Perfil cronológico e material do trabalho subordinado

AutorMaria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro
Ocupação do AutorProfessora
Páginas25-40

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1.1. O trabalho em suas vicissitudes

A análise da terceirização, dentro do processo de produção atual e do capita-lismo contemporâneo, demanda uma visão, ainda que restrita, sobre o trabalho, na estrutura das relações produtivas, e suas vicissitudes decorrentes da introdução de novos métodos que são adotados na busca pelo aumento de competitividade, de mercados e de lucros, em detrimento do trabalho realizado pelo ser humano, que se precariza ou extingue.

Inicialmente, o trabalho se realizava para o atendimento das próprias necessidades do ser humano, situação que se alterou quando, com as guerras entre clãs e tribos, foi introduzido o trabalho para outrem, na forma do trabalho escravo.1 Em um longo caminho, a partir da escravidão patrimonial, definitiva ou temporária, surgiu o trabalho para outrem. Nesse curso, o trabalho passou a ser prestado sob as mais diversas formas e se desdobrou em servil e livre, ou autônomo.

Ao longo da Idade Média e na Idade Moderna, o trabalho servil tinha a marca da falta de liberdade do trabalhador e do caráter vitalício do vínculo. De outra parte, a realização do trabalho por conta alheia, a serviço de outrem, tinha regulamentação esparsa, pois como se destinava ao trabalho livre ou autônomo, tinha menor utilização; a predominância do regime da escravidão e do sistema das corporações excluía a regulamentação.

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O sistema corporativo medieval teve índole patronal, pois tinha como finali-dade a proteção dos ofícios, preparação técnica dos artesãos, luta contra a competência desleal, do controle da qualidade dos produtos e da assistência mútua, e foi estabelecida uma estruturação interna por meio dos estatutos fixados e adotados pelos mestres que exerciam, nas corporações de ofício, poder sobre companheiros e aprendizes. Posteriormente, estabeleceu-se o monopólio da atividade, o que tornou difícil o ingresso de novos trabalhadores nas corporações, em razão das grandes exigências, técnicas e econômicas. havia uma situação de autoritarismo, o que estimulou o desenvolvimento de trabalho paralelo nas cidades e culminou no movimento em prol da liberdade de trabalho.2Esse breve registro deixa perceber a resistência do ser humano a situações extremas que impedem ou limitam o exercício de um trabalho, forma social de obtenção dos meios de sua subsistência.

Entre o século XVI e o século XVIII, as relações de servidão se enfraqueceram ou extinguiram de forma generalizada, nos diferentes locais, o que afetou e reduziu as relações econômicas agrárias, e, sucessivamente, incrementou as relações industriais,3 pois a cidade e a indústria passaram a oferecer não propriamente liberdade, mas oportunidade de trabalho. Explica Olea4 que, então, o trabalho entra nos poderes de disposição do trabalhador, deixando de ser imposto por seu nascimento para ser organizado sobre base contratual, o que produziu no terreno das relações de trabalho o trânsito do status ao contrato característico das “sociedades progressistas”.

A migração dos camponeses para os centros industriais, fundamentalmente urbanos, ocorreu em razão de diferentes medidas, das quais os cercamentos são uma das mais conhecidas. Esse procedimento ocorrido na Inglaterra durante o primeiro período Tudor e que foi chamado de “revolução dos ricos contra os pobres”, consistiu no afastamento dos pobres, pelos senhores e nobres, da parcela de terras comuns às quais foram cercadas e transformadas em pastagens de carneiros para a produção de lã. O processo se iniciou no século XVI, mas teve a oposição do poder real dos Tudors, oposição que merece ser enfatizada como registro de uma concepção protetora do trabalho, pois, apesar de os cercamentos resultarem em emprego para pequenos posseiros e em renda para artesãos, esses efeitos compensadores somente fariam sentido em uma economia de mercado5 que ainda não estava instalada.

A abolição das corporações, ato da Revolução Francesa expresso na Lei Le Chapelier, em 1791, representou a proclamação, ao lado da liberdade política, da

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liberdade econômica.6 Abolidas as corporações, surgiram incipientes normas de trabalho em esferas específicas.7Esses traços iniciais do trabalho a serviço de outrem que é a feição que hoje se conhece, remetem ao desenvolvimento do processo de produção a partir da Revolução Industrial e do capitalismo, em cujo âmbito surgiram, como cenário as relações sociais e o Estado, e as empresas e sindicatos como atores sociais.

