Política, gênero humano e direitos humanos na formação do pensamento de Karl Marx

AutorVitor Bartoletti Sartori
CargoProfessor adjunto da faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG, doutor em filosofia do Direito pela USP e mestre em história social pela PUC SP
Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, V. 11 N. 4, 2020 p.2440-2479.
Vitor Bartoletti Sartori
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/43146| ISSN: 2179-8966
2440
Política, gênero humano e direitos humanos na formação
do pensamento de Karl Marx
Politics, Human gender, Human Rights in the formation of Karl Marx´s thought
Vitor Bartoletti Sartori¹
¹ Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Hori zonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
vitorbsartori@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9570-9968.
Artigo recebido em 4/06/2019 e aceito em 23/02/2020.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, V. 11 N. 4, 2020 p.2440-2479.
Vitor Bartoletti Sartori
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/43146| ISSN: 2179-8966
2441
Resumo
A partir dos escritos marxianos da Gazeta renana (1842), pretendemos analisar a
formação do pensamento marxiano no que toca o tema da política e dos direitos
humanos. Intentamos demonstrar que Marx passa de uma concepção ontopositiva do
Direito e da política, em 1842, a uma concepção ontonegativa, no final de 1843. O
percurso do autor começa com a defesa do Estado político como essenciais à
sociabilidade e chega à crítica ao Estado como tal. Neste momento de sua obra, tem-se
por essencial a tematização da oposição entre individualidade e generidade; se em um
primeiro momento Marx busca o elemento universal da liberdade no Direito, na Crítica
à filos ofia do Direito de Hegel já enfoca a forma democrática de governo para, então,
finalmente, em Sobre a questão judaica, contrapor-se com força a tais teses. O autor
procura, então, defender que o indivíduo só se eleva ao patamar de um ser genérico ao
recuperar para si suas forças próprias que apareciam estranhadas na política. O ponto
de partida para a teoria marxiana passa a ser a crítica ao Direito, à política e à sociedade
civil-burguesa.
Palavras-chave: Marx; Sobre a questão judaica; Direitos humanos; Política; Gênero
humano.
Abstract
Based on the Marxian writings of the Rhenish Gazette (1842), we intend to analyze the
formation of Marxian thought on the matter of politics and human rights. We try to
demonstrate that Marx changes from an ontopositive conception of Law and politics, in
1842, to an ontonegative concepti on, at the end of 1843. The course of the author´s
work goes from the defense of the political state as something essential to sociability to
the criticism of the state as such. In this moment of his work, in which it is essential to
thematize the opposition between individuality and the Human gender; if, at first, Marx
seeks the universal element of freedom in law, in Critique to Hegel's philosophy of law
he focuses on the democratic form of government, and then, finally, on the Jewish
question, such theses. The author seeks, then, to defend that the individual only rises to
the level of a generic being when it recovers for itself its own forces that appeared
alienated in the politics. The departure point for Marx becomes the Critic of Law, Politics
and Buourgeous Civil Society.
Keywords: Marx; On a jewish question; Human rights; politcs; Human gender.
Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, V. 11 N. 4, 2020 p.2440-2479.
Vitor Bartoletti Sartori
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/43146| ISSN: 2179-8966
2442
Introdução
No presente artigo, pretendemos abordar o momento inicial de formação do
pensamento marxiano. (Cf. CHASIN, 2009) A partir daquil o que José Chasin chamou de
análise imanente
1
, trataremos dos textos marxianos de 1842-43, tendo em conta a
relação entre política, vida genérica (Gattungsleben), ser genérico (Gattungswesen) e
sociedade civil-burguesa (bürgerliche Gesellschaft). Passaremos, essencialmente, pelos
textos da Gazeta Renana, pela Crítica à fil osofia do Direito de Hegel e por Sobre a
questão judaica, textos em que a temática ganha mais destaque e em que também se
delineiam alguns temas essenciais à obra marxiana. A abordagem marcada pela análise
imanente justifica-se porque, com ela, é a partir do próprio texto, no caso, de Marx que
emergem as determinações de seu pensamento. Mesmo que se tenha em mente que há
uma gênese de tal formação ideal, e mesmo que sua função social precise ser destacada
com cuidado, tanto gênese quanto função, isoladas da estrutura objetiva das formações
ideais analisadas, podem aparecer de modo arbitrário em uma pesquisa séria. Assim, a
análise imanente chasiniana (que tem suas raízes nas pesquisas de Lukács da Destruição
da Razão) constitui um passo necessário no entendimento de obras, artigos, e
contribuições de autores importantes. Em nosso caso, trataremos das obras que
compõem o período formativo do itinerário de Karl Marx.
A análise do pensamento de Marx justif ica-se, primeiro, devido ao caráter
clássico do autor nas assim chamadas ciências humanas; não é exagero dizer que
qualquer posicionamento com maior fôlego neste campo, seja discordando, seja
concordando com o autor, precisa de um acerto de contas com Marx e com o marxismo.
Outro ponto que remete à importância do estudo destes textos são as discordâncias
sobre o estatuto de tais obras. Trataremos desta questão, mesmo que rapidamente,
mais à frente. Ou seja, neste texto, pretendemos contribuir para um estu do cuidadoso
da obra de Marx; e isto se justifica, de um lado, pela influência decisiva do autor nos
debates sobre a política e os rumos da sociedade atual; doutro lado, tem-se um debate
1
Como diz Chasin: “tal análise, no melhor da tradição reflexiva, encara o texto a formação ideal em sua
consistência autosignificativa, aí compreendida toda a grade de vetores que o conformam, tanto positivos
como negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e suficiências, como as eventuais lacunas e
incongruências que o perfaçam. Configuração esta que em si é autônoma em relação aos modos pelos quais
é encarada, de frente ou por vieses, iluminada ou obscurecida no movimento de produção do para-nós que
é elaborado pelo investigador, já que, no extremo e por absurdo, mesmo se todo o observador fosse
incapaz de entender o sentido das coisas e dos textos, os nexos ou significados destes não deixariam, por
isso, de existir [...]”. (CHASIN, 2009, p. 26)

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT