Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do Processo Civil contemporâneo - sua evolução ao lado da do direito material

AutorArruda Alvim
CargoAdvogado em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre- Professor do Mestrado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo ('FADISP') e do Mestrado e do Doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas521-543
ALVIM, A. 521
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 11, n. 2, p. 521-543, jul./dez. 2008
ANOTAÇÕES SOBRE AS PERPLEXIDADES E OS CAMINHOS DO
PROCESSO CIVIL CONTEMPORÂNEO — SUA EVOLUÇÃO AO
LADO DA DO DIREITO MATERIAL
Arruda Alvim*
ALVIM, A. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil
contemporâneo - sua evolução ao lado da do direito material. Rev. Ciên. Jur. e
Soc. da UNIPAR. Umuarama. v. 11, n. 2, p. 521-543, jul./dez. 2008.
RESUMO: A evolução do processo civil das últimas décadas, quando deixou
de apresentar o perl liberal-individualista, foi diretamente acompanhada com
a evolução do direito material não só no Brasil como na América Latina. Com a
inuência constitucionalista, tal evolução impôs também transformações na ati-
vidade jurisdicional e na relação processual, para concluir pela vocação coletiva
do processo civil contemporâneo.
PALAVRAS-CHAVE: Processo civil. Direito material. Evolução. Constitucio-
nalismo. Coletivismo.
* Advogado em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre— Professor do Mestrado da Fa-
culdade Autônoma de Direito de São Paulo (“FADISP”) e do Mestrado e do Doutorado na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
1 Na verdade, a problemática contemporânea, consiste em tentar equacionar os grandes aspectos refe-
rentes, principalmente, àquilo que, há menos de um século, em obra célebre se designou como sendo
a ascensão (rebelião) das massas - v. Ortega y Gasset, La Rebelión de las Massas, 30ª ed., capítulo
I, p. 49 e em diversas outras obras, deste mesmo autor, dado que essa obra e outras, compõem uma
parte central do pensamento do autor espanhol.
1- Os principais problemas do direito processual civil de nossos dias - A evo-
lução do processo não ocorreu descompassadamente da do direito material.
O processo civil de nossos dias encontra-se num estágio de modica-
ção profunda, na mesma esteira do que precedentemente se tem vericado no
mundo ocidental, consistente em colocar ao lado do que se pode designar como
processo civil clássico (em sua estrutura) outros instrumentos, destinados a fa-
zer frente às necessidades, que não datam de hoje, mas que são, cada vez mais
agudas, nestes dias contemporâneos1, conduzindo a uma espécie de convivência
entre o processo civil clássico (já, em si mesmo, intrinsecamente alterado, em
decorrência do descarte da inspiração individualista radical, assumindo uma ab-
sorção de valores sociais, que se impõem na sociedade contemporânea) e esse
novo aparato hodierno resulta vitalmente dinamizada pela tutela de urgência.2 Os
Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo
522
Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 11, n. 2, p. 521-543, jul./dez. 2008
pontos nodais, porque constitutivos de setores de estrangulamento do processo
civil, que merecem destaque, são os seguintes: 1) as custas judiciais, enquanto
podem signicar óbice de Acesso à Justiça3; 2) as Cortes menores, ou, mais es-
pecicamente, entre nós, os Juizados de Pequenas Causas e os Especiais 4-5-6, des-
tinadas à ‘absorção’ de contingentes imensos, que demandam Acesso à Justiça,
segmentos sociais que estão se instalando dentro dos quadros de uma sociedade
institucionalizada; 3) a ‘incapacidade’ ou a ‘inabilitação’ da parte, do ponto de
2 Já se disse, com razão, que nenhum aspecto ou ponto do direito contemporâneo encontra-se imune
a críticas - v. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Acess to Justice: The Newest Wave in the Worldwide
Movement to Make Rights Effective, Buffalo Law Review, vol. 27, número 2 e 'separata', p. 181; este
mesmo relatório antecede a obra coordenada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a c e s s to j u s t i c e
- a w o r l d s u r v e y , vol. I, p. 1 e separata, Milão, Giuffrè, 1978. Estes temas são retomados na obra de
Mauro Cappelletti, The Judicial Process in Comparative Perspective, Oxford, Parte III, II, letra "B",
sob nºs 1/5, pp. 239 e ss., 1989.
