A Penhora do Bem de Família e o Direito a Moradia
Autor | Bianca Pereira Razera |
Cargo | Advogada em Curitiba/PR |
Páginas | 55-57 |
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A questão da penhorabilidade ou
impenhorabilidade do imóvel considerado bem de família veio a lume, recentemente, diante de dois
julgados de tribunais brasileiros. Ambas as decisões tratam da fiança em garantia de contrato de locação, e a conseqüente necessidade de recair a execução sobre
o imóvel residencial do fiador. Embora o mérito seja o
mesmo, a fundamentação de cada um dos litígios se deu em sentido oposto.
O ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, em seu voto entendeu que a residência do fiador não pode responder pelo débito dos aluguéis
do afiançado.
A defesa do fiador baseou-se na revogação do inciso VII do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, inserido pela Lei n. 8.245/91, no direito a moradia, no princípio da igualdade e na dignidade da pessoa humana. O inciso
VII prevê a possibilidade do imóvel bem de família
responder pela fiança em contrato locatício. Entretanto,
com o direito a moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 26/2000, a previsão legal não teria
sido recepcionada.
O ministro aduz ainda que o direito a moradia, incluído no rol de direitos sociais do trabalhador, é um direito fundamental de 2a. geração e, portanto, é auto-aplicável, não necessitando ser regulamentado para gerar efeitos imediatos. Eis trecho extraído da fundamentação:
"Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245,
de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3º feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de
Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000."( STF, Recurso Extraordinário nº
352940)
De outro lado, o desembargador Ricardo Raupp Ruschel, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
admitiu a constrição da moradia familiar do fiador para
garantir o pagamento dos aluguéis de contrato de
locação.
O magistrado argumenta que sendo a prestação da fiança uma disposição unilateral e gratuita do fiador não há que se falar em desrespeito ao princípio da igualdade ou da dignidade da pessoa humana, e vai
além, afirma ainda que o direito a moradia, previsto no art. 6º, é norma programática e deve ser regulamentado para ser aplicado na prática.
No desenvolvimento do acórdão há menção sobre o voto do ministro Carlos Velloso, afirmando
que tal posição será revista e alterada pelo Pleno do Supremo, pois contraria jurisprudência pacífica
daquela Corte.
Contudo, é de se frisar que o desembargador desconsidera que a fiança somente é prestada por ser uma exigência do mercado, sem a qual a locação não se aperfeiçoaria. Ninguém, por mera liberalidade, sem que fosse obrigatório, disponibilizaria seu imóvel para
garantir dívida alheia.
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Outros julgados, também muito ilustrativos, remetem à questão do direito a moradia e aos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito
elencados em nossa Constituição. Novamente, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tramitou processo...
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