O pensamento autoritário de Francisco Campos

AutorMarcello Ciotola
CargoProfessor de Ética e Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ
Páginas80-112
O pensamento autoritário de
Francisco Campos
Marcello Ciotola*
1. Introdução
Nosso objetivo, no presente artigo, é abordar o pensamento autoritário
de Francisco Campos e mostrar sua inf‌luência na história constitucional
brasileira.
No primeiro item, inserimos Francisco Campos no rol dos pensadores
nacionalistas autoritários, do qual também fazem parte Oliveira Viana e
Azevedo Amaral, cabendo lembrar, contudo, que a corrente nacionalista
autoritária não esgota o espectro da direita no Brasil das primeiras décadas
do século vinte, que abrange ainda a corrente fascista e o denominado
tradicionalismo católico. Em nosso exame acerca do pensamento naciona-
lista autoritário nos baseamos na análise do historiador Boris Fausto, para
quem, apesar das inúmeras particularidades, existe um conjunto de idéias
comuns unindo Oliveira Viana, Azevedo Amaral e Francisco Campos, de
modo que seus textos revelam o conteúdo essencial do pensamento auto-
ritário no Brasil. No item seguinte, abordamos alguns aspectos que carac-
terizam a ideologia autoritária de Francisco Campos, como, por exemplo:
sua interpretação do golpe de 1937 como resultado de um imperativo de
salvação nacional; sua defesa da restrição do direito de voto, com a corre-
* Professor de Ética e Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ; Professor de Filosof‌ia do
Direito e de Introdução ao Direito na PUC-Rio; Doutor em Direito pela PUC-Rio. E-mail: marcellociotola@
hotmail.com.
Direito, Estado e Sociedade n.37 p. 80 a 112 jul/dez 2010
Miolo Direito 37 230511Untitled-1.indd 80 6/6/2011 15:30:52
81
lata crítica daquilo que denomina de mito do sufrágio universal; sua visão
extremamente negativa a respeito da democracia de partidos, considerada
como a expressão da guerra civil organizada e codif‌icada; seu ataque à
democracia liberal, com o apontamento do divórcio entre a democracia
e o liberalismo; seu anti-comunismo violento; sua defesa da monopoliza-
ção do trabalho legislativo nas mãos da administração pública, a partir do
momento em que destaca o anacronismo dos parlamentos e denuncia sua
incapacidade para legislar.
No terceiro item, é nossa intenção mostrar, numa abordagem panorâ-
mica, como o pensamento autoritário de Francisco Campos se materializa
na ordem constitucional brasileira, a partir do momento em que o referido
jurista elabora a Carta de 10 de novembro de 1937 e, mais de duas décadas
depois, redige o preâmbulo do Ato Institucional de 9 de abril de 1964, di-
plomas responsáveis, respectivamente, pela institucionalização do regime
autoritário do Estado Novo (1937-1945) e pelo início da institucionaliza-
ção do regime autoritário implantado em 1964.
2. Pensamento nacionalista autoritário: a análise de Boris Fausto
Francisco Luiz da Silva Campos nasceu na cidade mineira de Dores
do Indaiá, em 18 de novembro de 1891, e morreu em Belo Horizonte, no
dia 1º de novembro de 1968, as vésperas de completar setenta e sete anos.
Conforme observação de Norma de Góes Monteiro1, foi homem de pen-
samento e de ação. Jurista de escol e grande conhecedor de diversas áreas
do saber, Francisco Campos exerceu o magistério, a advocacia e ocupou
diversos cargos políticos, tendo sido deputado estadual, deputado federal,
secretário do interior do Estado de Minas Gerais, ministro da Educação e
Saúde Pública, ministro da Justiça, etc.2.
Seu pensamento se enquadra naquilo que Boris Fausto denomina de
pensamento nacionalista autoritário3. Cabe lembrar que o professor da
1 Ver MONTEIRO, 1981, p.1 83.
2 Um exame detalhado das atividades prof‌issionais de Francisco Campos, que fugiria aos nossos
propósitos, pode ser encontrado em MONTEIRO, 1981, pp.183 e seguintes, e também em MALIN e
PENCHEL, 1984, p p. 571 e seguintes.
3 Nossa análise acerca de tal pensamento está toda ela baseada em Boris Fausto, 2001. O professor da
U.S.P. entende que, antes de enfrentar o tema propriamente dito do pensamento autoritário brasileiro, é
necessário esclarecer duas questões preliminares. Sendo assim, primeiramente deve-se traçar o conceito
O pensamento autoritário de Francisco Campos
Miolo Direito 37 230511Untitled-1.indd 81 6/6/2011 15:30:52
82
universidade de São Paulo inclui no espectro da direita no Brasil, além da
ideologia nacionalista autoritária, as vertentes representadas pelo fascismo
e pelo tradicionalismo católico, sem deixar de reconhecer a existência de
contatos e inf‌luências recíprocas entre os ideólogos direitistas4.
Apesar das controvérsias a respeito, Boris Fausto vê no integralismo
uma versão brasileira do fascismo. Justif‌ica sua posição af‌irmando, em pri-
meiro lugar, que o integralismo representou um movimento de massas em
seus objetivos e em sua atuação. Em segundo lugar, recorda que a Ação
Integralista Brasileira, em realidade, foi um autêntico partido, visando a
conquista do poder. Por f‌im, acrescenta que o enquadramento dos grupos
integralistas em milícias tinha grande semelhança com o que ocorria no
âmbito do regime de Benito Mussolini. Esses pontos, sem dúvida, reve-
lam “o caráter fascista do integralismo, com marcas nacionais específ‌icas,
assim como a distinção entre essa corrente e os ideólogos autoritários. Os
autoritários voltaram-se expressamente não só contra a partidocracia, mas
também contra os regimes de partido único e, preocupando-se com o en-
quadramento das massas, jamais defenderam a mobilização destas para
alcançar seus objetivos”5.
O arco da direita, seguindo a análise de Boris Fausto, abrange também
a corrente católica, que teve em Jackson de Figueiredo e em Alceu de Amo-
roso Lima seus nomes mais importantes. Enquanto o primeiro era um tra-
dicionalista, idealizador da sociedade medieval, Alceu de Amoroso Lima, o
Tristão de Ataíde, era um modernizador que mais tarde se converteria em
um incansável defensor da democracia. A corrente católica diagnosticou os
“males do presente”, tendo por base uma interpretação transcendental da
história. Na lição de Boris Fausto:
de autoritarismo, para que seja possível diferenciá-lo de outros conceitos, especialmente do conceito de
totalitarismo. Em segundo lugar, é preciso analisar os casos distintivos concretos, no Brasil e no mundo em
geral, visto que a “insistência na diferenciação entre regimes totalitários e autoritários não ocorreu apenas
em conseqüência de uma espécie de maturação ideológica, ou da inf‌luência de pensadores europeus, mas
foi também uma imposição dos acontecimentos políticos”. A implantação do Estado Novo em novembro
de 1937, prossegue Boris Fausto, impulsionou os “ideólogos do regime a estabelecer distinções, com obje-
tivos práticos. Tratava-se não só de esclarecer os métodos e as f‌inalidades da ditadura estadonovista como
também de separar o governo Vargas do movimento fascista, encarnado pela Aliança Integralista Brasileira
(AIB)”. Cf. FAUSTO, 2001, pp. 7 a 12.
4 Ver FAUSTO, 2001, pp. 16 e 1 7.
5 FAUSTO, 2001, p. 18 .
Marcello Ciotol a
Miolo Direito 37 230511Untitled-1.indd 82 6/6/2011 15:30:52

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT