Política e petróleo na venezuela

AutorFlávio Túlio Ribeiro Silva
Páginas27-46

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O petróleo é conhecido há centenas de anos. Na Mesopotâmia era usado como elemento para unir tijolos; os chineses e romanos dele se valiam para iluminação. A palavra petróleo vem do romano petraoleus (azeite de rochas). Apesar de sua utilização em vários países, conhecemos sua verdadeira importância somente no século XIX, com o advento da industrialização.

Os nativos venezuelanos conheciam o petróleo como mene e o usavam para impermeabilizar suas canoas, bem como para produzir luz. Em 1799, Alejandro Humbolt descobriu um manancial na Península de Araya, Estado de Sucre, na Venezuela. Em 1839, o governo começou a pesquisar o produto através de José Maria Vargas e, nesse período, conclui-se que esse poderia valer mais do que o ouro, pela diversidade de sua utilização.

O primeiro poço de exploração no mundo foi descoberto em 1859, na Pensilvânia, Estados Unidos, na propriedade particular de Edwin

  1. Drake. O início da exploração na Venezuela ocorreu em 1875, após um terremoto, provocando a saída de grandes quantidades através das gretas, devido ao movimento telúrico. O primeiro poço foi chamado de La Alquitrana, no Estado de Táchira, por seu proprietário, conhecido como Manuel Antonio Pulido. Esta unidade deu origem à primeira companhia petroleira venezuelana, registrada como Petrolera del Táchira.

Mais do que tratar a história do petróleo, começamos a entender sua relação com a política de Estado e seus desdobramentos na ampla influência sobre seus governantes e seus discursos. Assim como Roger Chartier disserta:

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As percepções do social não são de forma alguns discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por ela menosprezado, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, ou suas escolhas e condutas. Por isso, estas investigações sobre representações supõem-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação (CHAR-TIER, Roger. História Cultura, 1988, p. 17).

A participação mais ativa da Venezuela no cenário geopolítico mundial começou durante o primeiro período pós-guerra, entre 1918 e 1939, em decorrência da primeira guerra, entre 1914 e 1918, promoveram-se importantes efeitos sobre o desenvolvimento tecnológico e industrial dos países mais desenvolvidos, dentre os de mais destaque, o de elevar o petróleo à posição de bem estratégico, indispensável para defesa de um país ou o bloqueio de um grupo, tanto em caso de guerra como em dar sequência à maioria das atividades produtivas.

Em outra parte, os avanços tecnológicos durante a guerra e na década posterior proporcionaram à economia mundial uma dimensão e complexidade maiores, de que seria difícil controlar suas flutuações se fossem mantidos os mecanismos do século XIX e início do século XX. Os países industrializados se viram cada vez mais dependentes do petróleo importado, especialmente os Estados Unidos e a União Soviética. O período que se sucedeu trouxe uma grande mudança na economia e na sociedade venezuelana, pois foi o passo para a alteração de um país predominantemente agrícola para um majoritariamente petroleiro.

Em 1914, inicia-se a ascensão da produção do petróleo no governo ditatorial do general Juan Vicente Gomez e, por conseguinte, sua exploração em grande escala. Assim, estabelecem-se condições para a Venezuela suplantar, na segunda década do século XX, os modelos econômicos baseados no café, bem como no cacau e na pecuária. Apesar de, no final do século XIX, algumas concessões serem homologadas de forma ocasional, os consórcios petroleiros internacionais começam a operar a partir de 1907.

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Faz-se importante a compreensão de que, na primeira década do século XX, as companhias petroleiras já se inseriam no auge das economias capitalistas dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França. Ocorre a formação de gigantescos monopólios como os da Standard Oil Company e Royal Dutch Oil Company, atuando na Europa e Estados Unidos com uma planificação e atividade nas principais zonas petroleiras do mundo e, por seguinte, tendo a Venezuela como uma área estratégica. Assim, em 1907, através do marco da nova lei de minas, principia-se a operação de extração do petróleo. Os moldes jurídicos aprovados em agosto de 1905 por Cipriano Castro1nomeiam-se concessões por cinquenta anos, com o compromisso de começar a produção dentro dos quatro anos seguintes à homologação do título. O comprometimento das empresas era de pagar ao estado um imposto anual de sessenta centavos de dólar por hectare da concessão, acrescido de uma regalia2 (royalties) ou pagamento do privilégio de um dólar e vinte centavos por tonelada exportada. As primeiras concessões foram permitidas a venezuelanos, que repassaram a consórcios internacionais, porém, devido a conflitos do governo de Cipriano com as potências europeias e a estadunidense, foram suspensas e reativadas no governo sucessor.

