A inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho

AutorAna Paula de Souza Leonart
Páginas1-60

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Introdução

As pessoas com deficiência, ao longo da história da humanidade, têm recebido diversos tipos de tratamentos. Os registros mais antigos dão conta que alguns povos simplesmente as exterminavam, outros, que as excluíam ou segregavam do convívio social. Só muito mais recentemente passaram a ser aceitas de fato como sujeitos de direitos, e a sociedade começou a empregar o termo integração, para indicar que as pessoas com deficiência podiam participar dos atos da vida civil, evidentemente, desde que se esforçassem. Vale dizer: os surdos, ainda que não ouvindo, falassem fluentemente; os cadeirantes não se importassem de transpor barreiras arquitetônicas; os cegos achassem bonito acertar obstáculos plantados pela inteligência humana bem no meio do caminho, e assim sucessivamente.

O termo integração surgiu, foi parar no texto da Lei nº 7.853/89, rapidamente virou modismo, e todos achando maravilhoso empregá-lo nas conversações. Final dos anos noventa, foi se despedindo, já decrépita a sua concepção. Substituindo-o, vindo para marcar a diferença, assume o lugar a expressão inclusão social chamando para si a missão de assentar plenamente a igualdade no seio da sociedade.

Tanto a integração como a inclusão, em primeiro lugar, guardam estrita relação com as grandes guerras mundiais, que foram responsáveis pela ocorrência em grau elevado de pessoas com deficiência no século XX e, em segundo, com os acidentes, que vêm aumentando significativamente desde a revolução industrial, alcançando na atualidade recordes nunca antes imaginados.

As guerras e os acidentes têm o poder de transformar, em instantes, pessoas consideradas normais em pessoas com seqüelas, pessoas com deficiências. Em instantes, médicos, administradores, professores, advogados e outros deixam de ser pessoas plenamente aptas e independentes para o trabalho e para muitas das atividades da vida diária. De pessoas plenamente aptas a pessoas inaptas para determinadas atividades. De qualquer forma, o realmente relevante é que a sociedade foi se dando conta que elas, antes ou depois dos acidentes, continuam, invariavelmente, sendo PESSOAS.

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Incluir pessoas com bom nível cultural no rol das com deficiência implica aumentar o poder de atuação, o poder político e o poder de persuasão desse segmento. Portanto, se a sociedade, hoje, dá passos significativos em direção à inclusão, à realização dos direitos desse segmento importante da sociedade, sem dúvida, isto tem muito a ver com as pessoas que se tornaram deficientes na idade adulta.

Como inclusão social relaciona-se com inclusão no mercado de trabalho, foi preciso que a humanidade elaborasse normas visando a assegurar às pessoas com deficiência o direito de trabalhar. O primeiro grande substrato para a criação dessas normas foi a Declaração Universal dos Humanos, proclamada em 1.948. Depois, ainda no contexto internacional, foram editadas e merecem destaque as Recomendações e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, a Resolução nº 45 e as Convenções da ONU sobre a matéria. No plano nacional, impende salientar a Constituição Federal em vigência, as Leis nº 7.853/89, 8.112/90, 8.213/91, 10.098/00, e os Decretos nº 3.298/99 e 5.296/04.

No âmbito da iniciativa privada, a concepção em relação à inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho mudou significativamente com a Lei nº 8.213/91, a que dispõe sobre planos e benefícios da Previdência Social e institui cotas para as empresas como mais de cem empregados.

A Lei nº 8.213/91 representa grande avanço na questão relacionada à empregabilidade das pessoas com deficiência, mesmo que haja pouco a comemorar no que respeita ao elevado índice de desemprego nesse segmento. Um motivo para justificar esse índice é o significativo número de empresas de pequeno porte e de microempresas com menos de cem empregados e, portanto, fora do alcance da lei. Entre as que têm mais de cem empregados, o maior problema é vencer a inércia no campo das mudanças de atitudes.

Na prática, sem a atuação firme das Delegacias Regionais do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, poucas seriam as empresas dispostas a cumprir a Lei, na íntegra.

Nos aspectos relacionados às pessoas com deficiência, principalmente, às que nasceram com deficiência ou que a adquiriram nos primeiros anos de vida, as barreiras para um bom desenvolvimento educacional e cultural são incontáveis ePage 3 amplas, indo desde a falta de políticas públicas consistentes até a falta de condições ou passividade (conformismo) das famílias a que elas pertencem.