3 A lei alemã, precedente à vigente (a lei atual é de 01/01/81), aludia, em, relação ao auxílio nas
custas, como se constituindo num direito dos pobres. A vigente lei, todavia, alude a uma ajuda para
as custas do processo ('Prozeßkostenhilfe'), com o que se verica ter banido referência a pobres, e
tendo-se de utilizado de uma expressão compatível com o Estado social de Direito. Isto constou,
expressamente, do Anteprojeto antecedente a esta lei de 01/01/81 (cf. Birkl, Prozeßkostenhilfe und
Beratungshilfe - Kommentar mit Einführung und Gesetzestexten, Munique, 2ª ed., A, 1, b, p. 14; para
o direito precedente, v. Bruno Bergfurth, Das Armenrecht, pp. 11, 15 e 17 ss., Munique, 1971. Para
uma análise mais ampla e compreensiva deste assunto, v. Mauro Cappelletti, Proceso, Ideologias,
Sociedad, Buenos Aires, 1974 (trad. arg. de S. Sentís Melendo e Tomás A. Banzaf), seção 2ª, pp.
131/215 [publicação conjunta das obras Processo e ideologie e Giustizia e società, editadas, respec-
tivamente, em 1969 e 1972].
4 As chamadas Cortes Menores, se não podem ser consideradas, inteira e propriamente, como ‘for-
mas alternativas plenas de realização da justiça, entre nós, tem inseridos elementos caracterizadores
de modalidades ou formas alternativas de realização da Justiça. Assim é que os Juizados de Pequenas
Causas, regulados pela Lei Federal nº 7.244, de 07/11/84, ao lado da sumariedade, do informalismo
e da oralidade, assentam-se na conciliação e, se frustrada, no juízo arbitral; se, somente inócuos
se evidenciarem estes meios, e, assim superados, ‘estes dois estágios sucessivos é que se deverá
passar à atividade jurisdicional, intrinsecamente estatal (cf. Lei nº 7.244, cit., arts. 6º e 7º). Diga-se
mais que, no âmbito do possível juízo arbitral, há autorização da lei (art. 26) para inobservância da
legalidade estrita, pois que se admite a decisão com lastro na eqüidade. Acrescente-se, ainda, a pre-
visão da Constituição Federal de 1988, no seu art. 24, inciso X, em que a competência concorrente,
da União e dos Estados, está estabelecida para a “criação, funcionamento e processo do juizado de
pequenas causas”. Isto signica que, em função dessa previsão, e submissão da distribuição dessa
competência, às regras dos §§ 1º a 4º, do mesmo art. 24, é possível que os Estados- federados (e, o
Distrito Federal) exibilizem as suas justiças, adaptando-as às suas peculiaridades locais; ou seja,
isto viabiliza que venham a ter maior rendimento. Em obra nossa (cf. Tratado de Direito Processual
Civil, vol. I, pp. 257/260/265, São Paulo, 1990, procuramos distinguir o que são processo, normas
procedimentais gerais e normas procedimentais particulares ou não gerais, e, em princípio, o que
estiver intimamente relacionado com o direito material é processo (v. g., o direito de ação, capacidade
e legitimidade das partes, as provas [retrato do pretendido direito material], a sentença). Por ângulo
inverso de abordagem, o que diz respeito ao local, tempo e forma dos atos do processo, pode ser
objeto de legislação não federal.
5 Ademais, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 98, inciso I, estabelece ‘obrigatoriamente’

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT