Pesquisa Quantitativa

AutorThiago Bottino
Páginas34-82

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Este capítulo destina-se a apresentar os dados quantitativos obtidos na pesquisa. Se, na primeira pesquisa, optou-se pelo recorte temporal para o período de 2008 a 20121, a segunda fase incorporou os anos de 2006, 2007, 2013 e 2014. Os dados quantitativos foram separados em variáveis independentes. No entanto, foi construída uma plataforma interativa que permite inúmeros cruzamentos de variáveis. Tal plataforma está disponível on-line para consulta de qualquer interessado: http://direitorio.fgv.br/projetos/habeas-corpus-nos-tribunais-superiores.

A escolha de uma plataforma web para desenvolvimento do trabalho foi impulsionada pela disponibilidade imediata para aqueles que quiserem conferir e capacidade de disseminação

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da internet como veículo de informação. Espera-se que a disponibilização de todos os dados estimule outros pesquisadores a explorar as inúmeras possibilidades de cruzamento de dados e a investigação mais profunda de determinados aspectos que não puderam, devido à exiguidade de tempo, ser trabalhados neste livro.

Em primeiro lugar, algumas variáveis que não constavam da Chamada Pública Simplificada Ipea/PNPD nº 131/2012 e Chamada Pública Simplificada Ipea/PNPD nº 098/2014 (e, portanto, não constavam do projeto apresentado) foram incluídas no escopo do trabalho no intervalo entre a escolha do projeto e o início efetivo da pesquisa, em reuniões realizadas com as equipes do Ipea e do MJ. Por se tratar de variáveis que não constam do sistema de classificação e processamento de dados das áreas de informática do STJ e do STF, tais variáveis demandaram a leitura individualizada de cada acórdão para sua correta identificação. Essas novas variáveis eram:

(a) incidência penal (artigo de lei objeto do caso examinado); (b) situação do réu na impetração (se preso ou solto); (c) existência de decisão liminar e seu conteúdo; (d) parecer do Ministério Público (se favorável ou contrário à impetração); (e) órgão julgador (se o julgamento foi levado ao órgão colegiado - e, nesse, caso se foi Turma ou Plenário - ou se foi objeto de decisão monocrática); e, ainda, (f) o Relator do habeas corpus.

Não obstante a limitação temporal seja uma perda importante, o acréscimo dessas variáveis mostrou-se absolutamente acertado - e, nesse ponto, os elogios são devidos às equipes do Ipea e do MJ responsáveis pelo acompanhamento e avaliação da pesquisa. Com efeito, qualquer proposta de solução para o equacionamento do acesso à justiça com uma prestação jurisdicional efetiva não pode prescindir de identificar tais variáveis.

Em segundo lugar, a despeito do grande número de pesquisadores recrutados (cerca de 40 pessoas trabalharam simultaneamente na pesquisa), a necessidade de sistemas de controle e revisão limitou a quantidade de decisões a serem examinadas. Ainda assim, foi possível analisar aproximadamente 14 mil acórdãos no período de quatro meses de trabalho, eis que o primeiro mês foi dedicado à seleção e treinamento da equipe e o último mês foi destinado à pesquisa qualitativa. Os acórdãos examinados oscilavam muito de tamanho, alguns com apenas cinco páginas, enquanto outros possuíam mais de 50 páginas.

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Por fim, a fixação do período inicial em 2008 deveuse à explosão do número de impetrações de habeas corpus tanto no STJ como no STF iniciada nesse ano (não obstante tenham ocorridos picos isolados em anos anteriores). Esse fato, identificado logo no início dos trabalhos ao se construir a base de dados, foi o que determinou o marco inicial do recorte temporal da pesquisa. Com efeito, houve crescimento significativo de impetrações no STF nos anos de 2008, 2009 e 2010, com ligeira queda em 2011 e 2012, mantendo-se ainda em patamares impressionantemente altos, como se vê no gráfico a seguir:

No STJ, a situação era ainda mais dramática, pois o crescimento estendeu-se até o ano de 2011, sendo certo que o volume total de casos é quase seis vezes maior (considerando os picos de impetrações), alcançando a marca de 36 mil habeas corpus em apenas um ano, como se vê no gráfico a seguir:

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Não obstante seus números elevados, HCs e RHCs não representam classes de ações que ocupem percentual significativo no total de processos perante o STF. No período de 2008 a 2012, as ações de habeas corpus representaram 6,18% dos processos em tramitação no STF, ao passo que, entre 1998 e 2007, os habeas corpus representaram, em média, somente 3,15% dos processos do STF. Logo, embora se trate de um percentual reduzido, é possível afirmar que a média durante os cinco anos examinados pela pesquisa (2008-2012) é cerca do dobro da média nos dez anos anteriores.

