Políticas públicas de combate ao trabalho infantil e o papel da Justiça do Trabalho

AutorJonas Pablo de Araújo Costa
Páginas45-57

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1. Introdução

A triste realidade do trabalho infantil retratada em suas mais variadas formas - trabalho em lixões, fábricas, lojas, feirantes e até mesmo o doméstico - e a ausência ou mesmo a ineficiência de políticas públicas de combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes constituem-se numa grave violação de direitos fundamentais previstos no Texto Constitucional.

Ao lado desse cenário de negação de direitos de crianças e adolescentes, surge o fenômeno da judicialização de políticas públicas de combate ao trabalho infantil, que se caracteriza pela exigibilidade judicial de promoção de políticas públicas que garantam a prestação de serviços básicos, em benefício desta parcela da população que se encontra em situação de vulnerabilidade social.

Nesta senda, há de se destacar que a implementação de políticas públicas deixou de habitar a seara exclusivamente do mundo político para ingressar, por definitivo, no contexto das decisões judiciais.

É, portanto, sob essa perspectiva de judicialização de direitos fundamentais que se passa a perquirição do papel da Justiça do Trabalho no controle da implementação e execução de políticas públicas de combate ao trabalho infantil.

2. Trabalho infantil: conceito, delimitação e marco normativo

A exploração do trabalho de crianças e adolescentes faz parte da história e da cultura do Brasil desde a época da colonização.

Nesse plano, Santos, C. M. (1997, 11-15) comenta "crianças e adolescentes especialmente as negras e as indígenas eram introduzidas nos trabalhos domésticos e nas plantações para ajudar no sustento da família".

Nesse contexto histórico, há que se destacar que crianças e adolescentes nem sempre tiveram os mesmos direitos que lhes são assegurados pelo atual arcabouço jurídico.

Com efeito, foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que o tema trabalho infantil passou a ganhar espaço no cenário nacional, com importantes refiexos para o sistema de proteção de crianças e adolescentes.

Nesta perspectiva, antes de adentrarmos propriamente no estudo sobre a evolução normativa acerca da sistemática envolvendo a exploração do trabalho infantojuvenil, cabe-nos trazer a lume o conceito do que vem a ser trabalho infantil no âmbito do presente estudo.

Desta feita, o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente define o termo "trabalho infantil" como sendo:

Aquelas atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com a finalidade de lucro, remuneradas ou não que estejam em situação de vulnerabilidade social, realizadas por crianças e adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente de sua condição ocupacional. Para efeitos de proteção do trabalhador adolescente, será considerado todo trabalho desempenhado por pessoa com idade entre 16 e 18 anos incompletos e, na condição de aprendiz de 14 a 18 anos incompletos, conforme definido pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998.(1)

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Esse conceito encontra-se disciplinado no art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil; vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (...)

Como se vê, o trabalho para o menor de 14 anos está proibido. Dos catorze aos dezesseis anos é permitida a contratação, mas apenas sob a forma de contrato de aprendizagem, sendo vedado o trabalho noturno, em condições insalubres, penosas e perigosas. Ademais, a partir dos dezesseis, é permitida a contratação, uma vez que é alcançada a maioridade trabalhista, porém, continua vedado o labor em condições perigosas, insalubres ou em trabalho noturno.

No mesmo sentido, conferindo especial proteção a crianças e adolescente, preconiza o art. 227 da Constituição da República, com a seguinte disposição:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão.

Da análise dos dispositivos citados, percebe-se claramente que a Constituição Federal de 1988 assegurou importantes conquistas em favor da infância e da juventude, conferindo-lhes proteção constitucional, fazendo com que crianças e adolescentes passem a ter seus direitos reconhecidos de modo absoluto.

Segundo Saraiva (2002), pela primeira vez na história brasileira, a questão da criança e do adolescente é abordada como prioridade absoluta e a sua proteção passa a ser dever da família, da sociedade e do Estado.

Ademais, em consonância com os dispositivos constitucionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/90) dispõe sobre o direito à profissionalização e de proteção ao trabalho.

