Poder probatório do inquérito policial: a importância dos elementos informativos e das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas para o processo penal

AutorGelson Amaro de Souza Filho
CargoAdvogado-Especialista em Ciências Penais
Páginas6-16

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“A suspeita sempre persegue a consciência culpada; o ladrão vê em cada sombra um policial”

William Shakespeare

1. Introdução

E ste trabalho visa debater a tradicional visão de que as provas são produzidas somente em juízo, uma vez que, em regra, é neste momento que são submetidas ao contraditório e ampla defesa.

Isto porque, embora o trabalho investigativo desenvolvido no inquérito policial seja, em primeiro momento, rotulado de “elementos informativos”, estes, não raramente, transformam-se em “provas” quando apreciados pelo juiz na instrução do processo, havendo então uma mudança de denominação, em decorrência de atividade processual na qual se garante o contraditório e ampla defesa.

Neste sentido, os elementos informativos devem receber o status de provas, reconhecendo-se seu poder probatório no que tange à sua colheita e preservação. Com tal mudança de paradigma, os inquéritos policiais deixariam de ser meras peças informativas e passariam a ser reconhecidos como fundamentais para a persecução penal, excetuando-se, naturalmente, as hipóteses em que o Ministério Público dispensa a elaboração do inquérito, seja por ter conduzido investigação própria, seja por ter obtido informações necessárias à propositura da ação penal de outra maneira.

Como regra geral, uma vez instaurado o inquérito policial, os elementos informativos que forem obtidos serão utilizados para fundamentar a denúncia do Ministério Público, caso não seja a hipótese de arquivamento, e, posteriormente, formarão a convicção do juiz que profere a sentença. Desta forma, embora o art. 155 do CPP (Código

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de Processo Penal) estabeleça que o magistrado não pode fundamentar sua decisão exclusivamente através dos elementos informativos (exceto quando se tratarem de provas caute-lares, não repetíveis e antecipadas), o fato é que esses mesmos elementos informativos, ao serem submetidos ao contraditório judicial, passam a ser chamados de “provas”, podendo então motivar a sentença penal.

Tomemos como exemplo a arma de fogo utilizada em um homicídio, a qual foi encontrada após atividade investigatória conduzida pela autoridade policial, sendo que em tal instrumento do crime estavam as digitais do suspeito, que foi então indiciado, ainda no inquérito, e posteriormente denunciado pelo órgão ministerial, com base nesse elemento informativo, entre outros indícios, como a confissão de auto-ria, que foi obtida também em sede de inquérito, através da habilidade do delegado de polícia na comunicação com criminosos. Todos os mencionados elementos informativos, no momento da instrução, serão submetidos ao contraditório e ampla defesa, cabendo ao parquet sustentá-los e à defesa refutá-los. Ao final da instrução, independentemente de condenação ou absolvição, a sentença será motivada com base nos elementos informativos que passaram a ser denominados “provas” após o crivo do contraditório em juízo.

Evidentemente, mesmo que os elementos informativos ganhem status de provas, reconhecendo-se o seu poder probatório, permanece a dispensabilidade do inquérito policial, pois tais elementos podem ser obtidos de outras formas, a exemplo da investigação realizada pelo Ministério Público, por comissão parlamentar de inquérito ou pela própria vítima e seus familiares em investigação particular. Além disso, eventual vício ocorrido na fase investigatória continuará a não gerar a nulidade da ação penal.

Por fim, valorizar os elementos informativos, o inquérito policial e a própria polícia judiciária não implicará nenhum prejuízo para a persecução penal; pelo contrário, irá fortalecer o nosso sistema, por meio do reconhecimento do poder probatório do inquérito policial, uma vez que os “elementos informativos” se transformam em “provas” quando submetidos ao contraditório judicial, bem como ser possível, ainda nesta etapa investigatória, a produção de provas cautelares, não repetíveis e antecipadas pela própria autoridade policial ou por sua determinação.

2. Inquérito policial

A persecução penal é dividida em duas etapas: investigação criminal (fase pré-processual) e processo penal (fase processual). A investigação criminal é, em regra, realizada pela polícia judiciária, através do inquérito policial, que é um procedimento administrativo, inquisitivo, preliminar e informativo, cuja finalidade é obter informações necessárias ao ajuizamento da ação penal, tendo como destinatário o Ministério Público, que poderá oferecer a denúncia, caso esteja convencido da autoria e materialidade do delito, ou até mesmo o particular, quando se tratar de ação penal privada.

