Poder Diretivo do Empregador e a Construção do Ambiente de Execução do Trabalho

AutorRenato de Almeida Oliveira Muçouçah
Ocupação do AutorProfessor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas83-132

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1. Poder Diretivo do Emp regador
1.1. O poder diretivo do empregador na análise dos poderes

Na Antiguidade, em Roma especialmente, a subordinação sempre implicou numa limitação muito grave da liberdade individual. O subordinado sofria, pelo fato mesmo de sê-lo, uma capitis diminutio que culminava na escravidão e formas vinculatórias similares, como auctoratus, redemptus ad hostibus etc., ensejando a própria anulação ou alienação de jure da personalidade humana174.

Obviamente, não é esta a subordinação que existe em nosso sistema justrabalhista, embora aí estejam, em nosso sentir, suas remotíssimas raízes. Ora, dos cinco requisitos essenciais para a caracterização do vínculo empregatício (ser o empregado pessoa física, que trabalha de forma não eventual, prestando pessoalmente os serviços de forma subordinada, mediante o recebimento de salário), a subordinação é o requisito que marcou de forma hegemônica e efetiva os contratos de emprego na História Ocidental.

O contrato de emprego, lastreado no negócio jurídico trabalhista, não obstante necessite destes cinco elementos, terá na subordinação o caráter distintivo na conformação do tipo legal desta relação. Sendo muito vastos os conteúdos possíveis das relações de trabalho, preferiu o legislador proteger aquelas dependentes do empregador. O termo “dependência” já causou discussões na doutrina, pois a

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expressão é vaga, podendo ser econômica, jurídica ou mesmo moral. Durante muito tempo a doutrina criou teorias para indagar em que consistiria esta dependência; sucintamente, foram quatro as principais: a) dependência econômica; b) dependência técnica; c) dependência hierárquica; d) dependência social.

Com finalidade meramente expositiva, Sergio Pinto Martins faz uma sucinta exposição sobre estas teorias: o empregado é subordinado economicamente ao empregador por depender do salário que recebe; entretanto, o filho é dependente economicamente do pai, mas não é, à primeira vista, seu empregado. A subordinação técnica dá-se pelo fato de o empregado depender tecnicamente do empregador, que determina as diretrizes técnicas da produção, porém aqueles altos empregados ou empregados especializados muitas vezes não dependem do empregador, mas, ao contrário, o empregador é que deles depende. A dependência social diz respeito ao fato de que o contrato de trabalho se funda numa condição social das partes, sendo que as leis devem ser editadas para regular as referidas questões sociais pertinentes às partes envolvidas; o empregado, por ser o ente mais fraco da relação, deve, portanto, ser socialmente protegido. A subordinação pode ser hierárquica, pelo fato de o empregado se achar inserido na empresa que é dirigida e organizada pelo empregador, devendo respeitar suas determinações. A subordinação jurídica é verificada na situação contratual e legal pela qual o empregado deve obedecer às ordens do empregador, que é a teoria mais aceita.175Cabe ressalvar que a chamada dependência do empregado há de ser compreendida em seu sentido jurídico, fundada no contrato de trabalho. E dependência, em verdade, é termo superado — foi utilizado para acentuar o vínculo pessoal entre as partes, quando ainda não se havia tido como certa a noção essencialmente jurídica da subordinação. Assim, o empregado de forma voluntária aliena a um terceiro, o empregador, o poder de direção sobre sua atividade, em troca de remuneração. Conforme expusemos no capítulo anterior, a natureza jurídica da subordinação é inquestionavelmente contratual, ainda que tendo por suporte e fundamento originário a assimetria característica da moderna sociedade capitalista. É a subordinação um ato juridicamente firmado pelas partes no contrato de trabalho, negócio cujo conteúdo, em parte, já se encontra delineado pela norma estatal.

Subordinação é ideia oposta à de autonomia; o trabalhador autônomo, segundo Manuel Alonso Olea, es quien dedica su actividad a la producción de bienes y servicios sin estar ligado por un contrato de trabajo, esto es, sin haber cedido a

