Políticas Públicas de Concessão de Crédito: Distorções e suas Correções Através do Código de Defesa do Consumidor

AutorRicardo Canan
CargoDoutor em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR
Páginas164-188
Políticas Públicas de Concessão de Crédito:
Distorções e suas Correções Através do
Ricardo Canan *
Introdução
O fenômeno da bancarização acentuou-se sobremaneira nas últimas déca-
das. Até mesmo o Estado, na realização de políticas públicas, utiliza-se do
sistema f‌inanceiro. Principalmente em virtude da facilidade de acesso da
população a este sistema, pois enormemente ramif‌icado1. Políticas públi-
cas de concessão de crédito, tanto como incentivo para indústria, comér-
cio, prestação de serviço e agricultura, como para proporcionar meios de
início de uma atividade econômica ou, ainda, para distribuir auxílio para a
população carente, são viabilizadas através do sistema f‌inanceiro. É difícil
imaginar como ocorreriam de maneira diversa.
Aproveitando-se da ramif‌icação da rede de atendimento, bem como das
necessidades do Estado e cidadãos, as instituições f‌inanceiras – verdeiras
intermediários das políticas públicas –, obtêm lucro. Seja através do uso
* Doutor em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC/PR. Mestre em Direito Econômico e Social pela
PUC/PR. Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná e da Universidade Paranaense. Advogado.
E-mail: rcanan@uol.com.br
1 Dados divulgados pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) dão conta de que, no Brasil, em
2010, já existiam 19.813 agências, e 12.670 postos de atendimento bancário, e que 96% dos municípios
contavam com um canal de distribuição de serviços do sistema f‌inanceiro. Os dados da pesquisa podem ser
consultados na seguinte página eletrônica (acessada em 22.12.2013, às 15:17 horas): http://www.febraban.
org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/BANCARIZA%C7%C3O%20%20III%20
Congresso%20Latino%20Americano%20de%20bancariza%E7%E3o%20e%20Microf‌inan%E7as%20-%20
FELABAN%20-%20JUNHO%202011%20-%20FINAL.pdf
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dos valores de repasse em atividades f‌inanceiras, de cobranças de serviços
bancários dos benef‌iciários do crédito estatal, ou ainda, através das eleva-
das taxas de juros que praticam.
Além da cobrança pelos serviços bancários, no momento do repasse
do crédito aos cidadãos, ou em momentos posteriores, há prática de uma
série de condutas abusivas, pré-contratuais, contratuais e pós-contratuais.
Estudos estatísticos demonstram que o cidadão brasileiro está banca-
rizado e endividado. Também demonstram que o salário de mais de 90%
da população (assalariada) é insuf‌iciente para atender as necessidades fa-
miliares básicas, considerando-se aquelas constantes no art. 7º, IV, da CF. E
demonstram que o lucro líquido dos bancos supera, ano a ano, a inf‌lação
e os reajustes salariais, como também que os bancos são líderes em litígios
que tramitam frente o Poder Judiciário. As estatísticas, portanto, apontam
para a existência de transferência involuntária (mas praticamente inevitá-
vel) de renda, da população para as instituições f‌inanceiras.
Com base nestas constatações, o presente artigo apresenta, por primei-
ro, as estatísticas e o cruzando de dados, bem como as principais formas
pelas quais ocorre, por parte das instituições f‌inanceiras, lesão a direitos
dos benef‌iciários de políticas públicas de crédito. Ao f‌inal, se apresentam
argumentos para que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) seja uti-
lizado, tanto como proteção ao benef‌iciário das políticas públicas, como
também como forma de proteção da própria política pública.
Af‌inal, se o desenvolvimento sustentável passa, necessariamente por
proporcionar à população carente meios de desenvolver-se socioeconomi-
camente, e se estes meios (também) são as políticas públicas que, em parte,
se viabilizam através do sistema f‌inanceiro, não se pode admitir que este
mesmo sistema explore indevidamente aqueles que carecem de auxílio.
1. Bancarização e Endividamento
Com o capitalismo ocupando o lugar de sistema econômico prevalente em
todo o mundo2, os meios pelos quais se passou a tentar garantir desen-
volvimento para países e respectivas populações, adaptaram-se ao siste-
ma econômico vigente. As políticas internas e mesmo as políticas externas
passaram a utilizar a concessão de crédito como uma forma de propiciar
2 COMPARATO, 2013, p. 252.
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