O poder punitivo no reino da urgência

AutorJonas Machado Ramos
CargoMestre em Ciências Criminais (PUCRS), especialista em Direito Penal Empresarial (PUCRS)
Páginas9-32
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Revista da Faculdade de Direito da FMP – nº 10, 2015, p. 9-32
O PODER PUNITIVO NO REINO DA URGÊNCIA:
a emergência do paradigma penal do estado
de exceção permanente
PUNITIVE POWER IN THE REALM OF URGENCY: the appearance of the punitive paradigm of
the permanent state of exception
Jonas Machado Ramos*
Resumo: Este artigo tem por objetivo empreender uma análise acerca dos impactos do medo e da
urgência nos sistemas penais das sociedades ocidentais, mormente seus reexos sobre o paradig-
ma do Direito Penal classicamente concebido e sua irresistível transformação em mecanismo de
gestão do risco na sociedade contemporânea. Para tanto, será feita a análise de algumas das raízes
desse processo de produção do medo e, a partir do enfoque de François Ost sobre o tempo do Di-
reito, abordar-se-á o estado de urgência enquanto nova modalidade temporal a m de identicá-los
como contributos decisivos ao aparecimento do paradigma punitivo erigido sob o manto de estado
de exceção e instrumentalizado por um Direito Penal cada vez mais violento.
Palavras-Chave: Criminologia. Vitimização social. Urgência. Estado de exceção.
Abstract: This paper has as its objective aspire an analysis concerning the impacts of the fear and
of the urgency in the penal systems of Western societies; mainly its reexes on the paradigm of the
Penal Law classically reckoned and its enticing transformation into mechanism of management in
the contemporary society. Thereby, it is intended to analyze the roots of such process of production
of fear and, based on the emphasis given by François Ost about the time of Law, approach the state
of urgency as new temporal expedient in order to identify them as decisive contributors to the appe-
arance of punitive paradigm forged under the veil of the State of Exception and instrumentalized for
a every time more violent Penal Law.
Keywords: Criminology. Social victimization. Urgency. State of exception.
1. Introdução
Muitas são as vias de descrição e análise do movimento o qual se con-
vencionou chamar de Modernidade.1 Comumente, a apresentação do mundo
* Mestre em Ciências Criminais (PUCRS), especialista em Direito Penal Empresarial (PUCRS).
Professor de Direito Processual Penal nos cursos de graduação em Direito e pós-graduação em
Ciências Criminais do Cesusc. Advogado criminalista.
1 “O que é modernidade? Como uma primeira aproximação, digamos simplesmente o seguinte:
‘modernidade’ refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa
a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua inuência”
(GIDDENS, 1991, p. 1). Sem apresentar contraposição com a descrição do autor britânico, Dussel
percebe a Modernidade a partir de dois paradigmas: “o primeiro, a partir de um horizonte eurocêntri-
co, propõe que o fenômeno da Modernidade é exclusivamente europeu; que vai se desenvolvendo
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moderno aborda – em conjunto ou isoladamente – as revoluções nos vários
segmentos da vida social ocorridas no Ocidente a contar do século XVII. Como
exemplo, o secularismo no campo religioso e social; a revolução antropocêntri-
ca na área da cultura; a revolução burguesa na esfera político-democrática; ou,
ainda, a rotulação da Modernidade como era do capital, seja partindo da verten-
te marxista, destacando o caráter excludente do capitalismo, seja investigando
a relação do homem moderno com o dinheiro, como fez Simmel, para quem, no
apogeu da Modernidade, o dinheiro passa a ser visto como único instrumento
apto a proporcionar a plena satisfação dos desejos, provocando a ilusão de que
a felicidade possa ser mensurada pelo poder de compra do indivíduo (SIMMEL,
1998, p. 6).
No campo sociológico, essa diversidade analítica traz como corolário a
utilização de diversos rótulos ao presente período: Pós-Modernidade, Segunda
Modernidade, Modernidade Tardia ou Periférica (em relação aos países em que
as benesses do Estado Moderno, em especial o Estado do Bem-Estar Social,
chegaram tardiamente, fracionadas ou sequer foram vivenciadas), ou, simples-
mente, contemporaneidade, sendo esta última aquela capaz de esquivar-se do
fechado ambiente conceitual em virtude de seu caráter polissêmico.
Em que pesem as possibilidades discursivas, nota-se o entrelaçamento
das correntes teóricas pelo comum diagnóstico de alguns sintomas predomi-
nantes no tecido social, entre eles a vitimização social e o estado de urgência,
os quais serão inicialmente analisados a partir da obra O tempo do direito, do
jurista e lósofo François Ost.
Na sequência desse recorte temático, propõe-se, em um segundo mo-
mento, a aproximação interdisciplinar entre o Direito Penal e a Sociologia con-
temporânea, a m de vericar-se a inuência daqueles fenômenos sociais na
edicação de um poder punitivo contaminado pelo coletivo sentimento de inse-
gurança e que encontra na resposta rápida (e violenta) a única via para afastar-
se do descrédito.
Como resultado da equação que envolve os referidos elementos, tem-se
a inegável expansão do Direito Penal em nível global, seja por conta da preten-
siosa intenção de tutelar os bens jurídicos supraindividuais, seja em virtude da
necessidade do Estado em oferecer imediata e robusta resposta aos anseios de
desde a Idade Média e se difunde posteriormente em todo mundo”. O segundo paradigma, diz o
autor, “concebe a Modernidade como a cultura do centro do ‘sistema mundo’, do primeiro ‘sistema
mundo’ – pela incorporação da Ameríndia –, e como resultado da gestão da dita ‘centralidade’. Quer
dizer, a Modernidade europeia não é um sistema independente, autopoiético, autorreferente, mas é
uma parte do ‘sistema mundo’: seu centro” (DUSSEL, 2003, p. 56-57).
Jonas Machado Ramos

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