Avanços e perspectivas do direito constitucional do trabalho: uma análise sob a ótica do direito coletivo do trabalho

AutorRenan Bernardi Kalil
CargoProcurador do Trabalho. Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Páginas141-172

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Introdução

A Constituição Federal de 1988 é fruto de um processo político, econômico e social que reivindicava, dentre outros direitos, a abertura política do país e que culminou no rompimento com o regime instalado a partir do golpe de 1964 e da ditadura militar. Um dos elementos que tiveram grande importância no referido processo foi o Direito do Trabalho e, em especial, o Direito Coletivo do Trabalho.

Em primeiro lugar, porque os sindicatos foram um dos atores sociais de destaque no processo político que contestou a ditadura militar a partir do final dos anos 1970 e que culminou na redemocratização do Brasil. As entidades sindicais foram organizações que galvanizaram grande parte do descontentamento da população com os militares.

Além disso, porque as greves lideradas pelo movimento sindical na região do ABCD paulista foram, entre os fins dos anos 1970 e começo dos anos 1980, um dos grandes momentos de mobilização que questionou a ditadura militar. Importa mencionar que o cenário que conjugava crise econômica, recessão, arrocho salarial e altas taxas de inflação contribuiu para dar força a essas paralisações.

Cabe ainda destacar que foi nesse contexto que ressurgiram as centrais sindicais, organizações de trabalhadores que não estavam previstas no edifício corporativista vigente no país e congregavam uma série de sindicatos, federações e confederações, sendo que se constituíram como importantes atores políticos a partir desse período. Em 1981, foi realizada a Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora), em 1983, foi fundada a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e em 1986, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT). É nesse cenário que emerge o “novo sindicalismo” ou o “sindicalismo autêntico”, que foi a corrente do movimento sindical que se opunha ao modelo corporativista das relações coletivas de trabalho então predominantes, defendendo, entre outras pautas, a ratificação da Convenção
n. 87 da OIT, a instituição da representação por local de trabalho, o fim da contribuição sindical e a democratização das relações de trabalho.

Realizada análise temporal da duração das Constituições brasileiras, verifica-se que a de 1988 é a segunda Constituição mais longeva. Fica atrás da Constituição de 1891, que foi a primeira do Brasil República e vigorou até a chegada ao poder da Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas em 1930. Fica à frente das Constituições de 1934, que deu uma feição social ao Estado brasileiro, e de 1946, que redemocratizou o país com o fim do Estado Novo. As Constituições de 1937 e 1967 foram elaboradas em períodos autoritários. Contudo, diante do processo político que a antecedeu,

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de sua simbologia e de sua densidade normativa, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 é a mais importante que o Brasil já teve. As alterações promovidas pelo texto constitucional no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho foram relevantes e demandaram novas interpretações de diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A Constituição Federal de 1988 completa 25 anos em 2013. Datas simbólicas são momentos importantes para se realizar um balanço do caminho percorrido e para se apontar as possibilidades existentes e onde queremos chegar. Este artigo, dentro de seus limites, traz reflexões a respeito desses temas, a partir da análise do Direito Constitucional sob a perspectiva do Direito Coletivo do Trabalho, com enfoque na organização sindical.

1. A evolução histórica do direito do trabalho e as constituições brasileiras: a posição do direito coletivo do trabalho

A evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil é dividida de formas distintas entre os diversos autores que estudaram a matéria1. Adotar-se-á nesse artigo o critério utilizado por Walküre Lopes Ribeiro da Silva que estabelece a seguinte periodização, com base nas disposições constitucionais vigentes e na ideologia predominante em cada época: (i) pré-história, entre o Brasil Colônia e a abolição da escravatura;
(ii) o liberalismo da República Velha; (iii) o intervencionismo corporativista;
(iv) e a transição entre o corporativismo e a reforma2.

Na pré-história do Direito do Trabalho, que abrange o período de 1500 a 1888, não existe legislação trabalhista que tenha por objetivo regular as relações de trabalho e que reconheça o Direito do Trabalho como disciplina autônoma.

A Constituição de 1824, outorgada pelo Imperador Dom Pedro I, limita-se a reconhecer a liberdade de trabalho (art. 178, XXIV), apesar da manutenção do uso da mão de obra escrava, que era um dos principais pilares do modo de produção existente no Brasil.

