As ações policiais diante dos tribunais - Rio de Janeiro em meados do século XX

AutorRivail Carvalho Rolim
CargoProfessor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá-PR; Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense-RJ.
Páginas233-258
As ações policiais diante dos tribunais – Rio de
Janeiro em meados do século XX
1
Rivail Carvalho Rolim2
Sumário: Introdução; 1. O cenário social do Brasil em meados do século XX; 2. Ação
policial e os autos criminais; Conclusão. Referências.
Resumo: Em meados do século XX, a sociedade
brasileira vivenciou um intenso processo de
urbanização e industrialização, formando com
isso grandes áreas metropolitanas nas principais
cidades do país. Esse novo cenário social
passou a ser alvo de grande preocupação, pois
considerava-se que os contingentes populacionais
residentes das áreas periféricas das cidades
não possuíam nível cultural necessário para
viver de acordo com os padrões sociais da
modernidade, e em consequência acabavam tendo
comportamentos antissociais e antijurídicos.
O aparato policial passou a ser visto como de
fundamental importância para reprimir esse
tipo de conduta e manter a ordem pública.
Segundo preceitos constitucionais, essas ações
policiais, com o uso da força física, deveriam
ser realizadas dentro dos padrões da legalidade.
Diante desse cenário, o poder judiciário se viu
diante do desafio de resolver os episódios nos quais
policiais usavam a força física no desempenho de
suas atividades. Para acompanhar essa questão,
analisamos como foram julgados pela justiça
criminal os policiais acusados de cometer abusos
e arbitrariedades no exercício de sua função.
Palavras-chave: ideias jurídico-penais; justiça
criminal; ação policial; direitos civis.
Abstract: Brazilian society of the mid-20th
Century experienced a profound urbanization
and industrialization process and the
establishment of huge metropolitan areas
around the main cities of Brazil. The new
social environment became the object of grave
concern since the population now living at the
cities’ periphery was thought to be incapable
of having the necessary cultural level to live
according to modern social standards. Anti-
social and anti-juridical behavior would
be the consequence. Since people living at
the periphery were thought to be potential
criminals, the whole police apparatus was seen
to be of paramount importance to enforce such
behavior and maintain public order. Police
action and physical enforcement should be
actually done within legal standards according
to the Constitution. The courts were thus
made to solve problems in which the police
used physical force when performing its duty.
Research comprises analysis on the manner the
courts judged police officers who were accused
of committing abuses and arbitrary crimes while
exercising their duties.
Keywords: juridical and penal concepts;
criminal justice; police activities; civil rights.
1 Versão resumida deste trabalho foi apresentada no V Congresso Europeu de
Latinoamericanistas, Bruxelas, de 11 a 14 de abril de 2007.
2 Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá-PR;
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense-RJ.
234 Revista Seqüência, no 58, p. 233-258, jul. 2009.
Introdução
A conjuntura histórica que vai do final do Estado Novo até meados
da década de 1960 é marcada pela ênfase na construção de um Estado
moderno no Brasil. Na realidade, a sociedade brasileira passou a vivenciar
um intenso processo de industrialização, de mudanças de valores culturais
e grande efervescência de projetos políticos. Diante dessas condições
criou-se um clima de otimismo, no qual se acreditava que o país
rapidamente integraria o grupo dos países desenvolvidos.
Juntamente com essas profundas mudanças, houve também
um rápido processo de urbanização, formando grandes contingentes
populacionais nas áreas metropolitanas e nas inúmeras cidades médias
espalhadas pelo país. Esses segmentos sociais passaram a ser motivo de
grandes preocupações, eram vistos como marginais que não conseguiriam
se incorporar à nova dinâmica social.
Caracterizada pela redefinição dos termos da vivência social devido
ao rápido processo de urbanização e modernização da sociedade brasileira,
a justiça criminal procurou administrar o desenrolar das relações entre
os indivíduos e os grupos sociais mediante normas jurídicas recém-
implantadas. Foram promulgados o Código Penal (Decreto Lei no 2.848
de 7 de dezembro de 1940), o Código de Processo Penal (Decreto Lei no
3.688 de 3 de outubro de 1942) e a Lei de Contravenções Penais (Decreto
Lei no 3.689 de 3 de outubro de 1942).
Nosso objetivo é analisar o funcionamento da justiça criminal,
especialmente nos casos em que policiais foram acusados de cometer
abusos e arbitrariedades no exercício de sua função. Pretendemos avançar
na compreensão do papel do poder judiciário em julgar se o Estado –
aparato policial – exercia o monopólio da violência dentro dos padrões da
legalidade.
A problemática desta pesquisa foi sendo construída a partir do
momento em que alguns pesquisadores assinalaram que processos
de democratização não significam necessariamente que os direitos
fundamentais estejam assegurados (ADORNO, 1994, 1995; PANDOLFI,
1999; PINHEIRO, 1991). Não só isso, a experiência republicana
brasileira tem sido marcada por uma ordem racional-legal com grandes
dificuldades para adotar princípios universalistas em termos de direitos
civis e individuais e assegurar o controle da violência legal.

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