Poison pills: panorama atual

AutorMarcella Blok
Páginas115-137

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1. Introdução

Lexicamente, o termo poison pill tem sua origem nas cápsulas de veneno compostas por cianeto que os espiões eram instruídos a ingerir para evitar que fossem capturados durante uma missão, daí a conotação de "fatal" quando o assunto é a manutenção do poder de controle e da dispersão acionária diante de aquisição hostil. O instrumento, como mecanismo de defesa, foi juridicamente arquitetado pelo advogado Martin Lipton em 1983, um dos sócios fundadores do escritório de advocacia norte-americano Watchell, Lipton, Ro-sen & Katz e renomado especialista em fusões e aquisições.

As poison pills tiveram sua origem e seu auge na década de 80 do século passado nos Estados Unidos.

Surgiram estas como uma forma de reação à onda de takeovers que varreu a bolsa. As ofertas de compras de ações por preços atrativos, chamadas de tender offers, sempre existiram, mas eram voltadas para pequenas companhias. Ganharam força e passaram a atingir as grandes corporações quando começou a ser adotada uma postura de liberalismo com relação aos cartéis, permitindo operações que antigamente não seriam aprovadas. Essa época foi também o auge das operações chamadas de leveraged buyout (LBO).

Estas poison pills surgidas no ano de 1982, constituem-se em uma família de direitos contratuais de acionistas, ativados quando da ocorrência de um evento específico, como, por exemplo, uma oferta pública de ações (OPA) de controle ou a acumulação de um percentual específico de ações da firma-alvo. As poison pills, em regra, conferem ao acionista o direito de adquirir ações adicionais da firma-alvo ou vendê-las para a firma-alvo por preços extremamente atrativos.

Nos EUA, podem-se citar três gerações distintas pelas quais evoluíram as poison pills: (i) aquela feita mediante a distribuição de ações preferenciais a acionistas, a título de dividendos; (ii) a poison pill feita como emissão de ações preferenciais, as quais impactavam o balanço das empresas, passando a ser concebidas como stockpurchase right (direito de compra de ação); e (iii) as poison pills como flip-in e flip-over.

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No que toca a esta última "fase", no caso de uma aquisição, as características flip-in darão direito aos acionistas (sempre se excetuando, obviamente, o adquirente) de comprarem ações da empresa remanescente com desconto; dando as flip-over, por sua vez, o direito de comprarem ações ordinárias do adquirente a um preço inferior ao do mercado no caso de uma incorporação.

Com um maior ativismo dos acionistas nos EUA, contudo, a adoção das poison pills sofreu uma flexibilização, sendo que muitas companhias passaram a condicionar a implementação desses mecanismos à votação dos investidores. Dessa forma, houve uma redução no número de empresas que utilizaram esta cláusula estatutária. As pesquisas da Shearman & Sterling mostram que, entre 2004 e 2008, o número de companhias norte-americanas na lista da Fortune 100 que adotavam a poison pill caiu de 33 para 12. No mesmo sentido, de 2002 a 2006, o número de empresas dos EUA no índice S&P 500 que utilizavam tal cláusula caiu de 300 para 185.

A partir de 2005/2006, no entanto, tais "pílulas de veneno" ressurgiram.

Hodiernamente, no Brasil e no mundo, em ambientes de mercado de capitais bem desenvolvidos, em que algumas companhias abertas são eminentemente públicas, com ações com poder de voto distribuídas de modo pulverizado, sem um controlador identificado, não é raro testemunhar, por vezes, contendas privadas derivadas de operações de oferta pública voltadas à aquisição de controle acionário: as denominadas aquisições hostis. Observam-se, em alguns casos, verdadeiras batalhas pela conquista do controle acionário de uma dada companhia (take over). Apossibilida-de de aquisição do poder de controle de companhias aumenta na medida em que o capital for pulverizado, característica que marca a estrutura de várias das empresas brasileiras que foram a mercado recentemente.

No Brasil, a adoção do modelo norte--americano de negociação de ações no mercado mobiliário, originou, ainda que timidamente, as companhias abertas com capital pulverizado, resultando também na importação do referido sistema de cláusulas poison pills.

E é justamente nesse panorama que surge a necessidade de buscar alternativas de defesa que sirvam ao propósito de manter o poder na mão dos controladores, de forma a impedir, limitar ou dificultar o aumento da participação de eventuais acionistas.