O Benefício da Prestação Continuada, por meio do qual as pessoas com deficiência declaradamente carentes recebem um salário mínimo mensal, na forma da Lei, e a aposentadoria por invalidez constituem grandes empecilhos à inserção delas no mercado de trabalho, vez que é difícil trocar uma remuneração certa por uma incerta. Todavia e com certeza, a discriminação continua sendo a maior responsável pela não inserção delas.

No contexto do Poder Público, as ações costumam ser lentas. É o que ocorre com a aplicação da Lei nº 8.112/90, a que concede às pessoas com deficiência o direito de se inscreverem em concursos públicos, pois, no tocante à reserva de vagas, só foi disciplinada nove anos após a sua publicação, com a edição do Decreto nº 3.298/99.

Reunidos Lei e Decreto, todo edital de concurso público deve trazer expressamente o percentual de vagas destinadas às pessoas com deficiência, que pode ser de 5% a 20%.

Como há um passivo considerável dessas vagas nos órgãos públicos, em nome da coerência, da igualdade e do respeito humano, dever-se-ia utilizar o percentual maior, em todos os concursos públicos, pelo menos até que houvesse maior contigente de funcionários públicos com deficiência em cada repartição.

Segundo dados aceitos e divulgados pela ONU, 10% da população mundial tem algum tipo de deficiência. No Brasil, conforme dados do último Censo do IBGE, esse percentual é maior. Logo, empregar percentual de 5% para a reserva de vagas significa dar às costas aos dados da ONU.

A realidade tem mostrado que os órgãos do Poder Público optam pelo percentual mínimo. Terminado o concurso, invariavelmente, as nomeações acontecem a partir do chamamento das pessoas que não têm deficiência. Na maioria das vezes, somente a cada vinte nomeações de candidatos não deficientes aprovados convoca-se e nomeia-se um com deficiência. Como os concursos costumam ter vigência de dois anos, é mais provável supor que poucos candidatos aprovados serão, de fato, nomeados, ingressando em exercício efetivo. Se a reserva for para o preenchimento de uma, duas ou até cinco vagas, aí então a reserva especial, na essência, transforma-se em fábula.

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Outro aspecto interessante, frise-se, diz respeito a candidatos com deficiência aprovados em concurso que, ao serem submetidos a exame médico, deles saem tendo em mãos declaração em que consta “inapto temporariamente para o cargo”. Entre as que já receberam declarações com esse teor estão várias pessoas cegas. Repita-se: cegas. Ou seja, aquelas que, no nível atual do conhecimento científico, colocadas a seis metros de distância dos usuais quadros pendurados nas paredes dos consultórios dos oftalmologistas, não têm condições de enxergar as letras neles contidas, aliás, nem de enxergar os próprios quadros, e a medicina não dispõe de instrumentos ou técnicas capazes de fazê-los enxergar.

Em suma, essa sociedade justa, fraterna e igualitária, que oferece oportunidade a todos de ir, vir, estudar, trabalhar, com qualidade de vida, a que leva ao almejado bem-estar, infelizmente, habita mais os discursos que o universo real das pessoas.

No intento de discutir os principais aspectos inerentes à inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, para fins de abordagem, este tema foi subdividido em três capítulos: 1. Pessoa com deficiência, cidadania, terminologia e conceito, e o princípio da igualdade; 2. A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, e 3. A reserva de vagas de trabalho no setor público. Encerrando a discussão, são relacionadas as principais conclusões a que a autora chegou em relação ao estudo feito.

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1 Pessoa com deficiência, cidadania, terminologia e conceito, e o princípio da igualdade

Antes de entrar no assunto propriamente dito deste trabalho - a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho - é necessário abordar alguns temas que estão a ele relacionados, tais como cidadania, os termos que vêm sendo utilizados para se referir a essa parcela da sociedade, bem como o conceito jurídico do que se considera uma pessoa com deficiência, sem deixar de lado o importantíssimo princípio da igualdade, pois que não é possível garantir igualdade a todos, sem se tratar desigualmente os desiguais, ou tratando a todos de forma simplista. Aliás, liberdade, igualdade e dignidade devem ser os...

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