados, identifica-se a presença de conceitos oriundos de abordagens em Psicologia Educacional que dão sustentação teórico-metodológica às concepções de ensino e de aprendizagem que subsidiam políticas educacionais na perspectiva da sociedade neoliberal. Por fim, considera-se que as políticas produzidas e implementadas na década de 1990, se adequaram às recomendações que objetivavam um projeto educacional específico para a América Latina nesta década, elaborado pelos organismos internacionais sob as recomendações do Fundo Monetário Internacional.

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2 - Neoliberalismo na américa latina

A economia mundial depois da Segunda Guerra teve a maior expansão da história, incluindo os países que se encontravam na periferia do sistema capitalista. Isso ocorre em função da explosão demográfica que ampliou consideravelmente a força de trabalho disponível, da melhor exploração dos recursos naturais, energéticos e agrícolas e do desmantelamento dos países colonialistas, que provocou uma abertura de mercado direto com as ex-colônias e o crescimento da demanda global, que, por sua vez, promoveu a incorporação dos fatores produtivos ociosos ao processo econômico.

Para sustentar a nova ordem econômica proposta foram criados, em 1945, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) com seus dois organismos financeiros internacionais, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), ambos com a finalidade de regular e acompanhar as relações econômicas internacionais e a reconstrução econômica, em especial, dos países europeus ameaçados pela falta de liquidez. Outros organismos foram se somando a estes, com destaque para a Organização das Nações Unidas (ONU, 1945), a United Nations Educational, Scientificand Cultural Organization (UNESCO, 1945) e a United Nations Children’s Fund (UNICEF, 1946). Outro agente importante nesse processo, de cunho financeiro, foi o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID, 1959), a United States Agency for International Development (USAID, 1961) e, por fim, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 1965). Todos tinham a missão de auxiliar a elaboração de políticas em diferentes setores, como economia, saúde e educação, dos países atingidos pela guerra e os países latino-americanos.

Com as ações financeiras iniciais, a América Latina obteve um crescimento considerável resultante do aumento das exportações e facilidades do financiamento externo, que se constata no aumento da renda per capita que em média cresceu mais de cinco mil dólares apenas no ano de 1966 (RANGEL e GARMENDIA, 2012).

Crescimento controlado por estratégias de intervenção do Estado, porém, “el papel del Estado fue cuestionado, debido, principalmente, a que los beneficios del crescimiento no se reflejaban en la población latinoamericana” (RANGEL e GARMENDIA, 2012, p. 40). Isso fez com que no segundo período fossem mais regionalizadas as estratégias com a adoção de medidas protecionistas que buscavam dar maior equilíbrio ao desenvolvimento das regiões, porém, estas se mostraram ineficazes e terminaram por impulsionar a crise da década de 1980.

Com a falência do sistema keynesiano, acentuou-se a liberalização financeira que procurou superar a chamada repressão financeira:

(…) a partir de la desregulación de la actividad financiera local e internacional. Según se argumentaba, estas transformaciones resultarían en una mayor eficiencia en la asignación de los recursos financieros, promoviendo el ahorro y favoreciendo la inversión productiva. Este proceso generaría — asimismo — un “círculo virtuoso” de ahorro, inversión, crecimiento, empleo y desarrollo económico. (ALLAMI e CIBILS, p. 58.)

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A subida do dólar e a crise do petróleo ampliaram a dívida externa dos países da América Latina (Brasil e México estão entre os países que mais se endividaram), a inflação alta e a crise de abastecimento, dentre outros fatores, propiciaram a entrada do neoliberalismo na década de 1990. O Consenso de Washington (1989) indicava uma saída pela liberalização da economia com um modelo aberto e flexível. Nessa direção, a maioria dos países da América Latina abriram suas economias permitindo a entrada de investimentos estrangeiros em áreas consideradas, até então, estratégicas para os países. Constata-se, em toda a América Latina, uma onda de privatizações, de setores estatais importantes, como o energético e o financeiro.

Em alguns países, a opção por esse modelo se deu na tentativa de sair das hiperinflações e da crise fiscal que assolavam as economias, causando um enfraquecimento do Estado (CORSI, 2010). Variáveis diversas, particularmente o desemprego, debilitaram:

(...) a capacidade de resistência da classe trabalhadora. Não por acaso o Brasil, que viveu forte ascensão dos movimentos sociais na década de 1980, abraçou a estratégia neoliberal mais tardiamente. Sem dúvida que a adoção dessa estratégia implicou em uma reacomodação dos setores das classes dominantes, com o fortalecimento dos setores financeiros e rentistas e dos vinculados às exportações. Setores de classe fortemente articulados com o capital estrangeiro, que nunca teve solidariedade com o desenvolvimento nacional na periferia. (..) Muitos Estados nacionais se viram cada vez mais impotentes ante esses fluxos e “forçados” a submeterem-se aos ditames do capital financeiro. (CORSI, 2010, p. 27.)

Os organismos internacionais influenciaram, cada vez mais, os países latino-americanos, pressionando-os para a adesão às políticas neoliberais. Diante desse processo, estão os organismos de crédito que, ao cederem empréstimos, exigem uma contrapartida de adequação das políticas públicas para favorecerem os grandes investidores. Todas estas ações, no bojo da aceleração do processo de globalização, extrapolaram a esfera econômica da produção e finança, entrando em áreas como a educação e a cultura (CASASSUS, 2001).

Na educação pública, as intervenções mais significativas vieram a partir da Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990. Dentre estas agências, destacam-se a UNESCO, a UNICEF, o PNUD e o BID na implementação das ações decorrentes da conferência. Os governos que dela participaram, assinando a Declaração Mundial de Educação para Todos, comprometeram-se a assegurar uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos. Porém, a compreensão, na maioria dos casos, foi a de que para estratos sociais diferentes, o esperado eram ensinos diferentes, uma vez que se compreendia que as necessidades básicas de um e outro não poderiam ser as mesmas em países de extremas desigualdades sociais. Isso trouxe um agravamento das diferenças entre os mais ricos e os mais pobres, ficando reservado para estes uma educação focada na produtividade do mercado, dificultando o acesso a uma...

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