O poder de polícia do Estado e a garantia da incolumidade física dos torcedores e desportistas

AutorMarcelo de Lima Lessa
Páginas85-92

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1. A polícia no contexto das práticas desportivas

Desde a entrada em vigor da Lei Federal n. 10.671, de 15 de maio de 2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor), legitimou-se que a prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações e demais entidades. Ademais, por imperativo legal, o torcedor, hoje, tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos, durante e após a realização dos jogos.

Nesse passo, conquanto o dever pela segurança do torcedor em eventos esportivos seja da entidade detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, a lei diz que agentes públicos de segurança previamente identificados deverão ser solicitados ao poder público para a garantia da integridade e da segurança dos torcedores.

Historicamente esse papel tem sido desempenhado pelas Polícias Militares e, no Estado de São Paulo, pelo 2º Batalhão de Polícia de Choque “Anchieta”, cuja origem remonta a 1934, quando na extinta Guarda Civil nasceu a Divisão de Reserva, donde surgiu o policiamento em praças desportivas.

Desde então a Polícia se faz presente em eventos dessa magnitude, agindo na área do entorno, no interior dos estádios e no deslocamento externo das torcidas organizadas.

No âmbito policial-judiciário, as infrações de menor potencial ofensivo ocorridas nos estádios que abrigam os jogos de maior repercussão são costumeiramente atendidas nos Juizados Especiais Criminais, compostos por Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores. Nesse contexto também está inserido o Delegado de Polícia, o qual, diante dos casos abrangidos pela Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, determina a elaboração de um termo circunstanciado, que segue para a imediata apreciação judicial e torna a prestação jurisdicional mais célere. E nos casos que escapem da atribuição dos Juizados Especiais, a ocorrência é encaminhada para a Delegacia de Polícia da circunscrição.

Dito isso, resta claro que a presença dos organismos policiais nos estádios é hoje exigida por lei, afinal, conquanto a participação de empresas de segurança particular não seja expressamente vedada, a atuação delas é limitada, pois lhes falta o denominado “poder de polícia”, exclusivo dos funcionários do Estado. Destarte, as firmas de vigilância não podem desempenhar o papel da Polícia, pois a função das mesmas é, de um modo geral, orientar torcedores, fiscalizar assentos e apoiar o público na saída do evento. E em caso de verificação de distúrbios, o órgão competente para agir é apenas a Polícia, a qual deve ser de imediato de acionada pelos orientadores particulares.

É interessante mencionarmos que antes mesmo da entrada em vigor do Estatuto de Defesa do Torcedor (e das regras nele dispostas), os órgãos de segurança pública já faziam uso do poder de polícia para garantir a incolumidade das pessoas, como, por exemplo, nas chamadas buscas preventivas (também conhecidas como administrativas), as quais, outrora desprovidas de previsão legal, sempre foram efetivadas a título discricionário nos estádios. Nessa esteira, muitas medidas atualmente previstas no art. 13-A do Estatuto tiveram nascedouro no exercício do poder de polícia da administração, daí a sua influência direta na manutenção da ordem e nos temas que serão tratados neste artigo.

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2. O poder de polícia do estado

Muitos insistem em desconhecer o real conceito do poder de polícia, como se fosse ele um múnus exclusivo das forças policiais. Em termos jurídicos, não existe o poder “da” polícia, mas sim, o poder “de” polícia, do qual as instituições policiais, por serem públicas, também fazem uso.

A rigor, a sua definição está na Lei Federal n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Em síntese, considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liber-dade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à ordem, aos costumes, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

É ele, desse modo, um mecanismo de frenagem que dispõe a administração para conter eventuais abusos do direito individual e, com isso, limitar as atividades nefastas dos cidadãos em favor do equilíbrio social. Seria a consagração do princípio de que nenhum interesse individual pode se sobrepor ao coletivo.