Sobre o assunto, Júlio Fabbrini Mirabete ensina que:

“Praticado um fato definido como infração penal, surge para o Estado o jus puniendi, que só pode ser concretizado através do processo. É na ação penal que deve ser deduzida em juízo a pretensão punitiva do Estado, a fim de ser aplicada a sanção penal adequada (...). Para que se proponha a ação penal, entretanto, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração penal e de sua autoria. O meio mais comum, embora não ex-clusivo, para a colheita desses elementos é o inquérito policial” (Mirabete, 2006, p. 56).

No mesmo sentido, Guilherme Nucci:

“Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. (...) Sua finalidade é a investigação do crime e a descoberta do seu autor, com o fito de fornecer elementos para o titular da ação penal promovê-la em juízo, seja ele o Ministério Público, seja o particular, conforme o caso” (Nucci, 2013, p. 79).

Contudo, o inquérito policial não se limita à coleta de informações, uma vez que é também nesta fase da persecução penal que serão apreendidos os instrumentos e objetos do crime, realizadas as perícias preliminares e diversas outras diligências, cujo objetivo é munir a investigação com a maior quantidade possível de elementos que demonstrem a existência da conduta delitiva, sua autoria, seu modo de execução, motivação, resultados, testemunhas etc.

Nas lições de Fernando Capez, o inquérito policial:

“É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art.
30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares” (Capez, 2013, p. 113).

Há ainda, verdadeira produção de provas no inquérito policial, que são as denominadas provas

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cautelares, não repetíveis e antecipadas, que podem ser produzidas pela autoridade policial, em situação excepcional, cujo contraditório é diferido, postergando-se para a instrução processual, momento em que poderão ser convalidados pelo juiz, abrindo-se oportunidade para as partes se manifestarem.

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar explicam que:

“[O] inquérito também contribui para a decretação de medidas cautelares no decorrer da persecução penal, onde o magistrado pode tomá-lo como base para proferir decisões ainda antes de iniciado o processo, como por exemplo, a decretação de prisão preventiva ou a determinação de inter-ceptação telefônica” (Távora; Alencar, 2013, p. 99).

Nesta hipótese, com o resultado de uma interceptação telefônica realizada pela polícia judiciária ou através dos instrumentos do crime encontrados em um mandado de busca e apreensão, o juiz pode decretar uma prisão preventiva ou temporária, tendo como fundamento as informações colhidas no inquérito, que serão posteriormente contraditadas em juízo.

Assim, o inquérito policial é, sem qualquer dúvida, um importante instrumento da persecução penal, com inegável valor probatório. É sim dispensável, excepcionalmente, mas a regra geral, firmada na praxe forense, é de que a denúncia encontra subsídio no inquérito e a instrução processual convalida os elementos informativos, transformando-os em provas, sendo que estas podem, isoladamente, fundamentar a sentença do magistrado, após serem submetidas ao contraditório e ampla defesa.

Quiçá, é em decorrência do trabalho da polícia judiciária que o Ministério Público tem acesso aos próprios instrumentos do crime, como a arma de fogo utilizada em um homicídio ou a porção de drogas armazenada no crime de tráfico de entorpecentes, sendo que, em muitos casos, sem o inquérito policial, tanto o juiz, quanto o membro ministerial, sequer teriam conhecimento da existência do crime, o que contribuiria para o preocupante aumento das “cifras negras”, que são as infrações penais que passam despercebidas pela persecução penal.

3. Elementos informativos

Os elementos colhidos no inquérito policial são chamados de elementos informativos e têm como finalidade fornecer fundamentos necessários para que o Ministério Público, atuando como dominus litis, possa oferecer a denúncia, dando início a uma ação penal pública, bem como para o ofendido, que poderá oferecer a queixa-crime, quando da ação penal privada.

Os elementos informativos não podem, isoladamente, fundamentar a sentença penal condenatória, sob pena de violação ao contraditório e ampla defesa, bem como ao devido processo legal, princípios esculpidos na Constituição Federal. Assim está positivado no art. 155 do Código de Processo Penal, que abre a...

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