Políticas de Juventude e capacidades estatais no Brasil

AutorPriscilla Ribeiro dos Santos
CargoDoutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Páginas427-464
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v17n39p427/
427427 – 464
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Políticas de Juventude e
capacidades estatais no Brasil1
Priscilla Ribeiro dos Santos2
Resumo
Este artigo analisa as capacidades do Estado brasileiro na gestão da Política Nacional de Juventude
(PNJ) no período de 2003 a 2014. Tendo como referência a literatura sobre capacidades estatais,
foi empreendida pesquisa de natureza qualitativa com base na análise documental. Verificou-
se que baixos níveis de capacidade estatal, aferidos pela trajetória de institucionalização, coor-
denação interinstitucional e capacidade inclusiva, explicam os entraves na gestão do principal
programa voltado à juventude, o Projovem. Tais fatores combinados geraram efeitos em termos
de implementação em virtude de correlações de forças interinstitucionais, níveis diferenciados
de capacidades de gestão dos entes federados e desarticulação dos núcleos decisórios com os
processos participativos existentes na área.
Palavras-chave: Capacidades estatais. Políticas Públicas. Juventude. Participação.
Introdução
De 2003 a 2014, a agenda governamental brasileira se abriu a temas
que há décadas vinham sendo reivindicados pelo ativismo societal. A re-
tomada do papel indutor do Estado na promoção de políticas sociais re-
sultou na implementação de programas e ações em áreas como juventude,
cultura, promoção da igualdade racial, políticas para as mulheres, cida-
des, economia solidária, segurança alimentar e nutricional, entre outras.
Característica comum a todas essas áreas foi a criação de ministérios ou
1 Este artigo é uma versão revisada da tese de mesma autoria. Agradeço as valiosas sugestões dos pareceristas
anônimos da Revista Política & Sociedade.
2 Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisadora do Grupo
de Pesquisa Processos Participativos na Gestão Pública/UFRGS. Contato: pciasantos@gmail.com
Políticas de Juventude e capacidades estatais no Brasil | Priscilla Ribeiro dos Santos
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secretarias especiais que passaram a contemplar mecanismos de participa-
ção social, como conselhos e conferências.
No referido período, dez novos conselhos nacionais foram criados e
103 conferências foram realizadas, com destaque para a área de políticas
sociais (57,2% do total de conferências realizadas). Nos ciclos conferenci-
ais, estimou-se participação de sete milhões de brasileiros (SECRETARIA
DE GOVERNO, 2016).
Dentre as políticas sociais priorizadas pelos governos de Luiz Inácio
Lula da Silva e de Dilma Rousse, a temática da juventude apostou na par-
ticipação e na intersetorialidade para a execução de seus programas. Histo-
ricamente, a juventude teve diculdades em incluir suas pautas na agenda
governamental como temas prioritários. Mesmo diante da vulnerabilidade
social dos jovens, a temática só foi incluída na agenda pública do Estado
brasileiro no período subsequente à Constituição de 1988.
Nesse recente processo de reconhecimento do jovem com um ator
relevante do desenvolvimento socioeconômico, abordagens repressivas e
autoritárias, que percebiam o jovem como objeto de direito penal, têm
perdido centralidade, cedendo lugar a perspectivas progressistas, que reco-
nhecem o jovem como protagonista do processo político e sujeito de di-
reitos (COSTA; ALBUQUERQUE, 2016; ALMEIDA; NASCIMENTO,
2011; SALLAS; BEGA, 2006; BELLUZZO; VICTORINO, 2004). Toda-
via, a disputa no âmbito das práticas discursivas e sociais persiste. Não raro,
o discurso do jovem como agente estratégico de desenvolvimento se associa ao
discurso do risco, da violência e da vulnerabilidade social, comprometendo
o desenvolvimento de políticas para além da perspectiva do ajustamento
e do disciplinamento da juventude (COSTA; ALBUQUERQUE, 2016).
Mesmo que, durante décadas, o Estado brasileiro tenha tornado essa
temática invisível, a relevância e o protagonismo político e social dos jo-
vens marcaram a história do país. Desde a luta contra o regime militar,
as Diretas Já, a conquista do voto facultativo dos 16 aos 17 anos, as ma-
nifestações em defesa do impeachment de Fernando Collor, os protestos
que mobilizaram milhões em junho de 2013 até as recentes ocupações
de escolas públicas em defesa da educação nos estados de São Paulo e Rio
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 39 - Mai./Ago. de 2018
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Grande do Sul, em 2015 e 2016, são símbolos do ativismo juvenil no país
(GOHN, 2013; ZITKOSKI; HAMMES, 2014).
Essa mobilização da juventude tem contribuído para repensar os limi-
tes do sistema político brasileiro e tem dado provas de que os jovens, cien-
tes de suas singularidades e potenciais, têm demandas ao Estado quanto
à implementação de políticas nas áreas de educação, transporte público,
cultura, saúde, entre outras. Em 2010, o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente (ECA) completou vinte anos. Mesmo com os avanços em termos de
legislação, ainda hoje, o país enfrenta diculdades em viabilizar melhores
condições de vida aos jovens de 15 e 29 anos. Além disso, pouco se avan-
çou em termos da institucionalização das políticas de juventude.
A histórica ausência de políticas públicas para o público jovem contri-
buiu para o fenômeno da inatividade juvenil. Na contramão dos avanços
em termos de elevação dos anos de escolaridade e do discreto aumento
da frequência escolar entre os jovens nos últimos anos (IBGE, 2015), a
condição de jovem “nem-nem”, isto é, que não está na escola, nem no
mercado de trabalho, é um dado preocupante, que demanda ações por
parte do Poder Público. Tal condição de vulnerabilidade afeta, sobretu-
do, as mulheres jovens com lhos, pois, na ausência de políticas públicas
que permitam a continuidade dos estudos e/ou a inserção/permanência
no mercado de trabalho, retornam ao ambiente doméstico para cuidar das
crianças3 (MONTEIRO, 2013).
A construção da cidadania juvenil se coloca como um tema priori-
tário para a agenda dos governos democráticos tanto do ponto de vista
numérico, por abranger expressivo contingente populacional mundial,
quanto em termos do impacto que os jovens podem desempenhar na pro-
moção de mudanças sociais efetivas. Nesse sentido, incluir a juventude
no planejamento das ações estatais implica pensar o futuro e o projeto de
3 Segundo Monteiro (2013), o percentual de jovens “nem-nem” com ensino fundamental incompleto era de
39% para mulheres sem filhos, 55% para mulheres com filhos e 14% para homens com base em 2011. Isso
equivale a um milhão de jovens no grupo entre 19 e 24 anos que tinham o ensino fundamental incompleto e
estavam fora do mercado de trabalho (o que representa 5% da população nessa faixa-etária). Além do recorte
de gênero, os jovens “nem-nem” possuem características que variam de acordo com escolaridade e renda. A
partir de dados do IBGE, Monteiro (idem) verifica que quanto menor a escolaridade e menor a renda, maior a
probabilidade de ocorrer o fenômeno da inatividade juvenil.

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