Penal e processo penal

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FALTA DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA DO PERITO CRIMINAL NÃO ANULA O LAUDO PERICIAL

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial n. 1383693/DF

Órgão Julgador: 6a. Turma

Fonte: DJ, 04.02.2015

Relator: Ministro Rogério Schietti Cruz

EMENTA

PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL PARA SUSCITAR VIOLAÇÃO À RESOLUÇÃO. CONTRARIEDADE AOS ARTIGOS DA LEI 5.194/66 E AO ART. 65, III, "B", DO CP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282 DO STF. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO RECURSO PELA ALÍNEA "C" DO ART. 105, III, DA CF. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. CONTRARIEDADE AO ART. 159 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. EXAME REALIZADO POR PERITOS OFICIAIS COM DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR. PRESCINDIBILIDADE DE QUALIFICAÇÃO SUPERIOR ESPECÍFICA NA ÁREA OBJETO DO EXAME. DOSIMETRIA DA PENA. OBSERVÂNCIA AOS ARTS. 59 E 68 DO CP. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, NÃO PROVIDO.

  1. A negativa de vigência a artigos de resolução não enseja a interposição de recurso especial, nos estritos termos do art. 105, III, da Constitui-

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ção Federal. 2. O requisito do pre-questionamento pressupõe prévio debate da questão pelo Tribunal de origem, à luz da legislação federal indicada, com emissão de juízo de valor acerca dos dispositivos legais apontados como violados. Incidência da Súmula n. 282 do STF em relação à negativa de vigência aos arts. 7o e 8o da Lei n. 5.194/66 e ao 65, III, "b", do CP. 3. O conhecimento de recurso fundado na alínea "c" do art. 105, III, da Constituição Federal, por divergência jurisprudencial, exige que o recorrente realize o devido cotejo analítico, demonstrando, de forma clara e objetiva, a suposta incompatibilidade de entendimento e a similitude fática entre as demandas, o que não ocorreu neste caso, quanto à divergente aplicação do art. 159 do CPP. 4. A depender da complexidade do crime a ser solucionado é recomendável - no campo das expectativas, e não como exigência legal - que seja escolhido um perito oficial entre aqueles que tenham habilitação na área objeto da perícia. 5. Entretanto, a falta de formação específica na área do exame não inquina de nulidade o laudo; quando muito, pode conduzir a defesa a criticar, de maneira consistente, o resultado dos trabalhos, cabendo ao julgador valorar a prova técnica produzida e formar sua convicção pela livre apreciação do conjunto probatório, em decisão judicial devidamente motivada. 6. A individualização da pena é regulada por princípios e regras constitucionais e legais previstos, respectivamente, no artigo 5o, XLVI, da Constituição Federal, e nos arts. 68 do Código Penal e 387 do Código de Processo Penal. 7. De acordo com as singularidades do caso e os vetores do art. 59 do CP, a pena-base do recorrente foi fixada acima do mínimo legal, ante o des-favorecimento da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime. 8. A culpabilidade, analisada como maior ou menor censurabi-lidade do comportamento do agente, foi bem evidenciada no acórdão recorrido, no qual se destacou ter o recorrente ciência de que a embarcação navegava com pouca borda e o dobro do número máximo de passageiros, bem como ter afirmado, após indagado sobre a possibilidade de naufrágio, haver homens capazes de salvar quem não sabia nadar, comportamento que demonstrou extremo descuido ante o bem jurídico tutelado, a merecer graduado juízo de reprovação na individualização da pena. 9. As circunstâncias do crime foram desfavoráveis ao recorrente, porquanto a ingestão de bebida alcóolica, a realização de passeio noturno, o embarque de passageiros embriagados e com capacidade de reação diminuída, a condução da lancha para local profundo e distante da margem do lago e a insuficiência de equipamentos de segurança são dados acidentais, não integrantes do tipo penal, que evidenciam a maior gravidade concreta da conduta. 10. A morte de duas pessoas ainda jovens, que contribuíam para o sustento econômico da família, e o intenso sofrimento emocional causado à irmã sobrevivente, que "acompanhou o drama diretamente e carregará por toda a vida os traumas da experiência", vão além do resultado do tipo e justificam a exasperação da pena-base a título de consequências do crime. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Ericson Ma-ranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior (Presidente) votaram com o Sr. Ministro

Relator. Dr(a). LUIS HENRIQUE CESAR PRATA, pela parte RECORRENTE: (...).