Embora seja um percentual reduzido, habeas corpus não comportam julgamentos em bloco, como é possível fazer com outros tipos de ação, que tratam de questões idênticas e repetidas. O tempo necessário para o exame de um habeas corpus é, nesse sentido, superior ao dedicado a um recurso extraordinário, em média. Ademais, os habeas corpus demandam um exame mais rápido, recebendo preferência em seu julgamento em detrimento de outras classes de ações.

A ação que mais se assemelha ao habeas corpus perante os Tribunais Superiores talvez seja o mandado de segurança, "primo" do habeas corpus, já que, até a reforma constitucional de 1926, este writ era utilizado para combater qualquer tipo de ilegalidade, ainda que dissociada da liberdade de locomoção. O gráfico a seguir mostra a evolução, em percentual do total de ações perante o STF, do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso de habeas corpus.

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No STJ, a situação é bem diferente. Nota-se um crescimento contínuo iniciado em 2003, rompendo a barreira dos 10% do total de casos no ano de 2008, patamar em que se mantém desde então (com destaque para um pico de mais de 15% em 2010).

No período de 2008 a 2012, as ações de habeas corpus representaram 12,06% dos processos em tramitação no STJ, ao passo que, entre 2000 e 2007, os habeas corpus representaram, em média, somente 4,61% dos processos do STF. Logo, embora se trate de um percentual reduzido, é possível afirmar que a média durante os cincos examinados pela pesquisa (2008-2012) é cerca do triplo da média nos 8 anos anteriores. Assim como ocorre no STF, não se verificou semelhante variação no mandado de segurança e um aumento mínimo no emprego do recurso de habeas corpus.

Tais dados reforçam a opção preferencial pela investigação dos motivos de impetrações no período de 2008 a 2012. Posteriormente, foram incorporados os anos de 2006, 2007, 2013 e 2014.

3. 1 Origem

A categoria "origem" representa a autoridade coatora nos HCs e RHCs examinados. No caso do STF, seriam esperadas apenas três origens: STJ, STM (Tribunais Superiores que atuam em matéria criminal, cujas decisões não sejam passíveis de impugnação perante o STF) e, excepcionalmente, autoridades cujos atos estejam sujeitos à

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competência do STF, como deputados e senadores (geralmente no exercício de funções em Comissões Parlamentares de Inquérito).

Nesse sentido, houve surpresa ao se identificar o percentual de 15,4% de casos oriundos de instâncias inferiores (tanto tribunais de segunda instância como varas de primeira instância), o que se refletiu no grande número de casos de não conhecimento com fundamento na incompetência do STF para apreciação das ações de HC e RHC.

Embora seja um percentual elevado, tais HCs e RHCs são facilmente identificáveis, sendo "filtrados" já no momento de autuação e distribuição, recebendo decisões padronizadas de declaração de incompetência com o declínio para o órgão correspondente.

Já no STJ, o percentual de HCs e RHCs oriundos de órgãos jurisdicionais não sujeitos à jurisdição do STJ é bem menor, da ordem de 3,6% (muito embora seja a sexta maior origem registrada). A surpresa fica por conta da altíssima concentração de casos com origem no Tribunal de Justiça de São Paulo.

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A alta concentração de casos oriundos do Tribunal de Justiça de São Paulo mostra-se um ponto de especial relevância, uma vez que não é compatível com dados de população (São Paulo concentra apenas 21,72% da população brasileira2), nem com dados de população prisional3(embora seja o Estado com a maior população carcerária, com 34,60%).

Como se pode perceber na tabela a seguir, essa discrepância não se verifica nos Tribunais de Justiça dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, nem no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, nos quais os dados de população e população carcerária conjugados se mostram mais próximos ao percentual de HCs e RHCs impetrados perante o STJ.

Vê-se que São Paulo apresenta uma diferença de mais de 20 pontos percentuais em relação à população total e mais de 10 pontos percentuais quando se observa a população carcerária. O elevado percentual de casos oriundos do Tribunal de Justiça de São Paulo sugeriu a necessidade de que fossem aprofundadas as pesquisas nesses casos.

Em recorte específico dos HCs e RHCs, isolando-se a variável "crime", verificou-se uma alta concentração de casos concentrados em determinados crimes. Entre os 102 diferentes tipos penais registrados nos casos examinados, mais de 70% de todos os HCs e RHCs oriundos dos cinco Tribunais de Justiça mais

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acionados no STJ estão concentrados em apenas seis tipos penais: roubo (simples e qualificado), furto (simples e qualificado), tráfico de drogas, homicídio qualificado, estupro (e atentado violento ao pudor) e posse e porte de armas.

Trata-se de informação muito relevante. Os Tribunais de Justiça de SP, MG, RJ, RS e DF somados representam a origem de 71,7% de todos os HCs e RHCs impetrados perante o STJ. E 72,59% de todas as impetrações provenientes desses Estados tratam dos mesmos seis crimes, indicando que...

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