Penal e Processo Penal

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DESCRIÇÃO MINUCIOSA E DETALHADA DAS CONDUTAS DE CADA AUTOR É DISPENSÁVEL NOS CRIMES SOCIETÁRIOS

Supremo Tribunal Federal

Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 136.822/RJ

Órgão Julgador: 1a. Turma

Fonte: DJ, 19.12.2016

Relator: Ministro Luiz Fux

EMENTA

Agravo Regimental no Habeas Corpus. Penal e processual penal. Crime contra ordem tributária. Crime societário. Artigo 1º, II, da Lei n. 8.137/90. Habeas corpus subs-titutivo de recurso extraordinário. Inadmissibilidade. Competência do supremo tribunal federal para julgar habeas corpus: CRFB/88, art. 102, I, D e I. Hipótese que não se amolda ao rol taxativo de competência desta suprema corte. Trancamento da ação penal. Excepcionalidade. Inépcia da denúncia. Inocorrência. Negativa de autoria. Análise de fatos e provas. Vedação. Alegação de ofensa aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Ausência de teratologia no ato impugnado. Atuação ex officio do STF inviável. Revolvimento do conjunto fático-probatório. Inadmissibilidade na via eleita. Agravo regimental desprovido. 1. Nos crimes societários é prescindível a descrição minuciosa e detalhada das condutas de cada autor, bastando a descrição do fato típico, das circunstâncias comuns, os motivos do crime e indícios suficientes da autoria ainda que sucintamente, a fim de garantir o direito à ampla defesa e contraditório. Precedentes: HC 118.891, Primeira Turma, Relator Min. Edson Fachin, DJe 20/10/2015, HC 116.781, Segunda Turma, Relator Min. Teori Zavascki, DJe 15/04/2014, HC 101.754, Segunda Turma, Relatora a Minis-tra Ellen Gracie, DJe 25/06/10. 2. A negativa de autoria do delito não é aferível na via do writ, cuja aná-lise se encontra reservada aos processos de conhecimento, nos quais a dilação probatória tem espaço garantido. Precedentes: HC 114.889-AgR, Primeira Turma, minha relatoria, DJe 24/09/13; HC 114.616, Segunda Turma, Rel. Ministro Teori Zavascki, DJe 17/09/13. 3. O trancamento da ação penal por meio de habeas corpus é medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Precedentes: HC 101.754, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 24/06/10; HC 92.959, Primeira Turma, Rel Min. Carlos Britto, DJ 11/02/10. 4. In casu, os pacientes foram denunciados pela prática, em continuidade delitiva, do crime tributário previsto no artigo 1º, II, da Lei n. 8.137/90, em virtude de haverem fraudado a fiscalização tributária, omitindo receita relativa a saídas de mercadorias tributadas em documento exigido pela lei fiscal, creditando-se, indevidamente, do ICMS incidente sobre tais operações, o que teria resultado

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em prejuízo à Fazenda Estadual superior a 2 (dois) milhões de reais. 5. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 6. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata de julgamento virtual de 2 a 8/12/2016, por maioria, negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator, vencido o Minis-tro Marco Aurélio.

Brasília, 9 de dezembro de 2016.

LUIZ FUX - RELATOR

Documento assinado digitalmente

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em benefício de R. G. Z. F. e X. G. Z. F. contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, sintetizado na seguinte ementa, verbis:

“Recurso ordinário em habeas corpus. Crime contra a ordem tributária. Delito societário. Falta de individualização da conduta dos recorrentes. Peça inaugural que atende aos requisitos legais exigidos e descreve crime em tese. Ampla defesa garantida. Inépcia não evidenciada. Constrangimento afastado.

  1. A hipótese cuida de denúncia que narra supostos delitos praticados por intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais.

  2. Embora em um primeiro momento o elemento volitivo necessário para a configuração de uma conduta delituosa tenha sido considerado o óbice à responsabilização criminal da pessoa jurídica, é certo que nos dias atuais esta é expressamente admitida, conforme preceitua, por exemplo, o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal.

  3. E ainda que tal responsabilização seja possível apenas nas hipóteses legais, é certo que a personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução.

  4. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente a conduta típica, cuja autoria é atribuída aos recorrentes devidamente qualificados, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal.

