As Alternativas às Penas e às Medidas Socioeducativas: estudo comparado entre distintos modelos de controle social punitivo

AutorSalo de Carvalho - Mariana Assis Brasil e Weigert
CargoPossui Pós-doutorado em Criminologia pela Universidade Pompeu Fabra (Barcelona ? Espanha). Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Caratina. Professor adjunto do Departamento de Ciências Penais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor titular do Departamento de ...
Páginas227-258
As Alternativas às Penas e às Medidas
Socioeducativas: estudo comparado entre distintos
modelos de controle social punitivo
Salo de Carvalho1
Mariana de Assis Brasil e Weigert2
Resumo: O artigo apresenta o quadro normativo
de alternativas às penas e às medidas (socioeduca-
tivas e de segurança) e os mecanismos de diversi-
ficação processual no direito brasileiro no Estatuto
9.099/95) e na Lei das Penas Alternativas (Lei n.
9.714/78). A partir de uma abordagem comparati-
va, avalia os sistemas de direito penal e de direito
juvenil de resposta ao ilícito, enfatizando as san-
ções aplicáveis ao adolescente em conflito com a
lei. Concretiza o estudo na análise da prestação de
serviço à comunidade, problematizando a tensão
entre as sanções alternativas ao encarceramento e
a ampliação da rede do poder punitivo na contem-
poraneidade (punitivismo).
Palavras-chave: Penas. Medidas Socioeducati-
vas. Penas Alternativas.
Abstract: The article presents the normative
framework of alternatives to sanctions and
the mechanisms of procedural diversifica-
tion in the Brazilian Law, more specifically
in laws 8.069/90, 9.099/95 and 9.714/78. In
a comparative approach, it evaluates both the
penal law system and the juvenile law sys-
tem of response to offenses, highlighting the
penalties applicable to young offenders in
conflict with the law. The study analyzes the
process of community service, problemati-
zing the existing tension between alternative
sanctions to incarceration and the expansion
of the punitive power in the contemporary
world (punitivism).
Key words: Punishment. Youth Criminal Sys-
tem. Alternative Sanctions.
1 Possui Pós-doutorado em Criminologia pela Universidade Pompeu Fabra (Barcelona
– Espanha). Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Santa Caratina. Professor adjunto do Departamento de
Ciências Penais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor titular do
Departamento de Ciências Criminais da PUC-RS. E-mail: salo.carvalho@uol.com.br.
2 Doutoranda em Direito Público e Mestre em Criminologia e Execução Penal pela
Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha). Doutoranda em Psicologia Social
e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Ciências
Criminais pela PUC-RS. Graduada em Direito pela PUC-RS. Professora de Direito Penal e
Criminologia na UniRitter. E-mail: mabw@terra.com.br.
Recebido em: 29/09/2011.
Revisado em: 27/04/2012.
Aprovado em: 02/05/2012.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n64p227
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228 Seqüência, n. 64, p. 227-257, jul. 2012
1 Introdução
O presente estudo apresenta o quadro normativo brasileiro de alter-
nativas às penas e às medidas (socioeducativas e de segurança) e as for-
mas legais previstas para diversificação processual que permitem pensar
distintas respostas jurídicas aos conflitos criminalizados.
Em razão da proximidade dos institutos que envolvem a matéria, o
trabalho opta por uma metodologia comparativa, de forma a apresentar ao
leitor um panorama geral dos sistemas de penas e de medidas no direito
brasileiro. Enfatiza, contudo, a construção de um modelo próprio de jus-
tiça juvenil com mecanismos legais autônomos de sanção ao adolescente
em conflito com a lei condenado pela prática de ato infracional.
A análise é construída a partir do marco principiológico constitu-
cional para, em um segundo momento, observar, na legislação ordinária,
dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95) e a Lei das Penas Al-
ternativas (Lei n. 9.714/78).
A partir da análise concreta da prestação de serviço à comunidade
como espécie de sanção restritiva de direito, o estudo busca problematizar
a tensão entre as sanções alternativas ao encarceramento e a ampliação da
rede do poder punitivo na contemporaneidade (punitivismo).
O trabalho – apesar de perceber o tenso debate e os efeitos práticos
da manutenção da lógica da doutrina da situação irregular em detrimen-
to da doutrina da proteção integral – não ingressa na análise específica
da autonomia do sistema de justiça juvenil, das teorias de fundamenta-
ção das medidas socioeducativas ou das teorias de fundamentação das pe-
nas. O enfrentamento dessas questões fundacionais sobre os sistemas e os
princípios de justificação do poder punitivo – questões importantes para a
compreensão da lógica inquisitiva que orienta a interpretação dos direitos
e das garantias dos adolescentes em conflito com a lei – segue a postura
agnóstica manifestada em estudos anteriores que projeta atuações práti-
cas centradas na elaboração ou qualificação de instrumentos voltados à
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redução dos danos provocados pela incidência inábil do potestas puniendi
(CARVALHO, 2011, p. 137-154; CARVALHO, 2007, p. 3-28)3
O objetivo do estudo não é, portanto, debater os fundamentos da
intervenção sancionatória como resposta ao crime (justiça penal de adul-
tos) ou ao ato infracional (justiça penal juvenil). Em realidade, a ideia do
artigo é problematizar as formas de exercício concreto do poder puniti-
vo na área da infância e do adolescente com a finalidade de projetar es-
tratégias de potencialização dos direitos e garantias neste enfrentamento
com as distintas formas de intervenção das agências de controle social.
Mais especificamente: o texto procura apresentar as alternativas norma-
tivas ao sistema punitivo e avaliar suas formas de otimização para que os
substitutivos ao encarceramento não sejam apenas aditivos. Logicamente
esta opção metodológica revela uma postura político-criminal, identifica-
da, conforme apontado, com a teoria agnóstica e o garantismo jurídico.
Todavia não é neste plano de debate que o texto encontra seu campo de
indagações.
O espaço que permite a aproximação, mas não os confunde, do di-
reito penal com o direito infracional sancionador é o ilícito. A previsão
3 A autonomia do direito infracional em relação ao direito penal, adotada a partir da
perspectiva agnóstica, é defendida, dentre outros, por Alexandre Morais da Rosa: “[...]
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estatal. Entretanto, a medida socioeducativa, longe de uma fundamentação jurídica,
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Jurídico, na pena tupiniquim de Carvalho. Relegada a discussão abolicionista (Foucault,
Mathiesen, Christie e Hulsman), assume-se a postura garantista-infracional, informada
pelo Princípio da Secularização e da Laicização do Estado, da ‘Teoria Agnóstica’ da
medida socioeducativa. Esta teoria, percebendo a imposição como ato de poder, tal qual
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pelo Estado. Existiria, portanto, uma dupla funcionalidade da medida socioeducativa.
Primeiro, impedir a vingança privada (abusiva e espúria) [...] em segundo lugar,
restringindo a manifestação do poder político estatal, isto é, a medida socioeducativa,
de maneira arbitrária (sem limites) e violando Direitos Fundamentais, nos exatos limites
da estrita legalidade.” (CARVALHO, 2007, p. 202-203). Em momento seguinte conclui
o referido autor: “[...] isso porque pela construção efetivada, o fundamento da medida
socioeducativa é agnóstico, como indica Carvalho, sendo antidemocrática qualquer
pretensão de reforma interior ou moral do adolescente na linha fascista da Defesa Social.”
(ROSA, 2007, p. 221)

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