A ascensão de Juan Vicente Gomez3à presidência (1908-1935) marcou um reinício acelerado de promulgações de concessões, chamada por muitos como ditadura petrolero gomecista. O discurso de Gomez reflete a sua inclinação amplamente favorável ao capital internacional. Logo, seu governo planifica restabelecer a confiança e crédito interna-

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cional e, por conseguinte, restabelecer relações diplomáticas inibidas por Castro. O objetivo era majorar os ingressos fiscais para suprir seus compromissos internos e externos gerados por governos anteriores.

Gomez, vice de Castro, assume em 1908 o poder, não permitindo ao titular a volta à Venezuela depois de uma viagem à Europa. Governou vinte e sete anos por eleições, três mandatos diretos e mais dois com candidatos apoiados (Jose Gil Fortoul, 1913 e Victoriano Másquez Bustilho, 1914). Controlou o congresso por meio de várias reformas constitucionais, modernizou o exército e criou a escola militar (1911) e a de aviação militar (1920). Como forma de contar com um exército permanente, promulgou a lei do serviço militar obrigatório. Combateu fortemente a oposição através das cadeias de exílio, prisões e trabalhos forçados.

O período gomezista representou condições favoráveis às inversões das companhias de petróleo e uma situação de controle das questões políticas. A centralização do poder foi galgada através da supressão dos partidos tradicionais, tanto conservadores como liberais; a atividade política estudantil foi suprimida, chegando à universidade central, fechada por onze anos. Incluía estudantes ilustres como Romulo Betancourt (líder e presidente em 1959), Arturo Uslar Pietri e Romulo Gallegos, que, entretanto, foram vencidos sem obter êxito em suas reivindicações.

Percebemos então que o governo Gomez "impôs sua concepção de mundo social, os valores que são seus e seu domínio", como Chartier nos dissertou. O efeito prático foi o beneficiamento aos investimentos internacionais, a volta das concessões por cinquenta anos, como outorgada a companhia estadunidense New York and Bermudez.4No que tange à área financeira, a dívida venezuelana de 161.138.109 bolívares5 foi quitada antes de sua morte.

A facilidade para investimentos com baixa intervenção do governo e a não aplicação de normas de refinamento, bem como a isenção de impostos aduaneiros para importação de máquinas e equipamentos,

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permitiram uma elevação da produção petrolífera. Em 1925 o petróleo tinha superado o café como o primeiro produto de exportação e, em 1928, a Venezuela se tornou a maior exportadora mundial e segunda em produção, apenas superada pelos Estados Unidos.

A sinergia da administração gomezista com capital estrangeiro permitiu um campo promissor ao sistema capitalista ocidental. As grandes corporações, neste período histórico, estavam num processo de acumulação de capital posterior à primeira Guerra Mundial. A Venezuela permitiu aplicação dos excedentes de capital na monopolização do seu principal produto. Apresenta-se como fato exemplificador a demissão do ministro Gumersindo Torres, pela solicitação das multinacionais e o convite feito às mesmas para reformar a lei de minas, adequando às aspirações das empresas.

A primeira greve operária na indústria petroleira foi em 11 de setembro de 1936, durante o governo do general Eleazar Lopez Contreras (1936-1941). A crise financeira de 1929 já tinha reduzido em 66% a massa trabalhadora. Os campos de Zulia e Flanco eram os com maior número em trabalhadores, que apresentaram as reivindicações de fixação de um salário mínimo, aumento de proventos, descanso semanal remunerado, melhorias das habitações, prestação de serviços médicos e eliminação das cercas que rodeavam as residências operárias.

Apesar dos 43 dias de greve, a inspetoria do trabalho, órgão governamental, acrescenta 1 Bolívar no soldo diário e inicia-se uma perseguição policial aos líderes do movimento.

Em 1941, plena Segunda Guerra, a produção petrolífera havia alcançado os inimagináveis 228 milhões de barris no governo Isaias Medina Angarita (1941-1945). Entretanto, um fato histórico inverteu esta situação: o bombardeio a Pearl Habor por japoneses, em 14 de fevereiro de 1942, destruindo grande volume de aviões estadunidenses abastecidos pela Venezuela, incluindo explosão de sete navios cargueiros venezuelanos. A produção reduziu-se a 148 milhões de barris, refletindo numa brusca redução dos ingressos do país.

Medina, valendo-se da demanda aquecida pela guerra, depois de muitos estudos e discussões, convocou o Congresso em 13 de maio para homologar uma nova lei petroleira, que: unificou todas as medi-

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das de governos anteriores; obrigou as companhias a ampliar no país o número de refinarias, aumentou os impostos e regalias (royalties) ao nível das margens dos consórcios; renovação, por parte do governo, de todos os títulos outorgados e ampliação de vigência por quarenta anos, inclusive com renúncia, pelo governo...

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