  5. Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demons-tra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.

  6. No caso dos autos, de acordo com a peça vestibular, os recorrentes, na qualidade de administradores da Drogaria Principal do Bairro Ltda., teriam fraudado a fiscalização tributária, omitindo receita relativa a saídas de mercadorias tributadas em documento exigido pela lei fiscal, creditando-se, indevidamente, do ICMS incidente sobre tais operações, o que teria resultado em prejuízo à Fazenda Estadual superior a 2 (dois) milhões de reais, descrição que atende de forma satisfatória as exigências legais para que se garanta ao réu o exercício da ampla defesa e do contraditório.

    Nulidade da decisão que recebeu a denúncia. Pronunciamento judicial que fez alusão a inquérito policial inexistente. Mero erro material.

  7. De acordo com entendimento já consolidado nesta Corte Superior de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, em regra, a decisão que recebe a denúncia prescinde de fundamentação complexa, justamente em razão da sua natureza interlocutória.

  8. Na espécie, a simples menção a um procedimento inquisitorial inexistente não é capaz de macular o ato por meio do qual a inicial foi recebida, pois, além de se estar diante de evidente erro material, trata-se de provimento judicial que, como visto, não precisa de motivação extensa, o que afasta a eiva articulada na irresignação.

    Falta de justa causa para a persecução criminal. Ausência de constituição definitiva do crédito tributário. Débito fiscal inscrito em dívida ativa. Inexistência de ofensa ao verbete 24 da súmula vinculante. Desprovimento do reclamo.

  9. Na hipótese, a constituição definitiva do crédito tributário é fato incontroverso, já que foi objeto, inclusive, de inscrição na dí-vida ativa, mostrando-se atendida, por conseguinte, a exigência contida na Súmula Vinculante 24, verbis: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

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    2. Recurso desprovido.”

    Colhe-se dos autos que os pacientes foram denunciados como incursos nas sanções do artigo 1º, II, da Lei n. 8.137/1990 por 45 (quarenta e cinco) vezes.

    Narra a denúncia que, consoante auto de infração, os pacientes, na condição de sócios administradores da empresa, deixaram de emitir notas fiscais de venda de mercadorias, em continuidade delitiva, fatos que restaram comprovados mediante em procedimento administrativo fiscal.

    A defesa impetrou habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Minais Gerais pugnando pelo trancamento da ação penal, o qual teve seu seguimento negado.

    Inconformada, a defesa impetrou novo writ perante o Superior Tribunal de Justiça, sustentando, em síntese, ausência de justa causa para a ação penal. A impetração foi desprovida.

    No presente writ, a defesa reitera que a denúncia é inepta alegando existência de constrangimento ilegal consubstanciado: i) na suposta violação ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal porquanto a peça acusatória seria genérica; ii) na apontada nulidade ocorrida no ato de recebimento da denúncia; e iii) na ausência de constituição definitiva do crédito tributário.

    Requereu, liminarmente e no mérito, a concessão da ordem para “seja trancado o processo n. 0251716-55.2015.8.19.0001”.

    O presente writ teve seu seguimento negado por decisão de minha relatoria, decisão essa que restou assim ementada, verbis:

    Habeas corpus. Penal e processual penal. Crime contra a ordem tributária. Artigo 1º, II, da Lei n. 8.137/1990. Habeas corpus substitutivo de recurso extraordinário. Inadmissibilidade. Competência do supremo tribunal fede-ral para julgar habeas corpus: CF, art. 102, I, ”D” e “I”. Rol taxativo. Inexistência de teratologia, abuso de poder ou fiagrante ilegalidade. Revolvimento do conjunto fático-probatório. Inadmissibilidade na via eleita.

    – Seguimento negado, com esteio no artigo 21, § 1º do RISTF. Prejudicado o exame do pedido de liminar.

    – Ciência ao Ministério Público Federal.”

    Negado seguimento ao habeas corpus, ante a ausência de teratologia no ato impugnado, sobrevém o presente recurso em que o agravante repisa os mesmos argumentos do pleito inicial, arguindo nulidade do recebimento da peça acusatória e ao final requer:

    1. Que seja o presente recurso recebido, para que Vossa Excelência no Juízo de retratação, conceda seguimento ao HC, com oportuna analise das...

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