O perfil do advogado empresarial contemporâneo: entre o arquiteto institucional e o empreendedor jurídico

AutorCarlos Portugal Gouvêa/Caio Henrique Yoshikawa
Páginas93-113
O PERFIl DO ADVOGADO EMPRESARIAl CONTEMPORÂNEO:
ENTRE O ARquITETO INSTITuCIONAl E O EMPREENDEDOR
JuRíDICO1
carloS PortuGal Gouvêa2
caio henrique yoShikawa3
1. Introdução
O presente artigo pretende traçar as principais características do advogado
empresarial contemporâneo. Tem como ponto de partida os modelos de or-
ganização empresarial da advocacia e suas transformações em decorrência da
crise nanceira de 2008. Ao nal da análise será apresentado um esboço do
perl do advogado empresarial com base na realidade econômica contempo-
rânea e na organização prossional da advocacia frente às demandas por mu-
dança. Para tanto, o texto está dividido nas seguintes partes: (i) introdução,
com a contextualização econômica da advocacia; (ii) modelos de organização
da advocacia empresarial; (iii) formação jurídica do advogado contemporâneo;
(iv) discussão sobre o papel desempenhado pela reputação individual e empre-
sarial na advocacia contemporânea; e, por m, (v) conclusão com esboço dos
1 Os autores são gratos aos comentários de Mariana Pargendler, Raquel de Mattos Pimenta e
Luis Eduardo Al-Contar.
2 Professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP) e Doutor em Direito
pela Universidade de Harvard (S.J.D., 2008). Foi bolsista da Comissão Fulbright para os
programas de Mestrado e Doutorado na Faculdade de Direito de Harvard e foi assistente de
ensino na Faculdade de Direito de Harvard e no Departamento de Ciência Política da Uni-
versidade de Harvard. É pesquisador visitante da Faculdade de Direito da Universidade de
Stanford. É presidente da Associação de Bolsistas da Comissão Fulbright no Brasil, diretor
acadêmico da Associação de Antigos Alunos da Faculdade de Direito de Harvard. É sócio
fundador de Portugal Gouvêa Advogados — PGLaw, escritório especializado em governan-
ça corporativa, e admitido como advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção
São Paulo e pela Corte Suprema do Estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos da Amé-
rica. Membro da Comissão de Mercado de Capitais e Governança Corporativa da OAB-SP
e da Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. É Conselheiro
Titular do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Atualmente, co-
ordena o Grupo Direito e Pobreza, o Centro de Estudos Legais Asiáticos e o Grupo de Es-
tudos de Governança Tributária da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É
membro fundador da Conectas Direitos Humanos e do Instituto Sou da Paz. E-mail: carlos.
gouvea@pglaw.com.br.
3 Advogado de Levy & Salomão Advogados em São Paulo, nas áreas de Direito Bancário,
Societário e Mercado de Capitais. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo (2012) e Mestrando em Direito Comercial pela Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo. Coordenador do Centro de Estudos Legais Asiáticos da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. E-mail: caio.yoshikawa@usp.br.
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diversos pers do advogado contemporâneo, variando entre dois arquétipos: o
do arquiteto de instituições e o do empreendedor jurídico.
O contexto no qual o presente artigo se situa é bastante especíco: a crise
nanceira, iniciada em 2008 no mercado norte-americano, que gerou conse-
quências imediatas em todo o mundo e que estão sendo sentidas em outras
partes do globo somente agora, quase cinco anos depois.
Muitas analogias foram feitas para tentar explicar os efeitos da crise den-
tro de um espectro que variou da comparação com os tsunamis, ondas gigan-
tes geradas por variações sismológicas no fundo do oceano, a suaves marolas,
típicas dos mares em dias calmos. Determinadas características da crise de
2008 dicultavam sua apreciação no momento em que ela estava ocorrendo.
Esta foi a primeira crise econômica que teve origem nos países centrais da eco-
nomia capitalista desde a Grande Depressão, crise iniciada nos Estados Unidos
em 1929 e encerrada apenas no m da Segunda Guerra Mundial, em 1945.4 As
consequências daquela crise também foram de dimensões muito maiores do
que se poderia acreditar em seu início. Por exemplo, na capa do The New York
Times da quarta-feira, 20 de outubro de 1929, logo após os dias terríveis que -
caram conhecidos como a segunda e a terça-feira negras, gurava a manchete:
Corrida no nal do dia anima os corretores, banqueiros otimistas continuarão
a ajudar”.
Os efeitos da crise de 2008 perdurarão por décadas. Mas, diferentemente
da Grande Depressão, sua origem não foi a organização do sistema produtivo
e de consumo, o equilíbrio entre oferta e demanda. Foi, acima de tudo, uma cri-
se jurídica, causada por determinados arranjos contratuais que se mantiveram
como protagonistas do mercado nanceiro até o estouro da crise, no momento
da quebra do banco Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. Estes ins-
trumentos são denominados “derivativos”, por serem derivados de outros bens
ou direitos. Os derivativos que tiveram papel central na crise, os “credit default
swaps” e os “collateralized debt obligations”, também reconhecidos pelas siglas
“CDSs” e “CDOs”, não eram conhecidos senão por alguns poucos escritórios de
advocacia, bancos e fundos de investimento. Mesmo em tais instituições, estes
instrumentos somente eram conhecidos em seus escritórios de Nova Iorque. A
maior parte deles era proibida no mercado norte-americano até a reforma legal
trazida pelo “Commodities Futures Modernization Act of 2000”, que desregula-
mentou em grande parte o uso dos derivativos nos Estados Unidos.
Assim, junto com os bancos e os fundos de investimento, os grandes es-
critórios internacionais de advocacia estavam no olho do furacão da crise de
4 As sucessivas crises do petróleo, de 1973 e 1979, apesar de terem afetado de forma mais
grave em um primeiro momento as economias centrais, tiveram sua origem em conitos no
Oriente Médio, respectivamente a Guerra do Yom Kippur e a Revolução Islâmica do Irã.

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