Distorções perpetradas pelos conselhos profissionais na cobrança da contribuição parafiscal de classe

AutorRafaela Lora Franceschetto
CargoEspecialista em Direito Tributário pelo IBET/SP. Mestranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogada
Páginas207-219

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I - Introdução

Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi conferida à União Federal a competência exclusiva, nos termos do art. 149,1para instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, com o objetivo de instrumentalizar a promoção de finalidades específicas nas respectivas áreas para as quais foram previstas. Sujeitas aos princípios da legalidade e da anterioridade em vista da natureza tributária que ostentam, as referidas contribuições especiais, como também denominadas pela dogmática nacional, têm como fato gerador

o condicionamento à função finalística do tributo, evidenciando o seu caráter parafiscal.2Zelmo Denari3leciona sobre a função finalística inerente às contribuições especiais: "as contribuições paraestatais vinculam o ente público a atuar de uma forma interventiva, no domínio econômico, ou a prestar serviços de seguridade ou assistência social aos trabalhadores e demais assegurados, atendendo, neste particular, aos fins sociais da tributação" (grifamos).

Com efeito, a contribuição que provoca nosso estudo nesse trabalho é a denominada contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas, destinada a gerar recursos necessários ao custeio das entidades representativas das diferentes categorias

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profissionais ou econômicas criadas no País, em contrapartida, como leciona Ricardo Lobo Torres,4à assistência prestada pelo Estado5a determinado grupo da sociedade, da qual decorre benefício especial para o cidadão que dele participe. O vínculo entre os profissionais e os seus respectivos Conselhos acarreta a estes a função reguladora e fiscalizadora do exercício profissional da categoria, que, como adverte Zelmo Denari,6nem sempre está aparente, mas latente, aguardando a provocação para cumprir com seu objetivo de criação.

Nesse passo, são as anuidades cobradas pelos Conselhos de Classes que constituem a contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica; devidas, como já asseverado, em contrapartida à função reguladora e fiscalizadora do exercício profissional da categoria representada pelos ditos Conselhos Profissionais.

E é justamente neste aspecto - na contrapartida da exação - que observamos as chamadas distorções anunciadas no título desse trabalho. A jurisprudência colhida nos cinco Tribunais Regionais do País, assim como a pesquisada no repertório de julgados do Superior Tribunal de Justiça, confirma em número expressivo a distorção do exercício da função finalística conferida aos Conselhos de Classe, reveladora da violação do princípio da legalidade, que se consubstancia na exigência da contribuição-anuidade de empresas que não estão sujeitas à sua fiscalização por não prestarem serviços que se subsumem às atividades privativas de determinada categoria; mas que, nada obstante, são alvo rotineiro de autuações e cobranças promovidas pelos Conselhos Profissionais.

Todas as categorias consideradas profissionais receberam disciplina do Legislativo Federal por meio de leis específicas, que em sua maioria, além de regulamentar as atividades consideradas privativas de determinada profissão, também criaram o Conselho da respectiva classe. A título de exemplo citamos a Lei n. 5.517/1968, que dispõe sobre o exercício da profissão de médico-veterinário; a Lei n. 5.276/1967 que define os parâmetros caracterizadores da profissão de nutricionista; a Lei n. 1.411/1951 que regulamenta a profissão de economista; a Lei n. 4.769/1965 que instituiu a categoria profissional de administrador e etc. Nada obstante a disciplina específica de cada categoria nas legislações próprias, em 1980, por meio da Lei 6.839,7 restou determinado que tanto as empresas quanto os profissionais delas encarregados estão obrigados a inscrever-se nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões em razão da atividade básica exercida ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.

Com efeito, o fato gerador da contribuição-anuidade aos Conselhos de Classe, determinante do registro de uma empresa em determinado Conselho Profissional, assim como dos profissionais técnicos que integrarem o seu quadro de colaboradores, será a atividade principal exercida pelo estabelecimento. No entanto, como já observado, a pragmática revela o reiterado descumprimento deste princípio (da legalidade) pelos Conselhos Profissionais.

Ao final deste trabalho colacionamos diversos julgados que retratam as distorções pré-faladas, assim como as particularidades destacadas na apreciação da imposição da distorcida obrigação tributária. Dentre todas nos deteremos às circunstâncias verificadas na conduta de apenas um Conselho Profissional com vistas à melhor demonstração da temática, evitando com isso uma abordagem

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superficial de aspectos que demandam uma análise casuística que aqui não há lugar para fazê-lo. De toda sorte, o ponto nodal que exploraremos é comum na exigência distorcida verificada nas diversas categorias pesquisadas.

