O pobre no direito penal e processo penal

AutorRené Ariel Dotti
CargoAdvogado. Professor titular de Direito Penal (Faculdade de Direito da UFP)
Páginas37-43

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Ver nota 1

1. A extrema relevância do tema

O sedutor e generoso tema da situação jurídica da pessoa pobre no contexto da justiça criminal exige algumas observações preliminares. A primeira delas é sobre os conceitos sociológico e jurídico de pobreza. Quanto ao primeiro, Johnson esclarece que tal situação, em sentido geral, é "uma situação na qual as pessoas carecem daquilo que têm necessidade para viver. Os limites de ‘necessidade para viver’, no entanto, são matéria de definição"2. Percebe-se, desde logo, que este é um enunciado dependente de complementação. E, relativamente ao segundo, Helena Diniz nos diz que o vocábulo tem acepções variadas segundo o ramo jurídico específico: civil, processual e canônico3. No plano penal, a pobreza é causa de dispensa da cobrança da multa, pelo desconto no vencimento ou salário do apenado quando tal abatimento afetar os "recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família" (CP, art. 50, § 2º). Relativamente ao processo penal, a obrigação de pagar fiança será substituída por medida cautelar diversa da prisão (CPP, art. 325, § 1º, I, c/c o art. 350).

2. A suposta proteção contra a pobreza

A Constituição Federal promete, entre os objetivos fundamentais da República, "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais", bem como "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas

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de discriminação" (art. 3º, III e IV). É certo que iniciativas e projetos positivos do governo federal, como o programa "Minha casa, minha vida", entre outros, revelam a melhoria de condições humanas e sociais de contingentes das pessoas pobres. Mas, em relação aos suspeitos, indiciados e réus pobres, o sistema legal contém somente proclamações otimistas. Há um descompasso flagrante entre as declarações de direitos e garantias constantes da carta política e da legislação ordinária e o estado das prisões e o tratamento dos presos. Especialmente dos presos pobres.

3. Os direitos e as garantias fundamentais (I)

Há um princípio, de tempos imemoriais, de que toda pessoa acusada de um delito tem o correspondente direito à defesa. Em textos clássicos dos direitos fundamentais, essa garantia está ligada a outros princípios: o devido processo legal e a presunção de inocência. Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que consagrou o movimento revolucionário francês da República contra a Monarquia, os arts. 7º e 9º dispõem: "Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por estas prescritas (...)"; "Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei". Na Declaração universal dos Direitos Humanos (Paris, 1948), que subsidiou a Convenção de Roma (1950) e as declarações latino-americanas, está posto: "Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele" (art. X); "Todo homem acusado de um ato...

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