Pluriactivity in rural areas: flexibility and precariousness of work in family farming/Pluriatividade no meio rural: flexibilizacao e precarizacao do trabalho na agricultura familiar.

AutorWerlang, Rosangela

Introducao

Este artigo trata da flexibilizacao e da precarizacao do trabalho na agricultura familiar. O avanco capitalista, ensejado pela modernizacao que adentra o campo, tem conduzido a novas formas de trabalho e de vida no meio rural, afetando sobremaneira os pequenos agricultores que vivem da agricultura familiar nas pequenas propriedades rurais. Destarte, a articulacao ou integracao com a industria seria uma das formas por meio da qual se expressa o avanco do capital no campo. Outra forma seria a insercao de atividades nao necessariamente agricolas no seio das familias dos pequenos agricultores, a chamada pluriatividade, fazendo com que o rural e o pequeno agricultor se distanciem de sua caracteristica principal, qual seja, a de produzir alimentos para o seu sustento, tendendo por fim ao assalariamento.

E inegavel a contradicao que se instala neste espaco de vida e trabalho, que expressa o ocaso da pequena agricultura familiar. Esta, para sobreviver, flexibiliza-se e precariza as relacoes de trabalho, alterando, pouco a pouco, o ser e o fazer do pequeno agricultor. Assim, este estudo, fruto de pesquisa teorica realizada no Nucleo de Estudo e Pesquisa em Saude e Trabalho (Nest) do curso de Servico Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnologico (CNPq), objetivou refletir sobre o ocaso da pequena agricultura familiar, via mecanismos conexos ao capital, quais sejam, a articulacao com a industria e, especialmente, a pluriatividade. Desse modo, este artigo encontra-se estruturado em duas partes: a primeira, que aborda o processo de modernizacao da agricultura, e a que trata das formas de flexibilizacao e precarizacao do trabalho no meio rural enquanto expressoes da investida do capital contra a pequena agricultura familiar.

O processo de modernizacao da agricultura: o ocaso do pequeno agricultor

O periodo que se iniciou apos a decada de 1960 foi marcado pela expansao das atividades economicas no Brasil, assinalando tambem a intensificacao da modernizacao do espaco agrario no pais. Tal intensificacao esteve associada a politicas de credito agricola que, por sua vez, aliavamse ao desenvolvimento das primeiras industrias de insumos agricolas. Todavia, esse ciclo de crescimento passou a sofrer instabilidades quando os precos internacionais e o credito para investimentos, alimentados pelo governo, foram reduzidos. Para os agricultores que haviam investido no cultivo de graos, a crise foi incansavel, ja que houve reducao de recursos para os financiamentos agricolas. Parte dos agricultores que estavam organizados e capitalizados deu continuidade ao caminho rumo a uma agricultura "moderna e tecnificada" (ANDREATTA, 2009, p. 15). Por sua vez, os pequenos agricultores vinculados a agricultura familiar nao tiveram tanta sorte. Sem os recursos disponiveis e sem as garantias exigidas para a obtencao de financiamentos, os pequenos agricultores ficaram praticamente a margem de todo o processo que serviu aqueles bem estabelecidos e capitalizados.

Pode-se assinalar que o processo de modernizacao na agricultura pertinente a segunda metade do seculo XX delineia-se por meio de tres mudancas importantes: a mudanca na base tecnica da producao, a mudanca na composicao das culturas e a mudanca na concentracao fundiaria e na utilizacao das terras (SOUZA FILHO, 1994). Com relacao a mudanca na base tecnica, houve a "tecnificacao" do espaco agrario, notadamente atraves de dois elementos: a quimificacao e a mecanizacao. A quimificacao se deu principalmente atraves do uso de fertilizantes e defensivos quimicos. Ja a mecanizacao se deu, especialmente, por meio da utilizacao dos tratores nas atividades agropecuarias. O crescimento do uso de fertilizantes quimicos se estabeleceu de forma imponente, assim como a utilizacao dos defensivos quimicos. Sao inseticidas, fungicidas e herbicidas que tiveram incremento em sua utilizacao, aliados ao uso de tratores nas areas dedicadas a lavoura. Neste sentido, com relacao as modificacoes da base tecnica da agricultura, pode-se dizer que o processo de tecnificacao baseou-se, resumidamente, no uso de insumos quimicos e na tratorizacao. Podem-se destacar, alem disso, as inovacoes por produto, como as sementes selecionadas e o uso de tecnicas especificas para conservacao do solo e de irrigacao.

A modificacao na composicao das culturas tambem e elemento importante nesta analise. A partir dos anos 1970, ha um incremento muito pequeno ou mesmo negativo dos produtos tecnologicamente tradicionais ou destinados ao mercado interno. Por outro lado, crescem as culturas de exportacao, como a soja, com forte articulacao com a agroindustria (SOUZA FILHO, 1994). Destarte, houve a expansao dessa cultura aliada a toda uma politica comercial e de incentivos, especialmente aqueles atrelados aos precos internacionais que estimulavam o plantio de produtos destinados a exportacao.