Importante denotar que, no Brasil, prevalece, ainda, o conceito de companhia sob o modelo em que esta tem um "dono", ou seja, a sociedade pertence a um acio-nista controlador ou a um grupo de controle (normalmente constituído por pessoas relacionadas ou da mesma família). Ressalte-se, que no nosso Novo Mercado da Bovespa, a média de dispersão acionária das empresas (40,68%) é significativamente superior à do mercado (22,28%, excluídas as companhias listadas no Novo Mercado).

Mesmo assim, as poison pills passaram a integrar os estatutos sociais de diversas companhias nos últimos anos, em especial naquelas sem acionista controlador, obrigando os investidores a realizar ofertas públicas com determinadas condições (muitas vezes onerosas) com o intuito de preservar a dispersão acionária.

Em junho de 2008, das 99 empresas brasileiras listadas no Novo Mercado da Bovespa,1 apenas 16 possuem capital disperso no mercado e 56 delas possuíam poison pills em seus estatutos sociais, todas elas com o dispositivo do tipo que obriga a realização de uma Oferta Pública de Aquisição de ações - OPA- aos demais acionistas, caso um acionista adquirente atinja um

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determinado percentual de ações (o tão conhecido "gatilho").2

A aquisição hostil do poder de controle (expressão traduzida do equivalente inglês hostile takeover; ou também takeover-bid) revela-se como um fenômeno jurídico relativamente embrionário no Brasil. A denominação que foi atribuída ao instituto, no Brasil enseja uma certa confusão, pois o termo "hostil" conduz à ideia de agressividade e desrespeito aos padrões mínimos de conduta, sendo que, na realidade, significa tão somente a "apresentação de uma proposta sem que tenha ocorrido prévia negociação ou elemento volitivo na alienação da participação do acionista controlador".3 Ou nas palavras de Comparato e Salomão Filho:

"A operação consiste na Oferta Pública de Aquisição, durante certo período, de todas ou parte das ações de determinada classe, ou de determinadas classes, de uma companhia, mediante pagamento de certo preço ou troca por ações ou debêntures de outra companhia. A oferta pública pode, teoricamente, objetivar ou não a tomada de controle da companhia visada, mas na quase totalidade dos casos este tem sido o ob-jetivo efetivamente colimado pelo ofertan-te, e estimulado pela regulamentação normativa."4

O professor Fran Martins, ao comentar a Lei das Sociedades Anônimas, apresenta o objetivo da aquisição hostil do controle, que em nosso direito assume a feição de oferta pública para aquisição do controle acionário:

"A oferta pública para aquisição do controle acionário de sociedades anônimas é, assim, um procedimento que visa, sobretudo, fazer com que a operação se realize com uma participação direta dos proprietários das ações votantes de referidas sociedades. Procura-se evitar uma disputa com os administradores das sociedades, que muitas vezes detêm o controle social sem possuir a maioria das ações. Em última análise, a oferta pública para a aquisição do controle tende a beneficiar os acionistas minoritários que, desse modo, poderão participar da operação em igualdade de condições com os acionistas majoritários, no que diz respeito ao preço dado às ações dos primeiros."5

No Brasil, a aquisição hostil - que independe do consentimento dos controladores da companhia - está prevista na Lei de Sociedades Anônimas e na Instrução Normativa da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que condiciona a aquisição do controle de uma companhia aberta à realização de uma OPA (Oferta Pública para Aquisição de Ações) e vem regulada pelos arts. 257 a 263 da LSA e pela Instrução n. 361, de março de 2002 da CVM, (ICVM 361/2002).

Nos termos do imortal Carvalhosa, trata-se a Oferta Pública de Ações - OPA:

"De uma declaração pública pela qual uma pessoa física ou jurídica propõe aos acionistas de uma companhia a celebração de contrato de compra ou permuta de ações. Dirige-se a oferta a pessoas indeterminadas quanto à identidade, porém determináveis pela categoria patrimonial que ostentam como acionistas de uma companhia. E nestes termos, a oferta constitui elemento necessário à formação do contrato. É assim uma declaração que invariavel-

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mente precede outra declaração a qual, por sua vez, propicia a formação do negócio: a aceitação."6

Dessa forma, um dos mecanismos mais utilizados atualmente no Brasil é de que o investidor que adquirir mais do que um percentual preestabelecido do total de ações ordinárias é obrigado a realizar uma OPA para a aquisição de todas as ações da companhia, mediante um preço mínimo acrescido de um prêmio sobre o valor da ação ("papel").7

Conditio sine qua non salientar que realizar uma OPA não cumpre a apenas uma função. Diversos podem ser os seus objetivos...

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