Conforme Manuel Alonso Olea,8 a Revolução Industrial foi identificada e assim denominada por Toynbee que situou suas origens na Europa, na Inglaterra, no final do século XVIII e início do século XIX, ainda que seus elementos tenham começado a aparecer anteriormente. O conjunto das invenções em que a máquina a vapor de Watt é tida como a invenção básica, determinou, segundo Olea, uma nova concepção científica dos mecanismos existentes, pois ela era uma fonte de energia que podia ser utilizada para o movimento de qualquer ferramenta e para qualquer processo de produção e transporte, o que lhe conferiu extraordinário alcance e utilização.9 Ora, há uma interdependência das invenções com os demais fatores sociais, bem como a influência de umas invenções sobre outras, o que as torna integrantes e desencadeantes de um processo mais amplo de produção. Pode-se afirmar que há uma cadeia reflexiva em que as invenções primeiras levam, mais além do aprimoramento, a novas invenções.

No período correspondente à segunda fase da Revolução Industrial, os recursos tecnológicos se multiplicaram e se acelerou seu aparecimento e desenvolvimento, passando eles a influir em extensão e intensidade na vida cotidiana, com efeitos graduais e cumulativos que mudaram radicalmente a sociedade humana.

A melhora pré-industrial dos rendimentos dos cultivos formou excedentes alimentícios o que desencadeou o processo de capitalização dos proprietários que permitiu os primeiros, ainda que pequenos, investimentos na industrialização e, de outras parte, levou ao deslocamento de trabalhadores para as cidades. Além de

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haver uma contração do emprego no campo, pela impossibilidade de serem criados novos empregos, para dar conta de uma demografia crescente, era na cidade que surgiam as novas possibilidades de emprego.

Assim, a burguesia, como detentora hegemônica do poder econômico com a emergência das classes médias urbanas frente aos estamentos nobres, que havia começado muito antes, foi reforçada pela Revolução Industrial. A primeira fase do capitalismo foi dura, pois os trabalhadores estavam sujeitos a jornadas longas e salários ínfimos; eram miseráveis, cada dia mais pobres. Os ricos, na primeira acumulação do capital, tornavam-se cada vez mais ricos.

No conjunto social, a população urbana, cujo aumento se iniciara anterior-mente com o relaxamento da servidão e o consequente deslocamento das pessoas para a cidade, que teve intensificado seu aumento natural ou vegetativo, formava um grande contingente de trabalhadores. Do processo, surgiu a cidade industrial, contando com grandes excedentes de mão de obra, o que marcou o início e desenvolvimento da Revolução Industrial e se torna um dos fatores determinantes para as más condições de trabalho que caracterizam o período.

A evolução do modelo de produção capitalista, desencadeada pela Revolução Industrial, realizou-se pelo desaparecimento da propriedade comunal e pela consolidação da propriedade privada baseada no direito de propriedade e na liberdade formal. O contrato se tornou um elemento essencial no modelo econômico, pois levava à aquisição da propriedade e à circulação da riqueza, com um papel instrumental para a transferência de direitos sobre coisas. Mesclaram-se o poder de contratar e o contrato, em uma enunciação ideológica que correspondia à liberdade e à propriedade. Para atender à exigência da economia capitalista, a propriedade se concentrou, libertada dos pesos e vínculos de origem feudal, e se deu a plenitude dos direitos de propriedade e a transferência de riqueza para a classe burguesa, para desenvolver o comércio e a indústria.10A liberdade, para o trabalhador, também significava a liberdade de contratar, mas se entranhara pela diferença material, o desequilíbrio contratual. O trabalho se tornou o meio de sua liberdade, mas não o libertou.

1.2. Trabalho e revolução industrial

A Revolução Industrial determinou uma profunda mudança social, em que se destacava a expectativa de mudança contínua, a ideia do progresso infinito e do triunfo permanente da ciência. Esses são signos da Modernidade, que conformaram mudanças e os seres humanos em uma medida de racionalidade e confiança nos processos científico-tecnológicos, e atingiram a própria natureza das institui-

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ções.11 A mudança se tornou o princípio estrutural da nova sociedade criada pela Revolução Industrial e cujo símbolo é a máquina, com repercussão na vida social das pessoas, em todas suas esferas.

Iniciada como processo localizado geográfica e culturalmente, a Revolução Industrial alargou seu espaço e alcançou todo o mundo, deixando de ser um destino especial da Europa e do Ocidente. A dilatação espacial não significa que se tratava de um movimento unificado, pois a escravidão, nas colônias europeias, subsistiu até bem avançado o século XIX.

Neste período, também se modificou a forma de trabalhar. A introdução do modelo taylorista de divisão do trabalho estabeleceu o controle dos tempos e movimentos e a teoria dos tempos mortos do processo produtivo, o que levou à intensificação do ritmo de trabalho. Já no modelo fordista, houve a exatidão dos tempos, a repetição das tarefas, a fragmentação do processo produtivo, mediante a qual era cometida tarefa ao...

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