Com relacao as modificacoes do espaco agrario articuladas a concentracao fundiaria e ao uso da terra, percebe-se um aumento do grau de concentracao da propriedade da terra, mesmo considerando-se que, historicamente, a estrutura fundiaria brasileira sempre tenha sido bastante concentrada. Ha, assim, uma especie de reconcentracao fundiaria, impedindo o acesso a terra para a producao agricola de boa parte da populacao.

No entanto, ha que se considerar, tambem, o processo de reestruturacao das relacoes estabelecidas no processo produtivo rural, especialmente dos pequenos produtores, a partir das implicacoes estabelecidas por meio da producao agroindustrial (TEDESCO, 1994). A tendencia a modernizacao aprofundou as relacoes entre industria e agricultura, na tentativa de transformar a producao agricola em um processo de cunho industrial, promovendo a divisao social do trabalho numa complexidade de relacoes sociais de producao entre o rural e o urbano, desconsiderando, neste interim, fatores historicos e culturais de producao e de contato com a terra, atinente aos pequenos agricultores. As relacoes sociais estabelecidas no processo de integracao entre os pequenos agricultores e a industria, sobretudo no caso da producao integrada de aves e suinos, seria parte inerente da estrategia modernizante da agricultura, objetivando diversificar a producao e promover a acumulacao do capital industrial (TEDESCO, 1994).

A integracao da agricultura familiar a industria se apresentara como uma das formas do desenvolvimento do capital na agricultura. Assim, pode-se dizer que a substituicao das atividades agricolas ditas "naturais" vem sendo aos poucos ocupada por atividades integradas a industria. Esta, cada vez mais, intensifica a divisao do trabalho e especializa a producao agricola. Para alem do vinculo da agricultura com a industria, esta ultima tambem vai se especializando. O capitalismo, quando entra no campo, faz com que se aprofunde a divisao do trabalho e, alem disso, com que o campones ou o pequeno agricultor tenham a sua economia natural destruida. A partir deste ponto, podem ser criadas as bases para o desenvolvimento do capitalismo onde este nao se encontre ainda implantado. Ao destruir as bases da economia natural, criam-se as condicoes necessarias para que o capitalismo se expanda. Esta tese e sustentada por Marx (1980, p. 404), que afirmar que:

[...] o fundamental de toda divisao do trabalho desenvolvida e processada atraves da troca de mercadorias e a separacao entre cidade e campo. Pode-se dizer que toda historia economica da sociedade se resume na dinamica dessa antitese [...] o modo de producao capitalista completa a ruptura dos lacos primitivos que no comeco uniam a agricultura e a manufatura. Mas, ao mesmo tempo cria as condicoes materiais para uma sintese nova, superior, para a uniao da agricultura e da industria, na base das estruturas que se desenvolveram em mutua oposicao. Para Marx (1980), a historia antiga seria a historia das cidades; todavia, das cidades que tiveram a sua base economica assentada na agricultura e na propriedade rural. Ja a historia asiatica seria uma especie de unidade indiferente entre cidade e campo. No Medievo, por sua vez, a area rural seria o cenario da historia cujo desenvolvimento posterior darse-ia atraves da discrepancia entre cidade e campo; "a historia moderna seria, entao, o processo de urbanizacao da area rural e nao a ruralizacao da cidade" (MARX, 1986, p. 74-75).

O processo de "industrializacao do campo", ou mesmo de "urbanizacao da area rural", somente estaria completo quando a industria se mudasse para o campo. Entretanto, observa-se a tendencia de o proprio campo se transformar em industria, em fabrica, com o advento da agroindustria, do "agronegocio". Desse modo, a agricultura como ramo natural vai tendendo a transformacao, aspirando converter-se, cada vez mais, em um dos ramos da industria.

A agricultura modifica-se com uma enfase industrial, constituindose em um setor que se encontra subordinado ao capital. E neste sentido que se pode asseverar que "o espaco rural tem sofrido fortes impactos", causados por mudancas estruturais na economia e relacionados, em boa parte, aos processos de integracao economica. Entre tais processos encontrase a queda nas condicoes de sustentabilidade das unidades de producao agraria, decorrente da reducao de sua sustentabilidade, na qual o vinculo com a industria seria a pretensa alternativa a sustentabilidade das pequenas propriedades agricolas (FERNANDES FILHO; CAMPOS, 2003).

Como ja apontado por Marx, o processo de destruicao da economia natural camponesa inicia-se com a revolucao agricola, consumandose com o desenvolvimento capitalista de producao. Assim, a destruicao desta economia levou a separacao entre cidade e campo, ficando o campo com o desenvolvimento e a pratica das atividades relativas a agricultura. Ocorre, portanto, a separacao entre manufatura e agricultura, em que a primeira das atividades passa a ser exercida em outro espaco: aquele destinado as atividades...

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