Perspectivas de letramento informacional no Brasil: práticas educativas de bibliotecários em escolas de ensino básico

AutorBernadete Santos Campello
CargoProfessor adjunto nivel quatro da Escola de Ciência da Informação da UFMG
Páginas184-208

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Bernadete Santos Campello

Professor adjunto nivel quatro da Escola de Ciência da Informação da UFMG

campello@eci.ufmg.br

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1 Introdução

Esta pesquisa trata de práticas educativas exercidas por bibliotecários que atuam em bibliotecas de ensino básico e de sua contribuição para a aprendizagem dos alunos, representando o que tem sido chamado de papel educativo do bibliotecário. Historicamente, o principal papel educativo do bibliotecário - em especial daqueles que atuam em instituições escolares – tem sido promover a leitura, isto é, desenvolver nos usuários o hábito e o prazer de ler (WOOLLS, 2006). Entretanto, com as mudanças ocorridas na sociedade em geral e na educação em particular, marcadamente a partir da década de 1990, destacase outra esfera de atuação do bibliotecário: educação de usuários/auxílio à pesquisa. As referidas mudanças requerem que as pessoas adquiram competências para localizar, avaliar e usar informações, o que implica, por parte dos bibliotecários, em ações mais complexas, pois as pessoas, além de tornaremse leitores, necessitam ser competentes para aprender por meio da informação, isto é, necessitam desenvolver habilidades informacionais. Assim, as práticas de educação de usuários nas bibliotecas integram hoje a noção de letramento informacional (ALA, 1989), partindose do pressuposto de que o bibliotecário detém conhecimentos que ajudarão os usuários no desenvolvimento dessas habilidades, ampliandose a função educativa desse profissional.

No Brasil, embora presente com bastante freqüência no discurso bibliotecário desde a década de 1960, a função educativa desse profissional não parece terse concretizado na prática (BARROS, 1987, p. 94; SALES, 2005, p. 54), havendo concordância de que o bibliotecário, mesmo reconhecendo a importância deste papel (AMBINDER et al, 2005, p. 2, MORIGI, VANZ; GALDINO, 2002, p. 141), ainda se limita a atuar na promoção da leitura e no desenvolvimento do gosto de ler (CAMPELLO, 2003). O foco da ação educativa da biblioteca escolar na leitura ficou confirmado por dois estudos de citação feitos com base em documentos da área (VIANNA; CALDEIRA, 2004; CAMPELLO et al., 2007). Em ambos, o autor mais citado foi Ezequiel Theodoro da Silva, conhecido pesquisador da área de leitura, e os rankings dos autores e textos mais citados incluíram Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Roger Chartier, Edmir Perrotti, Maria Helena Martins, Paulo Freire (A importância do ato de ler) e Roland Barthes (O prazer do texto). O outro espaço para a ação educativa do bibliotecário na escola – auxílio à pesquisa escolar – diz respeito a esse profissional, por constituir atividade em que o aluno se envolve, ou deveria

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envolverse efetivamente com a busca e o uso da informação, no ambiente da biblioteca. É, portanto, a oportunidade que se oferece ao bibliotecário para exercitar prática educativa mais ampla, contribuindo para desenvolver nos alunos habilidades informacionais. Entretanto, a escassa influência do bibliotecário na aprendizagem refletese perceptivelmente na forma como a pesquisa escolar acontece, conforme revelado por estudos, que observaram nítida disfunção no processo. (FIALHO; MOURA, 2005, p. 205; GASQUE; TESCAROLO, 2007; MAGALHÃES, 1992, p. 181-185; NEVES, 2000, p. 161; SILVA, S. A., 1997, p. 156).

Assim, a conjunção desses dois aspectos – a ênfase que o bibliotecário dá à promoção da leitura e sua dificuldade para contribuir com a pesquisa escolar – indica que esse profissional, embora tendo consciência de seu papel educativo, não deu ainda o salto para a ação pedagógica mais ampla, que possa contribuir para a formação de usuários competentes na busca e no uso de informação.

2 Objetivos

A presente pesquisa tem como objetivo compreender como se dá a prática educativa do bibliotecário brasileiro. Buscamos responder às seguintes questões: A ação pedagógica dos bibliotecários brasileiros está restrita à promoção da leitura? Bibliotecários que atuam em bibliotecas de escolas públicas e particulares já se envolvem no ensino de habilidades informacionais?

Em que medida eles estão contribuindo para o processo de letramento informacional dos alunos? Consideramos que a compreensão dessa prática pode levar ao delineamento mais preciso da função educativa do bibliotecário, já que permite a percepção de especificidades do contexto bibliotecário brasileiro, possibilitando lidarse com a questão de maneira condizente com a realidade do país.

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3 Revisão de literatura

Esta revisão compõese de dois tópicos (a leitura na escola e o papel educativo do bibliotecário) que serviram de base para as descrições e interpretações realizadas na análise dos dados.

