A política pública de emprego, trabalho e renda no Brasil: estrutura e questões

AutorRose Serra
CargoUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas245-254

Page 246

1 Introdução

Neste artigo, abordarei a Política Pública de Emprego, Trabalho e Renda, tendo em vista discutir a sua estrutura em nível federal, apresentando algumas análises sobre seus limites e possibilidades no estágio atual de seu desenvolvimento, com a compreensão de sua importância como estratégia governamental para o enfrentamento do grande problema da atualidade, o desemprego (e as diversas formas de subemprego), que teve início no final da década do século passado até o presente, a partir da crise capitalista dos anos 1970 e, também, com essa nova crise de 2008. Na primeira crise, o desemprego (e suas derivações) fez-se presente como um problema central e de imensa envergadura, do ponto de vista econômico e social. Nessa crise atual, que apenas começou, novamente o desemprego já apresenta níveis preocupantes nos países centrais e na periferia do mundo, com uma velocidade nunca ocorrida antes.

Apresentarei, em linhas gerais, como base anterior da análise dessa Política, alguns traços dessas crises capitalistas, grande parte delas vigente até hoje. Finalmente, indicarei alguns resultados de uma pesquisa empírica sobre os impactos de cursos de qualificação no trabalho e na vida de seus beneficiários, de um Projeto de Trabalho e Renda de uma Secretaria do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Essas reflexões, neste artigo, estão amparadas no desenvolvimento do meu Projeto de Pesquisa no Programa de Dedicação Exclusiva da UERJ: Programa de Incentivo à Produção Técnica, Científica e Artística (PROCIÊNCIA), no período de agosto de 2005 a julho de 2008, centrado nos programas dessa política em nível estadual, já submetido, portanto, ao crivo de avaliações dos órgãos de fomento CNPq e FAPERJ e dos canais específicos do PROCIÊNCIA. Neste Projeto, aprovado para o período de 2008 a 2011, também continuo estudando tal Política; desta vez, enfocando a questão do financiamento das mesmas em nível internacional e o pensamento dos seus gestores e beneficiários.

Em acordo com importantes analistas e estudiosos da temática trabalho, em nível internacional e em nosso país, considero que é o desemprego o principal determinante das graves expressões da questão social no contexto econômico e sociopolítico, em várias regiões do mundo, a partir da década de 1970, quando as economias centrais começaram a apresentar sinais de esgotamento do padrão de produção vigente, até então.

Segundo análises de Serra (2000), o reordenamento do capital na área da produção e no âmbito da circulação, tendo em vista a busca de maiores taxas de lucro e, objetivando o enfrentamento dessa crise, resultou em novo modelo de produção, a chamada reestruturação produtiva, que modificou os processos de produção e o trabalho, alterando suas formas, condições e relações de produção. No âmbito da inserção no mercado de trabalho, alteraram-se os regimes e contratos de trabalho, com a substituição, em grande monta, do emprego formal pelo emprego em tempo parcial, temporário, subcontratado e terceirizado, aplicado em dimensão mundial, processo de substituição do tipo de emprego formal, vigente, até então, em larga escala. Instala-se, portanto, o trabalho precarizado como opção majoritária do capital.

Ao lado dessas ocorrências, também houve o aumento do contingente do exército industrial de reserva, a exclusão precoce de trabalhadores do mercado de trabalho, considerados "velhos" pelo capital, a baixa absorção de jovens e a inserção cada vez mais cedo de crianças no mercado de trabalho. Por outro lado, a forte incorporação da mulher, nesse mercado, tem provocado o crescimento da população economicamente ativa (PEA), pressionando as taxas de desemprego.

Assim, resultante desse novo padrão produtivo, múltiplas alterações no mundo do trabalho ocorreram e, desde a década de 1980, em escala mundial, vem acontecendo um processo de substituição dos empregos formais por novas modalidades de inserção no mercado de trabalho, guardando, tal processo, diferenças e peculiaridades entre os países centrais e o resto do mundo, os chamados países periféricos, como o Brasil.

Pela impossibilidade de uma análise mais apurada, em razão do ocorrido no segundo semestre de 2008, não me deterei na nova crise capitalista, em escala internacional, desencadeada nos Estados Unidos e que se espalhou pelos países centrais e já chegou aos países periféricos, como é o caso do Brasil. Suas consequências já se fazem sentir no mundo todo, de maneira avassaladora, em termos de redução de postos de trabalho, o que trará uma situação muito sombria para a realidade mundial, tornando essa temática uma necessidade premente de objeto de estudos e investigações empíricas, além de intervenções urgentes dos governos e demais segmentos da sociedade civil, principalmente o setor empresarial.

