Penal e processo penal

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O FATO DE OS DELITOS HAVEREM SIDO COMETIDOS EM CONCURSO FORMAL NÃO AUTORIZA A EXTENSÃO DOS EFEITOS DO PERDÃO JUDICIAL CONCEDIDO PARA UM DOS CRIMES

Superior Tribunal de Justiça

Recurso especial n. 1.444.699/RS Órgão Julgador: 6a. Turma

Fonte: DJ, 09.06.2017

Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz

EMENTA

Recurso especial. Duplo homicídio culposo no trânsito. Concurso formal. Art. 302, caput, da Lei n. 9.503/1997, c/c art. 70 do CP. Morte de namorado e do amigo. Perdão judicial. Art. 121, § 5º, do Código Penal. Concessão. Vínculo afetivo entre réu e vítimas. Necessidade de comprovação. Súmula n. 7 do STJ. Extensão dos efeitos pelo concurso formal. Inviabilidade. Sistema de exasperação da pena. Extinção da punibilidade. Causa excepcional. Preenchimento dos requisitos. Recurso especial não provido. 1. Conquanto o texto do § 5º do art. 121 do Código Penal não tenha definido o caráter e a extensão das consequências do crime imprescindíveis à concessão do perdão judicial, não deixa dúvidas quanto à forma grave com que elas devem ter atingido o agente, a ponto de tornar desnecessária e até mesmo exacerbada a aplicação de sanção penal. 2. A análise do grave sofrimento, apto a ensejar a inutilidade da função retributiva da pena, deve ser aferida de acordo com o estado emocional de que é acometido o sujeito ativo do crime, em decorrência da sua ação culposa, razão pela qual a doutrina, quando a avaliação está voltada para o sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5º a exigência da prévia existência de um vínculo, de um laço de conhecimento entre os envolvidos, para que seja "tão grave" a consequência do crime ao agente. Isso porque a interpretação dada é a de que, na maior parte das vezes, só sofre intensamente aquele réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos. 3. Assim, havendo o Tribunal a quo entendido não estar demonstrado nos autos, de forma inconteste, que o acusado mantinha, embora de natureza diversa, fortes vínculos afetivos com ambas as vítimas, de modo a justificar o profundo sofrimento psíquico derivado da provocação de suas mortes, não há que se falar em malferimento à lei federal, pois inviável, consoante precedentes desta Corte Superior, a dupla aplicação do perdão judicial.

  1. Entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, que se entende não haver desejado o legislador, pois, além de difícil aferição - o tão intenso sofrimento -, serviria como argumento de defesa para todo e qualquer caso de delito de trânsito com vítima fatal.

  2. A revisão desse entendimento, tal qual perquirido pelo recorren-te, que afirma existir farto acervo probatório a demonstrar os laços de amizade com a segunda vítima, demandaria imersão vertical sobre o conjunto fático-probatório delineado nos autos, procedimento vedado em recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ. 6. Malgrado a instituição do concurso formal de crimes tenha intensão de beneficiar o acusado, estabelecendo o legislador um sistema de exasperação da pena que fixa a punição com base em apenas um dos crimes, não se deixou de acrescentar a previsão de imposição de uma cota-parte, apta a representar a correção também pelos demais delitos. Ainda assim, não há referência à hipótese de extensão da absolvição, da extinção da punibilidade, ou mesmo, da redução da pena pela prática de nenhum dos delitos, tanto que dispõe, o art. 108 do Código Penal, in fine, que, "nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão". 7. Tratando-se o perdão judicial de uma causa de extinção da punibilidade de índole excepcional, somente pode ser concedido quando presentes os seus requisitos, devendo-se analisar cada delito de per si, e não de forma generalizada,

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como quando ocorre a pluralidade de delitos decorrentes do concurso formal de crimes. 8. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Rela-tor. Os Srs. Ministros Ne? Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr. MATEUS MAR-TINS MACHADO, pela parte RECORRENTE: (...).

Brasília (DF), 1º de junho de 2017 Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

(...) interpõe recurso especial, fundado no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, ao julgar a Apelação Criminal n. 70050573146, interposta pela acusação, cassou parcialmente a sentença que lhe concedeu perdão judicial - por haver praticado, duplamente, em concurso formal, o delito tipi-ficado no art. 302, caput, da Lei n. 9.503/1997, que vitimou seu namo-rado e um amigo -, a fim de, afastan-do o efeito do perdão judicial em relação a uma das vítimas, determinar o retorno dos autos à origem para a devida fixação da pena.

Sustenta o recorrente, no entanto, que o acórdão recorrido violou o art. 121, § 5º, c/c os arts. 107, IX, e 70, todos do Código Penal, e incorreu em dissídio jurisprudencial, por haver "extenso material que demonstra ter o acusado, à época do acidente, forte ligação com a vítima (...)" e não apenas com a outra vítima, de modo que a sua "morte [...] gerou no acusado efeito punitivo (de cunho afetivo) que torna a via processual penal inócua para a resolução da questão" (todos à ? . 600).

Aduz, também que, ainda que assim não fosse, adotando-se a lógica do art. 70 do CP, a cisão da aplicação do perdão judicial é injustificável. Afirma que, "na hipótese de haver concurso formal, não se pode conceder o perdão judicial somente em relação a um dos crimes, no sentido de que o sofrimento do agente diz respeito ao fato em sua integralidade (em função da ação praticada gera-dora do evento), e não a cada um dos resultados separadamente" (? . 617).

Requer, por isso, o conhecimento e o provimento do recurso especial, para que o acórdão recorrido seja reformado, restabelecendo-se a concessão do perdão judicial em sua integralidade.

O Ministério Público Federal opinou, às fis. 694-703, pelo despro-vimento do recurso.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

  1. Admissibilidade

    De início, constato a tempestividade do recurso especial e o preenchimento dos demais requisitos constitucionais, legais e regimentais para seu processamento, pois houve prequestionamento do tema objeto da impugnação, esgotaram-se os recursos ordinários e expuseram-se os dispositivos de lei presumidamente contrariados, além dos fatos e do direito, de modo a permitir o exame da aventada questão jurídica contro-versa.

  2. Do perdão judicial

    O recorrente foi processado e julgado por dupla prática, em concurso formal, do crime previsto no art. 302, caput, da Lei n. 9.503/1997, porque, no dia 27/7/2008, ao conduzir de forma...

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