II - A hipótese de incidência da contribuição-anuidade devida aos Conselhos Regionais de Administração (CRAs)

A contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica que selecionamos é a exigida pelos Conselhos Regionais de Administração - CRAs, instituída por meio da Lei n. 4.769/1965, que definiu a categoria profissional de Administrador, seus respectivos órgãos de classe, a obrigação de registro de profissionais e sociedades junto aos referidos órgãos e, principalmente, definiu a lista de atividades que se caracterizam como privativas do "administrador". Confira-se um breve histórico.

Nos termos do art. 2º da Lei n. 4.769/ 1965, o legislador federal definiu a lista de atividades que se caracterizam como atividades sendo privativas de exercício pelo "administrador". São elas:

"Art. 2º. A atividade profissional de Administrador será exercida, profissão liberal ou não, mediante:

"a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;

"b) pesquisas, estudos, análise, inter-pretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da Administração, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos."

Quanto ao sujeito passivo da contribuição, a Lei n. 4.769/1965 prevê que estão sujeitos ao pagamento da anuidade: (i) o "administrador", pessoa física habilitada (art. 3º); e (ii) as "empresas, entidades e escritório técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades de Administrador, enunciadas nos termos da Lei" (art. 15). Isto é, somente poderão ser sujeitos passivos da obrigação de recolher contribuição ao referido órgão de classe (CRA), o profissional ou a empresa constituída para o fim de explorar economicamente (ou seja, através da prestação de serviços) a atividade de administração.

A assertiva encontra respaldo no Decreto n. 61.934/1967, editado para regulamentar a Lei n. 4.769/1965, que ao disciplinar o exercício da atividade de administração por pessoa jurídica em seu Capítulo IV, o denominou de "Da Sociedade entre Profissionais", referindo-se especificamente àquelas sociedades constituídas por profissionais de administração ou funcionando sob a responsabilidade de um, mas em ambos os casos, tendo por objetivo a prestação efetiva de serviços de administração de empresas, tão somente. Confira-se:

"Capítulo IV - Da Sociedade entre Profissionais

"Art. 12. As sociedades de prestação de serviços profissionais mencionadas neste Regulamento só poderão se constituir ou funcionar sob a responsabilidade de Administrador, devidamente registrado e no pleno gozo de seus direitos sociais.

"§ 1º. O Administrador ou os Administradores, que fizerem parte das sociedades mencionadas neste artigo, responderão, individualmente, perante os Conselhos, pelos atos praticados pelas Sociedades em desacordo com o Código de Deontologia Administrativa.

"§ 2º. As Sociedades a que alude este artigo são obrigadas a promover o seu registro prévio no Conselho Regional da área de sua atuação, e nos de tantas em quantas atuarem, ficando obrigadas a comunicar-lhes quaisquer

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alterações ou concorrências posteriores nos seus atos constitutivos" (grifamos).

O cenário legislativo não permitia maiores controvérsias quanto aos sujeitos passivos da contribuição dos Conselhos Regionais de Administração. Contudo, com a edição da já citada Lei n. 6.839/1980, que dispôs sobre a obrigatoriedade de registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões, a novel legislação passou a ser interpretada pelo CRA como autorização para que fossem incluídas outras empresas no rol das pessoas jurídicas fiscalizadas, independentemente de estas terem como atividade preponderante e/ou atividade-fim a prestação de serviços de administração.

Nesse passo, o Conselho Federal de Administração e os Conselhos Regionais estruturaram campos de atuação8que consideraram sujeitos à sua fiscalização, elegendo naqueles (campos de atuação) empresas como sujeito passivo da contribuição a arrecadar, cujas atividades a olho nu, ou, como destacado nos julgados que colacionamos, que somente pela análise do contrato social se verificam dissonantes das consideradas privativas do administrador. Vejam-se algumas das áreas incluídas no distorcido rol de cobrança da contribuição de classe pelos CRAs:

  1. profissional de Instituição Financeira;

  2. atividade de fomento mercantil - Factoring;

  3. participação em outras sociedades como quotista ou acionista;

  4. mediação na compra, venda, hipoteca, permuta, locação e...

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