Sobre o tema, destaca Machado (2003, p. 188): [...] o direito à profissionalização objetiva proteger o interesse de crianças e adolescentes de se preparem adequadamente para o exercício do trabalho adulto, do trabalho no momento próprio; não visa o próprio sustento durante a juventude, que é necessidade individual concreta resultante das desigualdades sociais, que a Constituição visa reduzir.

No plano internacional, o primeiro marco de combate ao trabalho infantil encontra-se prevista na Convenção n. 138 da OIT de 1976, que estabelece a idade mínima para a admissão em emprego, nunca inferior a quinze anos. Esse documento foi ratificado pelo Brasil somente em 20012.

Ainda neste cenário, é preciso destacar a Convenção n. 182 da OIT, sobre as piores formas de trabalho infantil, ratificada pelo Brasil em 20003.

Com se nota, as próprias Convenções ns. 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho, ambas ratificadas pelo Estado brasileiro, traduzem um núcleo sólido de proteção do trabalho infantil e do paradigma do trabalho decente.

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Infere-se, portanto, da análise conjunta pormenorizada, que tais dispositivos apresentam dupla dimensão, uma de natureza proibitiva, na medida em que veda a realização do trabalho em certa época da vida, a outra de natureza protetiva, com vistas a assegurar a fruição dos demais direitos fundamentais, especialmente a educação, saúde, lazer e convivência familiar, nos moldes do art. 227 da Constituição Federal.

3. Aspectos sociais do trabalho infantil: causas e efeitos

O trabalho infantil é um problema que persiste na sociedade moderna e se traduz numa intolerável violação de direitos e princípios constitucionais, especialmente o da prioridade absoluta e da proteção integral.

Dados apresentados pela Organização Internacional do Trabalho, em 2013, apontam que atualmente existem aproximadamente 168 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em todo o mundo, cujos direitos consagrados na Declaração dos Direitos da Criança ainda são ignorados4.

No Brasil, o nível de incidência do trabalho infantil tem diminuído, pois calcula-se que existam aproximadamente 3,5 milhões de crianças entre 5 anos e 17 anos em situação de trabalho infantil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, realizado pelo IBGE, em 2012.

De acordo com a pesquisa (PNAD, 2012), a estimativa mostra uma diminuição de 5,41% em relação a 2011, ou menos 156 mil crianças a menos nestas condições5

De modo geral, dentre as causas apontadas para a inserção da criança ou adolescente no mercado de trabalho, a principal, sem dúvida, é a pobreza. Mas há ainda diversas causas neste emaranhado de problemas, da qual destacamos: a falência ou inexistência de políticas públicas pelos entes estatais direcionadas à infância e juventude6.

Destarte, ao lado desses fatores, torna-se imperioso aduzir que o elemento cultural consistente na aceitabilidade de trabalho infantil é situação que agrava ainda mais a problemática do trabalho precoce.

Com efeito, ainda hoje é comum frases como: "É melhor a criança trabalhar do que roubar", e, ainda, "trabalhar educa o caráter da criança", traduzindo a noção fortemente arraigada de que "trabalho é solução para a criança".

Como se vê, esses mitos sociais são frequentemente utilizados para justificar e tolerar o trabalho infantil, além de contribuir para a manutenção da inércia secular do Estado brasileiro no que tange à promoção de políticas públicas de enfrentamento ao trabalho infantil. Desse modo, essas são principais causas que fomentam o trabalho infantil, tornando tão árdua sua erradicação.

Quanto aos efeitos do trabalho infantil, é evidente que o trabalho precoce prejudica a escolaridade, conforme sustenta Rosangela Rodrigues (2011, p. 223):

Quanto aos efeitos deste fenômeno, é indene de dúvidas que o trabalho infantil prejudica a escolaridade e, mesmo quando a criança estuda, há deficits no seu aprendizado. Esta circunstância conduz à conclusão de que o trabalho precoce perpetua o círculo vicioso de pobreza da própria família da criança ou do adolescente. Em geral, pais pobres e com baixa...

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