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tercero previamente a su ejecución la titularidad mediante el pago de una remuneración; el autónomo no es ni trabajador por cuenta ajena ni empresario, o es, como dijera Cantillón, ‘el empresario de su propio trabajo.176Assim, o grande diferencial do trabalho autônomo para o subordinado — e que será sua marca distintiva — é a ausência de subordinação, não podendo haver um tomador de serviços, pessoa física ou jurídica, que lhe dirija a prestação de trabalho. A subordinação, conforme já salientamos, possui esta natureza contratual. Sustenta- -se a racionalidade do contrato de trabalho no fato de o empregado voluntariamente acatar a subordinação implícita neste contrato. Se antes havia a coação ao trabalho hoje, juridicamente, nada pode obrigá-lo a este mister; o que o obriga, entretanto, são fatores exógenos à formação do contrato de trabalho: é a necessidade do homem de gerir recursos para a manutenção de sua existência, nem sempre com o respeito adequado à sua dignidade, e é em igual forma a dependência permanente que tem o homem de manter-se vivo. Por isto, a racionalidade nada mais é que a sujeição do trabalhador e do que ele dispõe — sua força de trabalho — ao poder do capital177.

O trabalhador livre, ao contrário do escravo, é uma pessoa e não mais coisa. O contrato de compra e venda, antes da própria pessoa, passa a ser da capacidade da força de trabalho. Assim, o sistema de subordinação jurídica torna-se também mais eficiente: o trabalhador, que agora tem família, filhos e reputação ante a sociedade, necessita continuamente ser querido pelo empregador, para que a relação de emprego (e consequentemente a alienação da força de trabalho) seja mantida178. Desta feita, não é difícil compreender o porquê ser a subordinação, dentre todos os outros, o traço mais característico da relação de emprego. E é mais. É o próprio objeto do contrato de emprego, sob o ponto de vista do empregador.

Nesse sentido, Adilson Bassalho Pereira afirma que quando se alude ao objeto de um contrato, cogita-se de seu elemento característico, capaz de diferenciá-lo dos demais, tornando-o inconfundível. E o trabalho, sabidamente, não constitui objeto, apenas, do contrato de emprego. Não! Ele também é objeto, entre outros, dos contratos de prestação de serviços autônomos, da empreitada (no sentido de que representa o meio hábil para a conclusão da obra), do mandato, da

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gestão de negócios, de certos tipos de sociedade e da parceria rural, não se prestando, dessarte, por si só, a configurar a aludida diferenciação.179Mais à frente o autor, afirmando que as doutrinas mais corretas apontam a subordinação como o elemento essencial para caracterizar o objeto do contrato, sustenta mais: a subordinação coexiste com o trabalho, no que concerne à expectativa que tem o empregador em relação à prestação de serviços. A subordinação, de per si, é também objeto do contrato de emprego. E, assim, “ao contratar um empregado, o empregador tem em mente tanto seu trabalho quanto sua subordinação”180.

Esclarece Otávio Pinto e Silva181 que, conforme as clássicas teorias justrabalhistas, ao empregador, em sendo credor de trabalho pela relação jurídica manifestada, resta a faculdade de nele intervir. Assim, simplificadamente, manifesta-se a subordinação nas relações de emprego: por meio do exercício do poder diretivo do empregador. Subordinação e poder diretivo são ideias intrínsecas. Sem dúvidas o “empregado é um subordinado porque ao se colocar nessa condição consentiu que o seu trabalho seja dirigido por outrem, o empregador”182. Mas, afinal, que é este poder — conforme visto, o próprio objeto do contrato de emprego?

Poder, de forma genérica, é a possibilidade de alguém impor uma conduta ou um conteúdo a outrem, e está presente em quase todas as relações na sociedade. Conforme a escorreita análise de Gérard Lebrun, ao conceito de poder está ligada a ideia de força. Um exemplo não pode ser mais claro: se um partido tem peso político, é porque tem força para mobilizar um determinado número de eleitores; se um sindicato também possui peso político, é pelo fato de ter ele poder para deflagrar uma greve. Força não é necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas de meios que permitam a um determinado agente influir na conduta de outro. Em outras palavras, com propriedade, “a força é a canalização da potência”, entendendo a potência como “toda oportunidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”183.

A noção de poder explicitada por Lebrun, nas relações de trabalho em geral, é compreensível sob o prisma do exercício de dominação, conceito tornado famoso por Max Weber: “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de deter-minado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”184. Explica o autor que o exercício em tela liga-se à certeza de que alguém, ou uma associação ou um quadro administrativo, venha a mandar eficazmente em outros.

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Bertrand Russel analisa o poder sob um prisma também bastante interessante, quando estabelece que ele pode ser exercido contra o indivíduo em três tipologias distintas: a) como poder físico contra o corpo; b) por meio de recompensas ou castigos, como forma de se incentivar um comportamento; c) por meio da influência sobre a opinião185. Weber, no texto já citado, conectando dominação à autoridade (poder exercido com legitimidade, sem...

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