Perspectivas sobre o direito de produzir das camponesas/Perspectives on the right of peasant women to produce.

Autorde Oliveira, Larissa Carvalho

Introducao

As relacoes sociais no campo brasileiro sao influenciadas pelos modos de uso da terra e pelo direcionamento economico e ideologico seguido. Em contexto rural, grupos sociais com diferentes perspectivas relacionam-se com a natureza e desempenham atividades agrarias tambem distintas entre si. Entre estes grupos destacam-se as camponesas.

O grupo social formado pelas camponesas, predominantemente, produz para o autoconsumo familiar e para auferir renda (FAO; IFAD; ILO, 2010). O desempenho produtivo delas ocorre, muitas vezes, sob condicoes opressivas, principalmente devido a carencia de recursos financeiros para estruturar a producao, dificuldades de acesso a terra e permanencia nela.

Deste modo, o presente estudo desenvolve uma abordagem sobre camponesas e investiga em que medida suas atividades agrarias sao contempladas pela perspectiva adotada de direito agrario. Mulheres camponesas contribuem com a existencia do campesinato enquanto modelo de agricultura (ABRAMOVAY, 1998), que se pauta no trabalho familiar, na producao em pequena escala e no respeito a natureza.

Contudo, a precariedade tem sido constante na vida das camponesas, inclusive por integrarem a classe social baixa. A desvalorizacao social quanto ao trabalho agropecuario que desenvolvem fomenta a vulnerabilidade socioeconomica que e constante na realidade por elas enfrentada.

Mesmo quando exercem atividades agrarias, predomina socialmente a compreensao de que atuam de modo extensivo aos servicos domesticos, persistindo o nao reconhecimento destes trabalhos. Assim, o poder de atribuir sentidos (BOURDIEU, 2012) aos trabalhos na agricultura nao pertence as mulheres. Este poder espacializa a compreensao social sobre mulheres camponesas, limitando-as a casa.

A partir desse incomodo em relacao a subalternidade das camponesas, realizase uma investigacao interdisciplinar, com enfase na otica sociojuridica para se articular as fontes bibliograficas selecionadas. O levantamento realizado parte da disposicao pela critica aos aspectos da realidade camponesa destacados.

Os dados selecionados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), de relatorios de organizacoes internacionais governamentais, de revistas juridicas e de publicacoes de autores que discutem o tema contribuem para a descricao e a analise das dificuldades para a autonomia economica das camponesas, por meio do exercicio do direito de produzir.

Nesse sentido, objetiva-se caracterizar uma perspectiva de identidade camponesa, para discutir questoes agrarias mediante consideracoes sobre algumas de suas protagonistas. Visa-se tambem reconhecer determinados processos que determinam a invisibilizacao do trabalho das mulheres do campo.

A disposicao para se discutir uma compreensao possivel sobre direito agrario tambem motiva o desenvolvimento deste estudo, a partir de informacoes relativas as camponesas. A realidade de muitas delas demonstra que trabalhos realizados tendem a ser considerados ajuda aos homens, de modo a negar a identificacao de agricultoras as mulheres do campo.

Como hipotese de pesquisa, entende-se que as camponesas realizam muitos trabalhos produtivos, mas nao sao reconhecidos como trabalho para atender as exigencias do patriarcado capitalista (SHIVA; MIES, 1997).

A criacao de animais, o cultivo de hortas e outros trabalhos realizados por muitas camponesas quando sao remunerados nao o sao adequadamente, de acordo com Butto (2009). Tal fato enfraquece o direito de produzirem, impedindo que este seja estruturado e desmotivando as mulheres do campo.

Destaca-se que o presente estudo se justifica pela defesa de direitos agrarios para as camponesas, na medida em que resistem no campo e costumam realizar funcoes importantes para a qualidade de vida de comunidades rurais.

Esta analise se divide em duas partes. Na primeira, sao considerados certos elementos caracterizadores do campesinato e das mulheres que integram este modelo agricola. Os efeitos da divisao sexual do trabalho responsabilizam as camponesas pelos trabalhos reprodutivos. Porem, a separacao entre a esfera da producao e a da reproducao social parece ser tenue ou inexistente.

A complexidade do contexto que envolve as camponesas tem a ver com o direito agrario. Esta abordagem esta presente na segunda e ultima parte deste estudo, que ressalta a integralidade do direito de produzir das mulheres do campo. Portanto, conflitos territoriais e ideologicos intensificam a vulnerabilidade socioeconomica de camponesas e colocam o direito agrario estatal em questao.

Camponesas e desempenho produtivo

No contexto rural da atualidade, reconhecem-se grupos sociais diferenciados, cujas atividades produtivas e relacionamento com a natureza sao determinados por elementos ideologicos caracteristicos. Deste modo, as mulheres camponesas podem ser consideradas enquanto grupo que desempenha atividades socioeconomicas cuja analise se apresenta relevante.

Camponesas nao se afiguram como grupo social estatico e separado dos camponeses. Mas se destacam com determinadas caracteristicas e acoes que sao relevantes sob um olhar juridico, na medida em sao alvos do patriarcado capitalista (SHIVA; MIES, 1997) e enfrentam dificuldades impostas pelas situacoes desiguais vivenciadas em relacao aos homens.

A desigualdade de condicoes materiais das camponesas apresenta-se ao direito agrario como um desafio. Tal abordagem se justifica pela possibilidade de essa area juridica disponibilizar instrumentos para a eliminacao do patriarcado e para o enfraquecimento do agronegocio em contexto rural, especialmente a partir do incentivo as atividades agrarias das mulheres que praticam e vivenciam o campesinato.

Nesse sentido, contemporaneamente, entende-se que camponesas compoem um grupo vulneravel, conforme referido acima, que apresenta diversidade interna, em especial, por conta de fatores etarios, etnicos e religiosos.

A manutencao das camponesas em areas rurais brasileiras--apesar do avanco do agronegocio (1)--expressa parte da complexidade das relacoes territoriais que ainda persistem atualmente. Ate porque, o campesinato apresenta caracteristicas que o distinguem do agronegocio, mas nao e totalmente eliminado por este.

O campesinato e um sistema de agricultura e de vida que envolve as camponesas. Pauta-se na valorizacao dos trabalhos comunitarios, na relativa autonomia socioeconomica e demografica e nas tradicoes culturais persistentes e/ou adaptaveis (WANDERLEY, 1996).

A diversificacao produtiva e comum ao campesinato. Alem disso, as relacoes sociais solidarias marcam o cotidiano de camponesas e camponeses. A economia camponesa decorre da producao em pequena escala, em que predomina o trabalho dos membros da familia.

Ressalta-se que as camponesas reproduzem fatores tipicos do campesinato, apresentam relacao de cuidado com a natureza e realizam atividades agrarias, especialmente para a manutencao familiar e comunitaria.

Entre os aspectos que delineiam a questao da mulher camponesa, destaca-se o elemento espacial. O espaco agricola brasileiro, principalmente a partir da decada de 1960, tem sofrido processo de industrializacao e modernizacao, com o avanco do agronegocio. Ao mesmo tempo, a concentracao fundiaria (2) se intensificou no pais, assim como o exodo rural (BUTTO, 2009).

A partir de 1970, o exodo rural aumentou, no Brasil, com destaque para a saida de mulheres, mediante um processo de masculinizacao do campo (BRASIL, 2006). Esse fenomeno se vincula, entre outros motivos, a falta de vagas de trabalho e oportunidades de obtencao de renda para mulheres camponesas brasileiras e de outros paises emergentes.

No periodo historico que compreende a segunda metade do seculo XX, Brasil e paises do hemisferio Sul (SHIVA; MIES, 1997)--com niveis de desenvolvimento similares--identificavam-se como subdesenvolvidos. "Na decada de 1970, passaram a chamar-se paises em via de desenvolvimento e, a partir dos anos 1980, tornaram-se emergentes." (SAFFIOTI, 2015: 15).

Alem disso, o desenvolvimento de atividades agrarias por mulheres tem sido alvo de pesquisas nacionais e internacionais, devido a importancia socioeconomica--inclusive com repercussoes juridicas--que o tema apresenta.

No ano de 2006, a obra "Genero, agricultura familiar e reforma agraria no Mercosul" (BRASIL, 2006) apresentou reflexao sobre situacoes de desigualdade vivenciadas por agricultoras, especialmente na Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. O material foi desenvolvido a partir do estabelecimento da Reuniao Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF), no ambito do Mercado Comum do Sul (Mercosul (3)), composta--desde junho de 2004--por agricultoras, agricultores e governos voltados para o debate de politicas publicas para o campesinato e a agricultura familiar.

As informacoes obtidas pela REAF em relacao as agricultoras brasileiras se baseiam, predominantemente, em dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE). A partir destes, os professores Hildete Pereira de Melo e Alberto Di Sabbato realizaram analises sobre as condicoes das mulheres do campo, considerando inclusive a amostra por domicilio de 2004--Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (PNAD)--do IBGE (BRASIL, 2006). Alguns dos resultados foram apresentados no Uruguai em 2005, no I Seminario de Politicas de Genero no Mercosul, na REAF.

Os dados mais recentes da PNAD datam de 2014 (IBGE, 2015) e servem como...

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