Partindo dessa premissa, i.e., a de que o poder de polícia é uma atividade típica da administração pública, fica fácil concluirmos que qualquer servidor público o possui, sendo ele policial ou não. Entretanto, por ser a Polícia o órgão que detém o monopólio estatal da força, é ela que na maioria das vezes acaba exposta a cenários onde o uso desse poder acaba sendo necessário, afinal, no cumprimento do dever, o policial é um árbitro dos valores sociais. E é exatamente por isso que o Estatuto de Defesa do Torcedor exige agentes de segurança pública nos eventos desportivos, afinal, em razão da magnitude verificada, somente a Polícia tem meios operacionais para preservar a ordem ou prontamente a restabelecê-la.

Aliás, ao falar sobre a segurança do torcedor partícipe do evento esportivo, a Lei Federal n. 10.671, de 15 de maio de 2003, estabelece medidas intimamente ligadas ao poder de polícia do Estado.

Vejamos então como funciona este grande mecanismo que visa assegurar a todos os coadjuvantes desse espetáculo a segurança necessária para que nada tire o seu brilhantismo e, no mesmo diapasão, as consequências legais que podem advir no caso de afronta ao regramento de segurança coletiva imposto aos torcedores.

3. Medidas prévias a realização da partida

Para cada partida existem peculiaridades específicas a serem consideradas pelos responsáveis da segurança. Isso inclui, em razão do que estabelece o próprio Estatuto de Defesa do Torcedor, a elaboração de um plano de ação de segurança e contingência, documento onde serão descritas as orientações de planejamento necessárias a realização do evento. Ele é feito de maneira integrada e antes do início da competição, com a participação da entidade desportiva e de órgãos públicos diversos, dentre eles, a Polícia, a fim de que sejam estabelecidos padrões de conduta para a realização do jogo. Isso envolve a segurança, o controle de tráfego, a fiscalização do comércio informal, a defesa do consumidor, a vigilância sanitária e as concessionárias de transporte público, a fim de que haja uma sintonia entre todos os participantes desse processo.

Na mesma linha, temos ainda o chamado plano de ação especial, que contém o planejamento das ações de segurança excepcionais, mirando a expectativa de público e as situações de risco.

Isso tudo se faz necessário para que exista uma pré-confrontação nos casos de incidentes durante a partida, os quais, em sendo verificados, receberão uma resposta especial dos responsáveis. Feito isso, o policiamento é efetivamente destacado e as medidas de prevenção postas em prática quando da realização do evento, a fim de que entretenimento desportivo seja alcançado de maneira regular e ordeira.

Urge agora enfrentarmos a rotina de trabalho desses agentes de segurança pública, bem como, alguns casos práticos que podem acontecer nos estádios, dando a eles uma solução jurídica que possa servir de base para decisões e posturas nesse sentido.

4. A segurança do torcedor partícipe do evento esportivo

Para garantir a segurança geral, a Polícia irá adotar uma série de medidas que visem o êxito do evento e, de antemão, urge que o espectador conheça os seus limites e as consequências que poderão advir no caso de qualquer ameaça por ele causada. Nesse particular, andou bem a legislação ao pautar regras de conduta para o acesso aos estádios, inclusive como condição de permanência neles. E caberá aos órgãos de segurança pública tomar a frente desse processo operacional, triando pessoas e delimitando comportamentos que possam atentar contra a ordem. Vejamos de que maneira isso acontece.

4.1. Objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar a prática de atos de violência

De caráter extremamente abrangente, o art. 13-A, II do Estatuto de Defesa do Torcedor diz ser condição de acesso e permanência do torcedor no recinto privado, a não portabilidade de objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.

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Aliás, o art. 41-B, § 1º do Estatuto diz que está sujeito a pena de reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa, aquele que portar, deter ou transportar, no interior
do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia
de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.

Nesse particular, englobamos as armas e os objetos dotados de potencialidade lesiva e, num segundo plano, as bebidas alcoólicas e as drogas ilícitas. Analisemos cada um dos...

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