Brasília, 18 de dezembro de 2014 MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

Relatório

O EXMO. SR. MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

(...) interpõe recurso especial, fundado no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, na Apelação Criminal n. 2010.01.1.112888-4.

O recorrente, por sentença publicada em 2/12/2011, foi condenado à pena de 2 anos e 15 dias de detenção, a ser cumprida no regime inicial aberto, como incurso no art. 121, § 3o, na forma do art. 70, ambos do CP. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos.

Irresignada com o édito condena-tório, a defesa recorreu. A apelação criminal, contudo, não foi provida pela Corte de origem, em acórdão assim ementado:

PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE EMBARCAÇÃO MOTORIZADA. PRELIMINAR - REDISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE. PLEITO ABSOLUTÓRIO - ATIPICIDADE - AUSÊNCIA DE CULPA NÃO-DEMONSTRADA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL - APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 66 DO CP -INVIABILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. INCABÍVEL A ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE POR AUSÊNCIA DE CULPA E DE NEXO DE CAUSALIDADE SE O LAUDO PERICIAL, CORROBORADO PELAS TESTEMUNHAS PRESENCIAIS DO FATO, CONCLUIU QUE A CAUSA DO NAUFRÁGIO FOI O EXCESSO DE PESSOAS NA

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EMBARCAÇÃO, SENDO QUE A ESCASSEZ DE EQUIPAMENTOS DE SALVATAGEM COLABOROU PARA O AFOGAMENTO DAS VÍTIMAS. NÃO HÁ QUALQUER IRREGULARIDADE NO LAUDO PERICIAL ELABORADO POR PROFISSIONAIS DO INSTITUTO DE CRIMINALÍSTICA, CABENDO AO MAGISTRADO VALORAR TAL DOCUMENTO CONFORME DISPÕE O ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SE NEM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS SÃO FAVORÁVEIS AO ACUSADO, RESTA JUSTIFICADA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE UM POUCO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DA ATENUANTE INOMINADA PREVISTA NO ART. 66 DO CP, QUANDO NÃO SE VISLUMBRA CIRCUNSTÂNCIA RELEVANTE QUE AUTORIZE O SEU RECONHECIMENTO, (fl. 684)

Nesta Corte, o recorrente aponta:

  1. Contrariedade e negativa de vigência aos arts. 159 do CPP; 7o e 8o da Lei n. 5.194/66; Io, 7o, 8o, 12 e 15 da Resolução n. 218, de 29/6/73

    Argumenta, para tanto, que, em se tratando de naufrágio de lancha, a perícia deveria ser realizada por peritos oficiais com qualificação técnica específica em engenharia naval. No entanto, o exame foi realizado por engenheiro civil, engenheiro elétrico, engenheiro mecânico e por odontólo-go, sendo nulo o laudo, por falta de conhecimento dos peritos.

    Assere que o fato de o perito ser oficial e portador de diploma de nível superior não o habilita a realizar a prova técnica fora de sua área de atu-ação, consoante a resolução que regulamenta a profissão de engenheiro.

    Desse modo, o acórdão atacado teria contrariado "a essência do artigo 159 do Código de Processo Penal, uma vez que o perito oficial não pode extrapolar, isto é, realizar perícia onde não detém conhecimento científico pra tanto, conforme prevê os artigos 7o e 8o da Lei n. 5.194/66; artigos Io, 7o, 8o, 12 e 15 da Resolução n. 218 de 29 de junho de 1973, que regulamentam a profissão de engenheiro" (fl. 718).

  2. Divergência jurisprudencial do acórdão atacado com o julgamento do Resp n. 253.072, relatado pelo Ministro Francisco Falcão

    Defende que o acórdão recorrido guarda similitude fática com o paradigma, haja vista que os peritos oficiais não tinham formação específica no ramo naval e não poderiam realizar a prova técnica.

  3. Negativa de vigência aos arts. 59 e 68 do CP

    Assere que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, com fundamento na culpabilidade, nas circunstâncias e nas consequências do crime, vetores que foram considerados desfavoráveis...

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