De todo modo, penso que essa crise, que ora vivenciamos, pode ser entendida como resultante imediata da insolvência do sistema de hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos da América, provocada pela expansão generalizada do crédito, o que levou a um grande crescimento da demanda em vários setores e, em grande monta, no setor imobiliário, seja no financiamento habitacional, seja no investimento para ganhos, face, principalmente, à baixa de juros, situação que provocou altos níveis de descontrole e enorme rentabilidade dos agentes financeiros, sobretudo, aos bancos de investimento.

Quando o descontrole suplantou a rentabilidade, o quadro se inverteu, resultando na inadimplência generalizada dos compradores de imóveis e, consequentemente, dos bancos de investimento. Frente a esse quadro, há muitas implicações que afetam o sistema capitalista, sendo a maisPage 247 importante, a que atingiu duramente o seu núcleo básico -o sistema produtivo-, o que implicou, quase que de pronto, na desaceleração do desenvolvimento econômico, nos países centrais e, também, em países periféricos, com redução da produção, implicando, como consequência, em forte redução da oferta e do corte de empregos, provocando a implantação da recessão econômica, fantasma temido pelos países, em razão dos efeitos que provoca em termos econômicos e sociais.

Ora, todos nós sabemos, por vivências anteriores em vários períodos históricos, que recessão significa falta e perda de emprego, aumento da informalidade e do subemprego, salários baixos, entre outros. Em termos sociais, os efeitos são muito perversos, causando o caos social em determinadas situações. É como se estivéssemos vivendo uma crise interminável, desde os anos 1970, desta feita, sob novo formato, centrado no setor financeiro. Em tempos de globalização, essas crises se apresentam com múltiplas faces, com uma extensibilidade muito grande e, também, com uma grande verticalidade nos estragos que provoca. Razão pela qual a eclosão dessa crise na América do Norte atingiu velozmente outros países do primeiro mundo e, em grande parte, países periféricos, em particular na América do Sul e adjacências.

De fato, percebe-se que há muitos pontos de interseção dessa atual crise com a anterior, principalmente em termos de suas determinações, em especial, a falta de regulamentação do capital financeiro, que viaja pelo mundo, sem controle, na rota da especulação, sendo-lhe conferido o privilégio de protecionismo estatal, ao invés do controle público possível, no interior do sistema capitalista.

Não por acaso, representantes do capital, em pronunciamentos recentes em vários paises, no final de 2008 e início de 2009, apontaram os efeitos dessa falta de regulamentação como um problema a ser enfrentado, com sugestões para que esse seja um dos pontos de mudança no enfrentamento dos efeitos que vivemos, com uma velocidade incrível, a partir do desencadeamento dessa crise de 2008, com indicações de longa duração, segundo análises econômicas de respeitáveis especialistas, inclusive dos Estados Unidos.

Dados recentes do Relatório Tendências Mundiais de Emprego da OIT - Organização Internacional do Trabalho sobre as tendências mundiais de emprego para 2009, afirma que, face à crise econômica mundial, o desemprego no mundo poderia aumentar em 2009 em relação a 2007 entre 18 e 30 milhões de trabalhadores, e até além de 50 milhões caso a situação continue se deteriorando. Sustenta que neste último cenário, cerca de 200 milhões de trabalhadores, em especial nas economias em desenvolvimento, poderiam passara integrar as filas da pobreza extrema (Disponível em )

Nesse contexto de crises, as Políticas de Emprego, Trabalho e Renda ganham cada vez mais relevância e vêm sendo alvo, desde os anos 1990, de preocupação e objeto de ações de diferentes setores em diversos países: governo, empresariado, organizações de trabalhadores e movimentos sociais. Tais políticas precisam ser vistas, para efeito de estudos, investigações e análises, num contexto global. Um ponto de destaque é que essas políticas interagem com vários campos de gestão pública, entre elas, as mais importantes: a política econômica, a política de assistência tributária, a política de assistência social, entre outras.

Penso que o carro chefe da política pública de desenvolvimento econômico nacional deveria incrementar a criação de empregos formais, onde a Política de Geração de Trabalho e Renda seria uma estratégia, em termos de criação de emprego e de efetiva qualificação e colocação de trabalhadores no mercado formal. Na verdade, não é o que se constata, pois os dados reais dos programas dessa política e seus resultados, computados em relatórios oficiais governamentais e pesquisas recentes de estudiosos do tema, enfocam o desemprego, e não o emprego, como...

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