3. 1 Leitura na escola

Falar de leitura no Brasil é quase sempre falar de problemas e dificuldades, situação que Silva, E. T. (1997, p. 47) caracterizou como “soma de carências”, que se relacionam inicialmente à apropriação do universo letrado por crianças e jovens em idade escolar. Segundo Edmir Perrotti (1990, p. 16), essas dificuldades estariam relacionadas à contradição entre a visão iluminista da cultura letrada e uma sociedade, como a brasileira, ligada fortemente à oralidade. O autor sugeriu “uma reflexão aprofundada sobre os componentes sócioculturais que estariam na raiz da falta de leitura de crianças e jovens” (PERROTTI, 1990, p. 17), posição que é também assumida por Ezequiel T. Silva (1997, p. 93), que tem ressaltado constantemente as questões estruturais que afetam a leitura e que se refletem na forma como ela é ensinada na escola.

Sabese que a escola tem contribuído para o afastamento do aluno da leitura. Segundo Silva, E. T. (1995, p. 104), as finalidades que a escola define para a leitura são “questionáveis”, com o que pareceu concordar Marisa Lajolo, quando afirmou que “[...] a leitura escolarizada tem servido a propósitos de memorização de normas gramaticais, reprodução de dogmatismos, celebrações cívicas, aumento de vocabulário, motivação para a produção escrita, etc [...]” (LAJOLO, 1982, citado por SILVA, E. T., 1995, p. 104). Outra prática questionável da escola com relação à leitura é a escolha dos textos. Pesquisas revelaram o comando absoluto das situações de leitura pelo professor, a começar pela seleção de livros didáticos e outros textos, que não levava em consideração a opinião dos alunos (MAGALHÃES, 1992, p. 179; PINHEIRO, 2004, p. 118-119). Estratégias didáticas pobres se somam aos problemas acima mencionados, para compor o quadro pouco estimulante da leitura na escola, contribuindo para o afastamento do leitor do texto. Estudos mostraram que leituras em sala de aula eram relacionadas à avaliação (MAGALHÃES, 1992, p. 175), que os professores usavam basicamente o livro didático (SILVA, S. A., 1997, p. 96), transformando a literatura em “instrumento enfadonho” de aprendizagem (PACHECO, 2004,

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p. 210-211). Apesar de todas as interferências e dificuldades que encontravam para ler, os alunos reagiam, utilizando estratégias para escolher o que queriam ler, para superar as dificuldades e até para ludibriar os professores nos momentos de leitura imposta (SILVA, S. A., 1997, p. 120; MAGALHÃES, 1992, p. 175).

Parece existir uma incompatibilidade entre a experiência de ler por imposição e a experiência prazerosa de leitura, que se instala a partir de práticas de leitura rígidas, pobres e burocratizadas desenvolvidas na escola, e de impedimentos que dificultam a freqüência dos estudantes à biblioteca, observados por Silva, S. A. (1997, p. 69): “dificuldade para ausentarse da sala de aula, falta de um horário disponível para ir à biblioteca”.

3.1. 1 Dinamização da leitura

Dinamização é palavra recorrente no discurso da leitura e da biblioteca escolar, como solução para o desinteresse dos estudantes pela leitura. Na verdade, segundo Magalhães (1980, p. 52-55), a leitura não é atividade preferida por crianças e jovens, competindo com outras práticas culturais contemporâneas vistas como muito mais dinâmicas e atraentes. “Não é raro escutar em reuniões escolares ou em conversas informais entre colegas docentes, a necessidade de tornar o livro mais atraente e mais dinâmico por meio de recursos como jogos, dramatizações, atividades plásticas [...]” (PACHECO, 2004, p. 210). Lajolo, (1997, p. 70, 71) criticou essa necessidade de inventar atividades de leitura lúdica e criativa, que, segundo ela, podem estar camuflando uma uniformização da leitura escolar e apenas simulando criação e fantasia. A preocupação do professor com a dinamização do livro foi criticada pela autora como atitude de “idealismo ingênuo” que se soma ao “imediatismo das soluções enlatadas”. Embora a considerando bem intencionada – pois busca “reduzir o atrito” e aumentar a “digestibilidade da aula” – a autora alertou para o fato de que “técnicas milagrosas de convívio harmonioso com o texto não existem” (p. 14). Segundo Lajolo (1997, p. 14), tais técnicas de dinamização podem levar o professor a lidar “superficialmente com a questão, resolvendo o problema pelo seu contorno, passando ao largo das zonas mais profundas de conflito”.

Na biblioteca, a dinamização envolve duas ações específicas: transformar a biblioteca em um espaço dinâmico por meio de atividades variadas e/ou num espaço atraente, por meio de uma organização física alegre e convidativa. Nóbrega (2002 p. 129-130) aglutina esses dois tipos de

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ações no que chama de dinamização do acervo: atividades variadas de leitura (variedade de textos e de manifestações artísticas) e espaço convidativo. Essa dinamização se concretizaria na criação de...

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