Perspectiva história do direito natural

AutorMarcos Oliveira de Melo
Páginas9-72
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cAPÍTULO 1
PERSPEcTIVA HISTÓRIcA DO DIREITO NATURAL
1.1 Direito Natural na losoa clássica
O Direito Natural cosmológico tem origem na Grécia por
volta do século VI a.C, no período chamado de “cosmológico,
surgindo como a parte da losoa que estuda a estrutura, a evolu-
ção e composição do universo. Desenvolveu-se no período pré-so-
crático4, tendo como principais características a substituição de
mitos5 e divindades pela racionalidade na explicação das origens.
4 “Os pré-socráticos estão entre aqueles que primeiro pensaram. Se Aristóteles,
Platão e Sócrates se notabilizaram na história da losoa ocidental não foi sem
consideração direta ou indireta ao trabalho de reexão a que se entregaram estes
primeiros vultos que se dedicaram a conhecer a causa de todas as coisas (pánta)”
(BITTAR; ALMEIDA, 2011, p. 61).
5 O mito, então, narrava, de forma irrefutável e inquestionável, a origem de al-
guma coisa, da terra, dos homens, das doenças, dos astros celestes, do fogo, da
água, da morte, do bem e do mal, das guerras, dos animais, assim por diante.
Ou seja, os mitos explicavam, a seu modo, a origem daquilo que gerava dúvida
e curiosidade nos homens. No nal do século V a.C., os estudiosos passaram a
buscar nos mitos um sentido profundo. Dentro dessa tendência, alguns estudio-
sos dos mitos concluíram que os deuses eram considerados como homens que,
por seus méritos, receberam honras divinas. Procuravam nos relatos mitológi-
cos uma signicação racional, embora muitas vezes trabalhassem com elemen-
tos puramente subjetivos (VERDI, 2005).
10 Marcos oliveira de Melo
Abandonar um mundo mítico e encontrar uma nova
ideia de natureza fez com que os gregos arcaicos travassem uma
verdadeira guerra interior. Posteriormente, a crença foi direcio-
nada na vontade de deuses e semideuses, portanto assumindo
um caráter religioso.
Assim, acreditavam os gregos antigos que o direito era do-
minado pela vontade legislativa dos deuses, passando a ser visto
como um conjunto de leis sagradas. Se não fosse usada a fórmula
sagrada e consagrada, o ato não seria válido. Chama-se a isso de
“Reino da Magia”, no qual quem conhecia o direito (as fórmulas
sagradas) eram os sacerdotes, os Pontíces, que tinham a incum-
bência de ligar o mundo dos deuses com o mundo terreno.
Nesse período, passou-se a defender a criação do mundo a
partir de um princípio natural, das coisas em sua essência e origem.
Nessa época, não havia espaço para os problemas éticos ou jurídicos.
Pitágoras (na segunda metade do século VII a.C.) fundou
uma associação político-religiosa centrada em valores e ideias
éticas que precederam Platão e inuenciaram Aristóteles. Foi o
primeiro a estabelecer a relação entre a Matemática, a música e a
harmonia do cosmos, partindo do princípio de que o número era
a essência das coisas. Assim elaborou a primeira teoria helênica
solene e justa.
Para Pitágoras, a igualdade aparece como elemento essen-
cial da justiça, e a justiça se funda na ordem natural, simbólica,
abstrata e ideal dos números, e não na vontade humana.
Todos os estudos losócos dessa época giravam em torno
da cosmologia, buscando a origem do universo e as causas das
transformações da natureza. Extrai-se desses estudos uma celeu-
ma mais complexa, vale dizer, o conceito da própria verdade.
Desenvolveu-se o estudo sistemático sobre a origem
da verdade, seu conceito e conteúdo. Nesse passo, inúmeros
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DIREITO NATURAL, DIREITO POSITIVO E HUMANISMO FRATERNAL
pensadores6 se debruçaram em armar e justicar as diversidades
humanas fundamentadas na razão.
Os sostas estão entre os maiores pensadores dessa época.
De qualquer forma, “é possível armar que a transição do pensa-
mento mítico ou pensamento losóco operou-se por meio dos
pré-socráticos” (BITTAR; ALMEIDA, 2011, p. 61), assim como
imperava a preocupação mística, cosmológica, religiosa e pela
natureza, cuja ruptura somente se deu com os sostas7.
1.1.1 Sostas
Com os sostas, rompeu-se a tradição pré-socrática e, com
ela, a crença em que os mitos, as lendas ou os deuses deniriam
o justo e o injusto. Abandona-se a noção de que o cosmos, a na-
tureza e os deuses eram guias absolutos, passando o homem a
ocupar o centro de suas preocupações. Esse movimento iniciou
na Grécia no século V, tendo como característica principal o dis-
curso público retórico e pedagógico em auditórios, normalmente
remunerado para suas conferências e exibições.
6 Cita-se Homero, como expoente da necessidade humana; Hesíodo, como
pensador do valor supremo, da comunidade e do trabalho humano; Sólon e sua
igualdade; Eurípides e a identicação com a legalidade.
7 A democracia em Atenas fez com que os cidadãos desenvolvessem a arte do
falar bem e convencer, a m de verem aprovadas suas ideias nos plebiscitos.
Isso é o que se chamou retórica. As obras dos sostas não chegaram de forma
contínua até a atualidade. Somente fragmentos de seus pensamentos persisti-
ram nas citações feitas pelos pensadores clássicos, principalmente em Platão
e Aristóteles que, por considerarem importantes os pensamentos dos sostas,
citavam-nos antes de contestá-los. O termo sosta, entretanto, com o passar dos
tempos, começou a ser utilizado no sentido pejorativo, designando aqueles que
empregavam um raciocínio para o qual já se tinha uma resposta. E é em virtude
disso que alguns consideram o pensamento sosta de maneira negativa. Foram
os sostas que iniciaram a socialização dos debates losócos que se seguiram
durante séculos. Com eles, muitas das tradições começaram a ser questionadas
e o pensamento grego, a partir de então, mudou radicalmente (VERDI, 2005).

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