Ainda, a Constituição de 1824 aboliu as corporações de ofício (art. 178, XXV). As raras corporações que existiam foram extintas e novas

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formas de reunião passaram a ser utilizadas nesse período: ligas operárias, sociedades de resistência, sociedades de socorros mútuos, câmaras ou bolsas de trabalho, caixas beneficentes, sociedades cooperativas e uniões. Os sindicatos se disseminaram a partir de 19033.

O término da pré-história ocorre com a Lei Imperial n. 3.353, de 13 de maio de 1888 e a abolição da escravatura, o que cria condições para a existência do Direito do Trabalho, tendo em vista que um de seus principais pressupostos é o trabalho livre4. Segundo Mozart Victor Russomano, “a Lei Áurea aboliu a escravidão no Brasil e essa foi, sem dúvida, muito embora quase ninguém tenha dito, a lei trabalhista mais importante até hoje promulgada”5.

O segundo período tem como marcos temporais iniciais a abolição da escravatura e a proclamação da República (1889). A Constituição de 1891 inaugura a ordem jurídica republicana influenciada pelo liberalismo. Não há menção aos sindicatos, mas é garantida a liberdade de associação (art. 72, § 8º). A regulação das relações de trabalho era rara.

No âmbito infraconstitucional, dois diplomas normativos merecem destaque: o Decreto n. 979, de 1903, que admite a sindicalização dos trabalhadores rurais e o Decreto n. 1.637, de 1907, que possibilita aos demais trabalhadores a constituição de organizações sindicais. Foram os primeiros textos legais que disciplinaram os sindicatos. O número mínimo de integrantes para criação de uma entidade sindical era de 7 membros e a filiação, desfiliação e não filiação eram direitos respeitados6.

As características do período são: (i) pluralidade, uma vez que não existiam critérios que limitavam a criação de organizações sindicais; (ii) influência étnica, em especial pelo ativismo de imigrantes europeus; (iii) diversidade de critérios de reunião, tendo em vista que não existia imposição legal para agregação de interessados; (iv) função assistencial, que predominou nas primeiras décadas do século XX; (v) instabilidade dos sindicatos; e (vi) centralização em grau superior7.

As entidades sindicais passaram a se organizar de forma articulada a partir do 1º Congresso Operário Brasileiro, em 1906, evento apontado pela

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doutrina como o momento que deu início à criação organizada de sindicatos no país. O anarcossindicalismo foi uma corrente que teve grande influência até 19208.

O terceiro período, denominado de intervencionismo corporativista, tem início com a chegada ao poder da Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas. Há uma grande produção normativa relacionada ao Direito do Trabalho a partir de 1930.

Em que pese o reconhecimento dos avanços proporcionados no âmbito das relações individuais, com a elaboração de um grande número de normas protetivas aos trabalhadores, no aspecto coletivo a legislação teve por objetivo não criar condições para que as organizações sindicais fossem livres para se autodeterminarem.

O Decreto n. 19.770, de 1931, segundo Amauri Mascaro Nascimento, “introduz na ordem jurídica uma linha sindical marcadamente intervencionista, de um sindicalismo apolítico e voltado para a integração das classes produtoras”9. Ricardo Machado Lourenço Filho afirma que o referido decreto estabelece o sindicato como órgão de cooperação do Estado, com previsão da existência do sindicato único e do controle dos atos praticados pelas entidades sindicais10.

Em 12 de julho de 1934, é publicado o Decreto n. 24.694, que não estabelece a permissão da criação de apenas um sindicato para representar determinada categoria em uma dada base territorial. Contudo, prevê que um terço dos empregados da mesma profissão e localidade tem a autorização para fundar uma nova entidade, o que acabou por limitar a existência de sindicatos ao número de três para representar os interessados em um determinado local. Em relação aos empregadores, havia a necessidade da reunião de pelo menos cinco empresas em uma localidade para constituição de uma organização sindical. Ainda, havia previsão de intervenção do Ministério do Trabalho na análise do quorum de assembleias e das previsões estatutárias11.

A Constituição de 1934, promulgada 4 dias após o Decreto n. 24.694, ou seja, em 16 de julho de 1934, dispôs em seu art. 120 que “os sindicatos e as associações profissionais serão reconhecidos em conformidade com a lei”. Não obstante parte da doutrina tenha interpretado tal dispositivo como

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preceito da pluralidade sindical, adotou-se como regramento legal do art. 120 da Constituição o mencionado Decreto n. 24.694, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido nesse sentido12.

A Constituição de 1937, outorgada no contexto do autoritário Estado...

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