Análise do processo de fixação da pena: a culbabilidade pelo fato como critério de fundamentação e limitação da censura

AutorFernanda Andreão Ronchi
CargoBacharelanda em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
Páginas45-59

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1 Introdução

O presente estudo refere-se a uma análise da subjetividade do juiz no processo de aplicação da pena, visando deixar clara a importância da utilização de um critério justo na apreciação das circunstâncias judiciais do art. 59, CP, que deve ser pautada nos limites da lei, sem deixar margens para a arbitrariedade.

A tese se inicia com a exposição do princípio constitucional da individualização da pena e de suas fases, na busca da compreensão da singularidade do homem para a fixação da pena de maneira proporcional à culpabilidade do autor do fato típico e ilícito.

Como uma forma de adentrar no procedimento de aplicação da pena, são apresentadas as duas teorias mais evidentes na doutrina penal brasileira: a do método bifásico (a expressão “circunstâncias”, presente no art. 59 do CP, compreende além das circunstâncias judiciais, as agravantes e atenuantes) de Roberto Lyra e a do método trifásico (não inclui as circunstâncias agravantes e as circunstâncias atenuantes dentro dos critérios do art. 59 do CP), de Nelson Hungria.

Argumenta-se sobre a superioridade do método trifásico, adotado pelo sistema penal brasileiro, pois o mesmo evita a análise simultânea de várias circunstâncias de diferentes espécies e permite às partes uma melhor constatação sobre o respeito aos princípios da aplicação da pena.

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No decorrer das fases do processo de fixação da pena, o estudo busca enfatizar que o juiz deve se ater no princípio da proporcionalidade das penas de acordo com a culpabilidade, de forma que a reação estatal não seja tão severa em relação ao dano causado, e de outro lado, não seja tão insignificante a ponto de estimular novas práticas delituosas, esclarecendo que o juiz não determina a pena e a sua quantidade da maneira que quer, mas que o mesmo deve respeitar diversos requisitos, ficando subordinado aos limites ditados pela lei.

Posteriormente, trata do conceito de pena-base e da distinção entre as circunstâncias judiciais e legais, para então adentrar, no ponto principal: como valorar as circunstâncias judiciais de modo que não ocorra uma ofensa à regra do ne bis in idem, que proíbe a dupla valoração da mesma circunstância. Desta forma, deixa clara a importância dos elementos integrantes da culpabilidade para a concretização da pena, os quais devem ser analisados para a identificação do nível de censura. A apreciação das circunstâncias judiciais deve ser considerada como auxiliar para a percepção dos elementos da culpabilidade e a graduação da reprovação.

A mensuração da culpabilidade deve ser vista como alicerce e limite no processo de escolha da espécie de pena, de seu alcance, substituição, suspensão da execução sob determinadas condições e execução em regime correto e sujeito à progressão.

O texto trata da culpabilidade e de suas teorias de modo a esclarecer o conceito da mesma e a sua significante relação com o processo de aplicação da pena, pois não há que se falar em punibilidade sem culpabilidade ou além do limite máximo apontado pela mesma ao autor do fato certo e determinado.

Em suma, trata-se de um estudo sucinto sobre o entendimento do conteúdo e do significado da primeira fase do processo de fixação da pena, realçando a culpabilidade como ponto fundamental da atenção do juiz, de forma que o mesmo possa determinar uma pena justa e necessária.

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2 Princípio da individualização da pena

Nos termos do art. 5°, XLVI, da Constituição Federal: "a lei regulará a individualização da pena." 1 Referido princípio, uma das garantias criminais

repressivas, pode ser considerado postulado básico de justiça no processo de elaboração, por parte do Estado, da resposta penal adequada ao fato objeto de sentença condenatória, evitando que se ignorem as diferenças entre os fatos delitivos, que possuem diferentes graus de reprovabilidade e, conseqüentemente, evitando a padronização da sanção penal.

A individualização da pena está concretizada em três fases: no plano legislativo, a de sua cominação in abstracto, na qual o legislador estabelece a conduta e define a sanção cabível em cada espécie de delito; no plano judicial, através da atividade do juiz no proferimento da sentença, ao analisar o caso concreto e culpabilidade do autor, determinar a espécie de pena e fixar o necessário para a repressão e prevenção; e no plano executório, processada a partir da sentença transitada em julgado, no momento do cumprimento de pena, englobando medidas judiciais e administrativas.

O método está previsto no artigo 68 do Código Penal, o qual estabelece que inicialmente será fixada a pena base, atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento."

A fase judicial, de maior significância no tema abordado, é composta pela interligação entre a atividade do legislador e do juiz. O primeiro define o crime, indica as espécies de pena e os limites extremos, enquanto o segundo determina a pena cabível ao fato concreto, presidindo (sinônimo) o processo executório da mesma.

A fixação da pena deve ser aplicada pelos juízes sem que os mesmos fiquem arraigados à concepção clássica e ultrapassada de a pena criminal ser essencialmente retributiva. O aferimento da culpabilidade e da reação estatal contraPage 48o crime e o criminoso deve, além de estabelecer um castigo proporcional à conduta ilícita e culpável do agente, prevenir a ocorrência de novos crimes, por meio da ressocialização do agente é como uma forma de exemplo para a sociedade.

Cabe salientar que o princípio tratado nesse tópico refere-se a uma superação do direito medieval pelo direito penal moderno. A legislação criada exclusivamente pelo legislador era completamente injusta e desproporcional. Além do mais, durante o decorrer da história ficou claro que o livre arbítrio do magistrado na aplicação da pena levava a abusos. Desta forma, as reformas procedidas na França no ano de 1810, fizeram com que as penas fossem fixadas em mínimo e máximo, deixando para o juiz a incumbência de fixar a pena dentro de tal margem.

O novo sistema francês foi implantado em nosso país, somente com o Código Penal de 1940, não obstante as idéias liberais e revolucionárias, principalmente de Beccaria, já tivessem influenciado o Código Criminal do Império de 1830, substituindo as Ordenações pelo sistema de graduação de penas entre o mínimo, médio e máximo, e o Código Penal Republicano de 1890, com o sistema de grau entre o mínimo e o médio e entre o último e o máximo.

A individualização da pena é a tarefa do juiz de avaliar todas as circunstâncias do caso concreto, analisando a conduta passada e presente do réu, sua personalidade, o comportamento da vítima, bem como sua colaboração para a ocorrência do crime. Individualizar a pena é aplicar o princípio da igualdade, que como diria Roxin, exige “não só tratamento igual para os iguais, mas também tratamento desigual em situação de desigualdade” 2 , como propõe art.29 do Código Penal.

Embora o poder do juiz seja discricionário, ele não goza de liberdade plena na imposição e fixação da pena, estando vinculado, desde a pena base até a pena definitiva, por parâmetros estabelecidos na lei.

Na fase da execução, devem também ser resguardadas as diferenças dos condenados e dos fatos cometidos, assim como prevê o art. 6° da Lei 7.210/84, quePage 49diz que “a classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.” 3 Os condenados...

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