Poder de polícia na eleição

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas163-192

Page 163

Este artigo objetiva uma análise criteriosa da incidência do poder de polícia no processo eleitoral pátrio, com enfoque na legislação, doutrina e jurisprudência que regem a matéria. Conceitua poder de polícia e relaciona suas principais hipóteses de utilização pelo Juiz no processo eleitoral, bem como sua forma de exercício.

1. Introdução

A Administração Pública dispõe de prerrogativas para limitar, restringir, disciplinar e obstar direitos e atividades dos particulares, com o fim de preservar os interesses da coletividade. O fundamento é a supremacia do interesse público sobre o particular. Essas prerrogativas constituem o "Poder de Polícia", que tem intensa atuação no processo eleitoral.

Neste trabalho, após discorrer sobre o Poder de Polícia e sobre o processo eleitoral, passaremos a visualizar a incidência específica na eleição, bem como a atuação do Magistrado Eleitoral.

2. Poder de polícia

O poder de polícia não está conceituado na Constituição Federal, mas nela tem previsão em seu artigo 145, inciso II, que afirma que as taxas são tributos devidos ao exercício do referido poder e pela utilização de serviços públicos, in verbis:

"Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição."

Page 164

Na legislação infraconstitucional, o artigo 78 do Código Tributário Nacional, regulamentando a Constituição Federal, cuidou de conceituar o poder de polícia, bem como, em seu parágrafo único, descreveu as exigências para o regular exercício, nestes termos:

"Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder."

A doutrina, por sua vez, apresenta dois sentidos para o poder de polícia, um lato e outro stricto sensu.

Em sentido amplo, conceitua-se o poder de polícia como a ação estatal que restringe o direito à liberdade e à propriedade a favor do interesse coletivo. Neste sentido é a definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.

Esse interesse público diz respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade. Daí a divisão da polícia administrativa em vários ramos: polícia de segurança, das fiorestas, das águas, de trânsito, sanitária, etc."1Contudo, esse sentido, que não está incorreto, mas é muito amplo, pode levar à conclusão de que o Poder Judiciário, ao proferir uma sentença, exerce poder de polícia. Por essa razão, para especificar a definição, a doutrina apresenta

Page 165

um conceito stricto sensu, como o elaborado por Marcelo Alexandrino e outro, nestes termos:

"O poder de que dispõe a administração pública para condicionar ou restringir o uso de bens e o exercício de direitos ou atividades pelo particular, em prol do bem-estar da coletividade". 2

No mesmo sentido, a professora Fernanda Marinela apresenta um conceito estrito, expondo que:

"A atual Constituição Federal e as diversas leis conferem aos cidadãos uma série de direitos, mas o seu exercício deve ser compatível com o bem-estar social, sendo necessário que o uso da liberdade e da propriedade esteja compatível com o bem coletivo, não prejudicando, assim, a persecução do interesse público. Destarte, é possível conceituar Poder de Polícia como a atividade da Administração Pública que se expressa por meio de atos normativos ou concretos, com fundamento na supremacia geral e, na forma da lei, de condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos mediante ações fiscalizadoras, preventivas e repressivas, impondo aos administrados comportamentos compatíveis com os interesses sociais sedimentados no sistema normativo".3A definição mais concisa, mas também em sentido estrito, da qual as demais são derivadas, é a apresentada pelo saudoso Hely Lopes Meirelles, pela qual:

"Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado".4Assim, conclui-se que, com fundamento na supremacia do interesse público sobre o particular, o poder de polícia consiste nas prerrogativas atribuídas à Administração Pública para limitar, restringir, disciplinar e impedir direitos e atividades dos particulares. Ele tem incidência sobre qualquer bem jurídico ou ativi-dade individual ou coletiva que venha a trazer consequências para a coletividade.

Por meio de seus órgãos e entidades, em todas as esferas da federação, a Administração exerce o poder sobre as situações particulares que afetem os in-

Page 166

teresses da coletividade. Com isso, tem atribuição para o exercício o ente federado sobre o qual a Constituição atribui competência para regular a atividade.

Com propriedade, esclarece e exemplifica Alexandrino que todos os entes federados exercem o poder de polícia, na medida do interesse delimitado pela Constituição Federal:

"Tendo em conta o princípio da predominância do interesse - que determina a repartição de competências entre as pessoas políticas na Carta de 1988 -, pode-se afirmar, reproduzindo lição do Prof. Hely Lopes Meirelles, que ´os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional sujeitam-se às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal´. Citamos alguns exemplos de aplicação dessa regra:

a regulação de mercados de títulos e valores mobiliários, assunto de interesse nacional, compete à União; a ela cabe, portanto, a respectiva fiscalização, exercida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM);

a edição de normas pertinentes à prevenção de incêndios compete à esfera estadual; assim, o poder de polícia relativo ao cumprimento dessas normas será realizado pelos estados-membros, mediante, entre outros meios, a expedição de alvarás, a realização de inspeções e vistorias, a interdição de edificações ou de estabelecimentos comerciais que se encontrem em situação irregular;

a competência para o planejamento e o controle do uso e ocupação do solo urbano é dos municípios; a estes cabe, por conseguinte, o exercício das atividades de polícia relacionadas à concessão de licenças para edificação, de licenças de localização e funcionamento de estabelecimentos industriais e comerciais, à aplicação de sanções pelo descumprimento de normas edilícias, etc.".5

Muito embora o poder de polícia não possa ser delegado a entidades privadas, como decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.717/ DF, em 07 de novembro de 2002, os atos anteriores e posteriores a sua atuação podem ser delegados, como ocorre nos exemplos citados por Leonardo Avelino Duarte:

"Um indivíduo está com pressa e sai apressado da universidade para assistir a um jogo de futebol no estádio do outro lado da cidade. No caminho ultrapassa o sinal vermelho e o fotossensor multa-o. Mas quem opera o fotossensor não

Page 167

é o Detran, nem tampouco o órgão municipal responsável pelo trânsito municipal, mas sim, uma empresa particular. Tal empresa exerceu o poder de polícia. Quem irá expedir a multa não é tal empresa, mas é o órgão público competente. Do mesmo modo, não é a Construtora que exerce Poder de Polícia ao demolir um imóvel por estar em local proibido pelo Estado. Ela pratica apenas um ato material sucessivo ao poder de polícia exercido pela Administração".6É muito comum o "poder de polícia delegado", que consiste na descentralização mediante outorga legal, ou seja, o exercício das prerrogativas pelas entidades integrantes da administração indireta. Há quem entenda, porém, que somente pode haver delegação à pessoa com personalidade de direito público, excluindo assim as empresas públicas, sociedades de economia mista e as fundações públicas de direito privado (Alexandrino. Idem. p. 244).

Na seara eleitoral, o poder é exercício exclusivamente pela Justiça Eleitoral e principalmente pelo Magistrado, que deve atuar preventiva e repressivamente às atividades nocivas aos interesses públicos, sendo sua ação, por vezes, determinada pela legislação eleitoral.

São exemplos de sanções do poder de polícia a interdição de estabelecimentos, a imposição de multas administrativas, a suspensão do exercício de direitos, a destruição de materiais, a demolição de construções, a apreensão de mercadorias, etc.

Durante o processo eleitoral, são hipóteses de exercício do poder o impedimento e a retirada de propaganda ilegal, a coibição dos abusos do poder econômico e eleitoral, bem como os atos para a preservação da lisura e do regular andamento das...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT