A polissemia do termo 'área protegida' e os conceitos da CDB e da UICN

AutorAndré O. Leite
CargoDoutor em Direito pelo Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM). Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas207-241
207
Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.17 n.39 p.207-241 Setembro/Dezembro de 2020
A POLISSEMIA DO TERMO “ÁREA
PROTEGIDA” E OS CONCEITOS DA CDB
E DA UICN
André O. Leite1
Vilniaus Universitetas (VU)
RESUMO
Partindo de uma demonstração da polissemia que caracteriza o uso
do termo “área protegida” na jurisprudência e na literatura cientíca
brasileiras sobre a proteção do ambiente natural, este trabalho
discute brevemente os problemas relacionados a esse fenômeno, no
âmbito do direito e do campo multidisciplinar das políticas públicas
de conservação, e busca oferecer elementos para sua superação.
Com essa nalidade, ele apoia-se em uma revisão bibliográca
para discutir os conceitos de área protegida da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB) e da União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN), buscando distingui-los quanto a
seus conteúdos e potenciais usos. Demonstra-se que os conteúdos
atribuídos a esses conceitos conheceram modicações sucessivas
e que, embora atualmente ambos compreendam as unidades de
conservação da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, eles apresentam
interesses distintos. Enquanto o conceito de área protegida da CDB
concerne a atividade jurisdicional e análises sobre o direito e as
políticas públicas brasileiras relacionadas à CDB, o conceito de
área protegida da UICN é um instrumento cientíco e, como tertium
comparationis dos regimes jurídicos de áreas protegidas dos direitos
nacionais, permite operacionalizar pesquisas que buscam conhece-
los por meio do método funcional do direito comparado.
Palavras-chave: áreas protegidas; Convenção sobre Diversidade
Biológica; Direito comparado; UICN; unidades de conservação.
1 Doutor em Direito pelo Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM). Doutor em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro da Comissão Mundial de Áreas Protegidas
da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Membro da Société Française pour le
Droit de L’Environnement (SFDE). Pesquisador Associado da Faculdade de Direito da VU. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-9250-4753 / e-mail: andre_oleite@hotmail.com
http://dx.doi.org/10.18623/rvd.v17i39.1807
A POLISSEMIA DO TERMO “ÁREA PROTEGIDA” E OS CONCEITOS DA CDB E DA UICN
208 Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.17 n.39 p.207-241 Setembro/Dezembro de 2020
THE POLYSEMY OF THE TERM “PROTECTED AREA” AND
THE CORRESPONDING CBD AND IUCN CONCEPTS
ABSTRACT
This paper draws on a demonstration of the polysemy of the
term ‘protected area’ in Brazilian case law and literature on
the protection of the natural environment, in order to discuss the
problems stemming from this phenomenon and the possibilities for
overcoming them. Based on a literature review, it introduces the
Convention on Biological Diversity (CBD) and International Union
for the Conservation of Nature (IUCN) concepts of protected area,
and seeks to distinguish one from another by means of their contents
and potential uses. It demonstrates that the contents attributed to
those concepts have changed over time, and that recently both came
to comprise the conservation units of Law No. 9,985, of 18 July 2000.
Nevertheless, it shows those concepts are characterised by dierent
natures and purposes: while the CBD concept of protected area is of
interest to legal and policy research related to that treaty, the IUCN
concept of protected area is a scientic instrument and a tertium
comparationis of national legal regimes of protected areas. As such,
it provides a framework for research based on the functional method
of comparative law.
Keywords: Brazilian Conservation Units; Comparative law;
Convention on Biological Diversity; IUCN; Protected areas.
André O. Leite
209
Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.17 n.39 p.207-241 Setembro/Dezembro de 2020
INTRODUÇÃO
Nas décadas recentes tornou-se trivial reconhecer o papel
desempenhado pelas áreas protegidas no fornecimento de
serviços ambientais que se traduzem em água e ar limpos
(DUDLEY; HAMILTON, 2010, p. 39-52); na regulação do clima
e consequentemente na atenuação da mudança climática global
(KEENLEYSIDE et al., 2014, p. 67-78; SOARES-FILHO et
al., 2010, p. 10821-10826); na conservação da natureza e, mais
recentemente, da diversidade biológica (PRATES; IRVING, 2015,
p. 27-57; SADELEER, 2009, p. 195-197); e, de maneira mais
geral, na efetivação do direito fundamental a um meio ambiente
de qualidade, atualmente reconhecido pela grande maioria das
legislações nacionais (BOYD, 2012, p. 3). Sem surpresa, na segunda
década do século XXI os dispositivos jurídicos de áreas protegidas
se encontram presentes em praticamente todos os direitos nacionais
(GILLESPIE, 2007, p. 27) e protegem 14,9% da superfície terrestre
mundial (uma área superior à do subcontinente da América do Norte)
e 7,3% dos oceanos (UNEP-WCMC; IUCN; NGS, 2018, p. 6)2.
A notável progressão espacial das áreas protegidas ao longo de
sua história por vezes obscurece o fato de se tratar de um fenômeno
recente (RODARY; MILIAN, 2008, p. 41), e que, em ampla medida,
deu-se por meio da circulação de conceitos e modelos jurídicos,
sobretudo por meio da recepção de conteúdos jurídicos estrangeiros
e do direito internacional. E, seja pela adaptação de modelos
estrangeiros às particularidades locais ou pela gradual integração de
novos objetivos aos métodos tradicionais da conservação da natureza,
os poucos modelos jurídicos de áreas protegidas existentes no início
do século XX deram lugar a uma impressionante diversidade de
nomenclaturas e regimes jurídicos3.
Historicamente, essa diversicação tem sido acompanhada por
uma diculdade em estabelecer uma terminologia capaz de dar
conta da variedade de dispositivos presentes nos direitos nacionais
2 Esses números são da Base de Dados Mundial de Áreas Protegidas. Seus dados são majoritariamente
provenientes de governos e correspondem ao conceito de área protegida da Convenção sobre
Diversidade Biológica ou ao conceito de área protegida da UICN (UNEP-WCMC; IUCN; NGS, 2018,
p. 3, 41).
3 Essa diversidade é ilustrada por Gillespie (2007, p. 27), que constatou, no âmbito dos direitos
nacionais e do direito internacional, cerca de oitocentas nomenclaturas de instrumentos de proteção
de áreas naturais.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT