Perspectivas da integração regional laboral no Mercosul ante os reveses na proteção ao trabalho digno

AutorJuliane Caravieri Martins
CargoProfessora Adjunta na Universidade Federal de Uberlândia
Páginas127-147
Juliane Caravieri Martins Cadernos Prolam/USP, v. 17, n. 33, p. 127-147, jul./dez. 2018
DOI: 10.11606/issn.1676-6288.prolam.2018.133698
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PERSPECTIVAS DA INTEGRAÇÃO REGIONAL LABORAL NO MERCOSUL
ANTE OS REVESES NA PROTEÇÃO AO TRABALHO DIGNO
PERSPECTIVES OF REGIONAL LABOR INTEGRATION IN MERCOSUR TOWARDS
REVISIONS IN PROTECTING DECENT LABOR
Juliane Caravieri Martins1
Universidade Federal de Uberlândia
Resumo: a integração regional no MERCOSUL não pode mais se limitar a questões comerciais,
devendo incluir temas laborais no intuito de reduzir as assimetrias do desenvolvimento
econômico. O objetivo desta pesquisa é demonstrar que o retorno da direita conservadora em
países mercosulistas está impulsionando o desmonte dos direitos laborais, impossibilitando a
continuidade da agenda social no bloco que foi impulsionada pelo regionalismo pós-liberal. São
complexos os fatores que envolvem a questão do trabalho assalariado na América Latina, sendo
necessário o “transbordamento” do desenvolvimento econômico para as áreas sociais,
principalmente envolvendo o labor humano e a migração de trabalhadores. Se o MERCOSUL
não priorizar as relações de trabalho, o projeto integracionista não se efetivará em sua plenitude,
podendo esvanecer nas próximas décadas.
Palavras-chave: América Latina; integração regional; trabalho digno; MERCOSUL.
Abstract: Regional integration in MERCOSUR can no longer be limited to trade issues, but
must include labor issues in order to reduce the asymmetries of economic development. The
aim of this research is to demonstrate that the return of the conservative right in mercosurist
countries is driving the dismantling of labor rights, making it impossible to continue the social
agenda in the bloc that was driven by postliberal regionalism. The factors that involve the issue
of wage labor in Latin America are complex, requiring the “spillover” of economic
development to social areas, especially involving human labor and worker migration. If
MERCOSUR does not prioritize labor relations, the integrationist project will not be fully
implemented and may fade in the coming decades.
Keywords: Latin America; regional integration; decent labor; MERCOSUR.
1 Professora Adjunta na Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em Direito P olítico e Econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutora em Ciência s da Integração da América Latina pela Universidade
de São Paulo e Mestra em Direito Constitucio nal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ORCID:
http://orcid.org/0000-0001-8784-7914. E-mail: jcaravieri@ufu.br.
Juliane Caravieri Martins Cadernos Prolam/USP, v. 17, n. 33, p. 127-147, jul./dez. 2018
DOI: 10.11606/issn.1676-6288.prolam.2018.133698
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1 INTRODUÇÃO
Na América Latina, grande parte dos trabalhadores está submetida a intenso processo
de exploração de sua mão de obra, usufruindo de péssimas condições de trabalho. Todavia, esta
situação não é nova, pois a condição atual do trabalho assalariado na América Latina também
é reflexo de seu passado de colônias de exploração econômica quando, a partir do século XV,
Espanha e Portugal ocuparam as terras americanas. Fixados a oeste do marco imaginário do
Tratado de Tordesilhas, os espanhóis se dedicarem à extração de metais preciosos. Já os
portugueses implantaram nas terras a leste a produção açucareira em latifúndios financiados
pelos capitais holandeses e com o uso de mão de obra escrava africana.
Em fins do século XIX, o trabalho escravo na Europa já não era mais utilizado em razão
do liberalismo econômico e do capitalismo industrial que passaram a fazer uso do trabalho
“livre” assalariado e necessitavam da ampliação de mercados consumidores para os produtos
manufaturados. Logo, o assalariamento do trabalho “livre” nos países latino-americanos ganhou
preponderância com a transição do capitalismo escravista-mercantil e agrário-exportador
diretamente para o capitalismo urbano-industrial periférico em fins do século XIX e início do
século XX (PIRES; COSTA, 2010).
Sobretudo a partir da eclosão da Segunda Guerra Mundial, a América Latina passou a
abastecer o comércio internacional com suas matérias-primas e mão de obra baratas, inserindo-
se na “nova” divisão internacional do trabalho2 que lhe era prejudicial e favorável apenas às
economias dos países industrializados, sendo denunciada em estudos da Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (CEPAL)3.
No pensamento cepalino da década de 1950, destacou-se o estudo “O Mercado Comum
Latino-Americano” (1959) de Raúl Prebisch que, ciente das limitações da industrialização
substitutiva de importações (ISI), apontou a necessidade de se desenvolver um mercado comum
2 A divisão internacional do trabalho passou por diferentes etapas acompanhando o desenvolvimento histórico do
capitalismo, iniciando com relações mercantilistas que marcaram o co mércio entre metrópoles europeias e colônias
de explor ação, latino-americanas principalmente, até a configuração de relações entre países, chamados
desenvolvidos, e outros considerados subdesenvolvidos ou periféricos no âmbito do capitalismo global.
3 Tendo como expoentes Raúl Prebisch e Celso Furtado em seus primeiros tempos, o pensamento cepalino
fundamentou-se numa teoria histórico-estruturalista que analisou o subdesenvolvimento dos países latino -
americanos a partir da ideia do estabelecimento de relações entre países centrais e periféricos no comércio mundial.
Tal pensamento se alicerçou, basicamente, nas seguintes diretrizes analíticas: enfoque histórico-estruturalista
baseado na ideia de relação centro-periferia; análise da inserção internacional, principalmente no comércio, da
América Latina; análise das condiciona ntes estruturais internas de cada país e estudo das necessidad es e
possibilidades de ação estatal em cada país para superar o su bdesenvolvimento (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 18-
19).

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