Pol?ticas de desenvolvimento territorial e multifuncionalidade da agricultura familiar no Brasil

AutorPhilippe Bonnal - Renato S. Maluf
CargoPossui gradua??o em Agronomie pela Ecole D?ing?nieurs Agro D?veloppement - Graduado em Ci?ncias Econ?micas pela Universidade Metodista de Piracicaba
Páginas211-250
Dossiê
Políticas de desenvolvimento
territorial e multifuncionalidade
da agricultura familiar no Brasil
Philippe Bonnal *
Renato S. Maluf **
Resumo
Visando analisar de que maneira aç ões públicas voltadas para o meio
rural vêm se referindo à noção de multifuncionalidade da agricultura e à
perspectiva territorial do desenvolvimento, neste artigo são analisadas
as di versas políticas públicas i nscritas no Plano Plurianua l 2004-2007.
Num contexto marcado simultaneamente pela globalização da economia
e pelo fortalecimento do processo democrático, destaca-se a preocupação
dos gestores públicos de induzir um processo de reequilibração social
e territorial mediante a implantação de duas lógicas distintas: políticas
setoriais a favor da agricultura famili ar e políticas de dinamização das
atividades econômicas territoriais. Observa-se que essas políticas se re-
ferem de maneira implícita à multifuncionalidade da agricultu ra familiar
e de maneira explic ita ao enfoque territorial. Em conclusão, o artigo
aponta o caráter essencialmente fragmentado e diferenciado das polí-
ticas de desenvolvimento rural e a necessidade de integrá-las mediante
referências mai s nítidas a ambas as noções.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial sustentável, políticas públicas,
agricultura familiar, plano plurianual.
* Possui graduação em Agronomie pela Ecole D’ingénieurs Agro Développement
(1978) e mestrado em Dea Economie Agro Alimentaire et Rurale pela Universite
de Montpellier II (Scien. et Tech Du Languedoc) (1991) . Atualmente é Pes-
quisador e consultor do Centre de Coopération Internationale de Recherche
Agronomique Pour Le Dével.
** Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Metodista de Piracicaba
(1973), Mestre (1976) e Doutor (1988) em Economia pela Universidade Estadual
de Campinas. Realizou programas de pós-doutoramento na Oxford University
(UK) em 1996-7 e na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), 2000-1.
Atualmente é Professor Associado I do Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).
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Nº 14 – abril de 2009
1. Introdução
O
presente artigo tem por objetivo analisar programas públicos
nacionais voltados, direta ou indiretamente, para a promoção
da agricultura familiar e do agroextrativismo, o meio ambiente e
o mundo rural, com a perspectiva de verificar em que medida as
diretrizes gerais e a implementação desses programas contemplam
elementos do enfoque da multifuncionalidade da agricultura (MFA)
e a perspectiva territorial. Alerta-se para o fato de a pesquisa na
qual se baseia o presente texto encontrar-se ainda em andamento1,
estando prevista uma versão mais completa incorporando novas
informações e eventuais contribuições oriundas da equipe da pes-
quisa e dos debates no próprio colóquio.
A perspectiva analítica aqui adotada assenta-se em duas pre-
missas inter-relacionadas. A primeira assume que está em curso,
desde meados dos anos 1990, a incorporação de elementos do
enfoque da MFA no debate público e em diversas políticas agrícolas,
ambientais e rurais no Brasil, ainda que na forma de uma apro-
priação fragmentada e quase sempre acessória ao núcleo central
dos programas respectivos. Trata-se de um indicativo, sem dúvida
importante, de inflexões em curso na orientação predominante
nas políticas públicas, particularmente nas agrícolas e rurais, muito
embora persistam dificuldades de várias ordens para revisar o foco
quase que exclusivamente produtivo na “agricultura” familiar que
caracteriza a maioria delas. A revisão desse foco levaria, também, a
colocar as unidades familiares rurais – e não apenas os produtos por
elas gerados – como objeto de atenção dos programas, ampliando
deste modo o olhar sobre os papéis desempenhados pelas famílias
rurais “para além da produção”.
Em paralelo à ainda incipiente valorização dos vários papéis
cumpridos pela agricultura familiar, constata-se, também, que as
1 Esse artigo baseia-se nas pesquisas e debates realizados no âmbito do projeto
‘Pesquisa e ações de divulgação sobre o tema da multifuncionalidade da agricul-
tura familiar e desenvolvimento territorial no Brasil’, UFRRJ-CPDA/REDES – NEAD/
IICA – 2006/2007. O projeto conta com pesquisadores oriundos das seguintes
instituições: UFRRJ/CPDA, UFSC/CCA, UFRGS/PGDR, UERGS-FEPAGRO, EMBRAPA-
CNPAM, USP/ESALQ, UFES, UFCG, CIRAD (França) e INRA (França; colaborador).
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p. 209 – 248
Philippe Bonnal • Renato S. Maluf
Políticas de desenvolvimento territorial e multifuncionalidade da agricultura familiar no Brasil
Dossiê
políticas públicas têm caminhado na direção da “territorialização”
das suas ações, inclusive como procedimento para obter maior
coordenação entre elas. Desse movimento deriva um conjunto
de questões de pesquisa relacionadas, desde logo, com as razões
para a adoção da referência territorial e os próprios significados
atribuídos à noção de território (ênfases, rupturas com abordagens
anteriores, eventuais ganhos na regulação da ação pública, etc.).
Integra essas questões a verificação dos atores envolvidos (e exclu-
ídos) e das percepções sobre os papéis da agricultura familiar no
desenvolvimento territorial.
Ambos os enfoques, sobre os múltiplos papéis da agricultura e
sobre os territórios, estão subjacentes às manifestações de retórica
“não produtivista” que têm se multiplicado no Brasil – assim como
em várias partes do mundo em tensão com o linguajar hegemônico
do agronegócio. Essas manifestações expressam preocupações com
questões de eqüidade social e sustentabilidade ambiental, ao mesmo
tempo em que são portadoras de “novos” temas ou novos olhares
sobre a atividade agrícola e o mundo rural, como, por exemplo,
as questões de gênero e geracionais, modelos agroecológicos que
questionam as relações com a natureza, a problemática amazônica e
proposições específicas para comunidades rurais negras quilombolas
e povos indígenas. Assim, admitindo-se que a adoção da perspectiva
territorial e a apropriação do enfoque da MFA contribuem para con-
templar as questões antes mencionadas, a pesquisa teve o objetivo
de analisar duas ordens de implicações de uma revisão dos progra-
mas nessa direção. De um lado, no que se refere à concepção dos
mesmos, particularmente, no desenho dos instrumentos de apoio
às famílias rurais e de desenvolvimento territorial. De outro lado,
nas iniciativas visando obter maior coordenação entre os progra-
mas pelo recurso ao enfoque territorial, cabendo verificar também
a presença do enfoque da MFA nos espaços de interlocução social
dos programas públicos e nas iniciativas de coordenação entre essas
ações, haja vista a relevância assumida por esses espaços.
A dimensão da sustentabilidade tornou-se um componente
essencial dos processos de desenvolvimento desde, ao menos, a
década de 1980, sendo referência obrigatória em quase todos os
programas e ações públicas em face da relevância adquirida pela

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