A Pena Estatal contra a Democracia: Reflexões a partir da Filosofia Política

AutorAndré Ribeiro Giamberardino - Nikolai Olchanowski
CargoProfessor Adjunto na Universidade Federal do Paraná ligado à área de criminologia e direito penal - Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná
Páginas10-39
Direito, Estado e Sociedade n.50 p. 10 a 39 jan/jun 2017
A Pena Estatal contra a Democracia:
Reexões a Partir da Filosoa Política
State Punishment against Democracy:
Thoughts on Political Philosophy
André Ribeiro Giamberardino*
Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR, Brasil
Nikolai Olchanowski **
Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR, Brasil
1. Introdução
Para Amartya Sen, desenvolvimento é a expansão de liberdades reais, mais
que mera aferição de dados estatísticos relacionados à renda, à industria-
lização ou ao desenvolvimento tecnológico1. Não se trataria de um pro-
cesso "duro" e marcado pelo tensionamento ou pela conquista via força,
mas seguindo um processo amigável de trocas mútuas. Pois bem: nessa
esteira, desenvolvimento humano diz respeito à promoção da liberdade
em sentido substantivo e à remoção de fontes de privação da liberdade, tais
como "pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destitui-
ção social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou
interferência excessiva de Estados repressivos"2.
Mas o que dizer das formas pelas quais o próprio Estado, por seus me-
canismos de justiçamento e punição, acaba por atuar contra o desenvolvi-
* Professor Adjunto na Universidade Federal do Paraná ligado à área de criminologia e direito penal. E-mail:
andre.rg@terra.com.br.
** Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: nikolai.olchanowski@gmail.com.
1 SEN, 2000.
2 SEN, 2000, p. 18.
11
Direito, Estado e Sociedade n. 50 jan/jun 2017
A Pena Estatal contra a Democracia: Ref‌lexões a Partir da Filosof‌ia Política
mento nesse preciso sentido? Se há um liame evidente entre o conceito de
desenvolvimento em Amartya Sen e a idealização de um estado de "quali-
dade de vida" (ou seja, uma concepção substantiva de liberdade), também
há relações complexas – mas certas – entre a funcionalização do Estado
como gestor da "policialização" da vida e "exterminador de futuros" por
meio do uso e abuso de seu aparato penal, o qual, em concreto, decreta a
impossibilidade de alcance de liberdades substantivas – logo, de desenvol-
vimento - por uma grande parte da população.
Ressaltamos de forma breve e singela, no presente texto, o caráter po-
lítico da pena. Ao mesmo tempo em que esse esforço parece dispensável,
já que a relação entre pena e poder político é evidente, ele se torna central
diante da pobreza com que a pena, com suas teorias justif‌icadoras, vem
sendo pensada no âmbito jurídico (especialmente no Brasil). Procuramos,
assim, estabelecer aproximações entre a f‌ilosof‌ia da pena e alguns caminhos
que podem ser tomados em f‌ilosof‌ia política, especialmente inspiradas no
contexto do debate acerca da relação entre constitucionalismo e democracia.
Na sequência, discutimos o problema da participação popular na for-
mulação de políticas criminais e indicamos com mais precisão os termos
como o debate entre insulacionistas e integracionistas se apresenta. Procura-
mos apontar para as semelhanças dos principais argumentos postos neste
debate para com os termos com que a relação constitucionalismo e demo-
cracia é pensada.
Desmitif‌icar, enf‌im, a concepção abstrata de justiça presente no âmago
do instituto político da pena é uma tarefa fundamental para que se com-
preenda de forma adequada o lugar do Estado em face da promoção do
desenvolvimento como liberdade substantiva.
Como hipótese central, a sugestão crítica de que o incremento do "Es-
tado penal" e o recrudescimento das respostas institucionais aos desvios,
especialmente aqueles de baixa danosidade social, porém associados a
perf‌is def‌inidos como "perigosos", consistem em verdadeira política
pública de empobrecimento, impedimento e obstaculização do desen-
volvimento, no sentido def‌inido por Sen, para uma parcela enorme da
população, especialmente em relação às liberdades políticas e relativas a
oportunidades sociais3. A construção argumentativa é prevalentemente
de natureza político-f‌ilosóf‌ica, na forma de ensaio.
3 SEN, 2000, p. 25.

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