Política das imagens: estética, visibilidade e direito

AutorEduardo R. Rabenhorst
CargoProfessor Titular de Filosofia do direito da UFPB
Páginas1-18
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
V. 6 - Nº 02 - Ano 2017
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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POLÍTICA DAS IMAGENS: ESTÉTICA, VISIBILIDADE E
DIREITO1
Eduardo R. Rabenhorst2
“Uma máxima brechtiana: 'Não comece das
boas coisas velhas, mas das más coisas novas'”
(
ESTÉTICA, DIREITO E POLÍTICA
DAS IMAGENS
Em que pese não ser
propriamente uma novidade no campo
dos estudos jurídicos, o tema da estética
vem despertando um interesse crescente
entre os juristas. Centros de investigação
em torno da relação entre estética e
direito foram criados em diversas
universidades e não são poucos os livros
e artigos publicados sobre o assunto.
Percebe-se que os juristas não apenas
estão explorando as fecundas e variadas
possibilidades de conexão do direito com
mundo das artes e da literatura, mas
também estão produzindo reflexões
importantes sobre a forma do direito,
elemento essencial da juridicidade.
O texto que se segue faz parte
desse interesse geral do direito pelo tema
1 O presente trabalho foi financiado com apoio da CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal
de Nível Superior através da concessão de bolsa de pós-doutorado (Estágio Sênior) junto à Universidade
de Aix-Marselha, França.
2 Professor Titular de Filosofia do direito da UFPB.
da estética, porém o vocábulo “estética”
tem aqui mais relação com o estudo das
experiências sensoriais da percepção do
que propriamente com as artes. Em
outras palavras, o presente trabalho
integra uma linha teórica que,
combinando intimamente estética e
teoria social, busca entender o papel que
a sensibilidade desempenha no
funcionamento do corpo social e na
existência das pessoas que dele fazem
parte (Carnevali, 2013).
Observa Jacques Rancière (2011)
que muito embora se diga comumente
que a história da arte surgiu com as
pinturas rupestres, a arte, enquanto
noção que designa uma forma de
experiência específica, de traço estético,
somente passou a existir no Ocidente a
partir do século XVIII. Para tanto, foi
necessário ocorrer uma transformação
importante não apenas das condições
materiais (lugares de representação e
exposição, formas de circulação e
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reprodução), mas também do próprio
tecido das experiências sensíveis (modos
de percepção, regimes de emoção,
categorias e esquemas de pensamento).
No entender de Terry Eagleton
(2006: 59), a emergência do estético
como categoria teórica está, portanto,
estreitamente ligada ao processo
material pelo qual a produção cultural se
tornou autônoma em relação às diversas
funções sociais que havia desempenhado
tradicionalmente. A estética, com efeito,
desponta na Alemanha do século XVIII
como resposta ao problema do
absolutismo político, introduzindo na
Europa monárquica a própria ideia de um
julgamento de gosto subjetivo articulado
a uma opinião pública.
Nesse sentido, convém lembrar que o
teórico alemão Alexander Baumgarten,
inventor do substantivo “estética”,
criado a partir do grego aisthêsis, isto é,
a faculdade de sentir, em seu livro
homônimo, concebeu essa disciplina
como sendo formada por duas partes
distintas: a “poética”, definida como o
conjunto de regras às quais se conformar,
e a “gnoseologia” ou ciência do conhecer
por meio da sensibilidade, modo
“inferior” do conhecimento, já que, de
acordo com Baumgarten, não
comparável ao conhecimento intelectual.
A história da estética está, portanto,
atravessada, desde o início, por essa
duplicidade de sentidos, que não passou
desapercebida inclusive a Freud. Com
efeito, o psicanalista vienense iniciou seu
ensaio sobre o “estranho” (Das
unheimliche) aludindo exatamente a essa
dualidade entre a estética enquanto
doutrina do belo, por um lado, e
enquanto ciência das qualidades
sensíveis, por outro (Freud, 1987).
O sociólogo alemão Georg Simmel é
certamente um dos pioneiros na
concepção de uma estética sociológica
cujo objeto de estudo seria a
manifestação sensível do social. Em sua
Sociologia dos sentidos (2007), Simmel
desenvolveu uma teoria da sensibilidade
social construída a partir da observação
das interações sensíveis que ocorreriam
entre os indivíduos, bem como dos
sintomas de “hiperestésia” manifestados
pelas pessoas nos contatos físicos mais
íntimos.
O sociólogo alemão investigou a
moda e os estilos de vida, e utilizou
categorias estéticas como ‘simetria” e
“assimetria” na descrição das estruturas
sociais. Tratou dos sentimentos de
fidelidade e gratidão na coesão das
relações sociais e elaborou uma teoria
sobre a função sociológica da troca de

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