Ação civil pública trabalhista com pedido constitutivo negativo (declaração de nulidade)

AutorAlberto Emiliano de Oliveira Neto
CargoMestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Procurador do Trabalho
Páginas109-123

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1. Introdução

A ação civil pública, através da prevenção do ilícito e da responsabilização do infrator, consiste em instrumento processual voltado à tutela de direitos e interesses coletivos lato sensu, os quais se dividem em difusos, coletivos e individuais homogêneos (Lei n. 7.347/85, arts. 1º, caput, e 3º, c/c Lei n. 8.078/90, art. 81, parágrafos).

Para tanto, poderão ser defendidos por meio de ação civil pública quaisquer grupos, classes ou categorias de pessoas determinadas, indeterminadas ou até indetermináveis, desde que estejam reunidas por circunstâncias de fato comuns ou pela mesma relação jurídica básica (MAZZILLI, 2012:135).

Por meio da ação civil pública, busca-se, primeiramente, a obtenção de decisão judicial de conteúdo condenatório, destinada a tutelar efetivamente o direito violado no futuro bem como para fins de reparação dos danos já causados à coletividade. Mas a ação civil pública não se limita a preceito de natureza condenatória. Segundo estabelece o art. 83 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos metaindividuais.

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O objetivo do presente estudo é apresentar a possibilidade da obtenção de preceito de natureza declaratória constitutiva (ação anulatória) através de ação civil pública. No âmbito da Justiça do Trabalho está questão ganha um contorno peculiar, considerando-se o entendimento prevalente pela competência originária dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho para apreciar ações anulatórias de acordos e convenções coletivas de trabalho, não obstante o entendimento consolidado pela competência do juízo de primeiro grau para apreciar as ações civis públicas trabalhistas.

2. Objeto da ação civil pública

Os destinatários da tutela jurisdicional a ser obtida via ação civil pública são titulares de INTERESSES OU DIREITOS DIFUSOS, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e de INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, assim entendidos os decorrentes de origem comum (Lei n. 8.078/90, art. 81, parágrafos, incisos I a III).

Destacam-se a defesa ao meio ambiente; direito do consumidor; bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; ordem urbanística; ordem econômica e economia popular como direitos a serem tutelados através da ação civil pública (Lei n. 7.347/85, art. 1º).

Não custa lembrar que o objeto da ação consiste no pedido apresentado pela parte. Esse se divide em pedido imediato e mediato. O primeiro diz respeito à providência jurisdicional requerida. Essa poderá ser condenatória, declaratória, constitutiva, executiva, cautelar ou mandamental. Já o pedido mediato diz respeito à utilidade pretendida pela parte através do provimento jurisdicional, qual seja, a efetividade do direito de sua titularidade.

Estabelece o art. 3º da Lei n. 7.347/85 que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Efetivamente, a tutela jurisdicional de natureza condenatória é protagonista nas ações civis públicas. Além da reparação dos danos causados mediante a condenação em dinheiro, o objeto principal desse instrumento processual é a obtenção de provimento jurisdicional condenatório intitulado tutela inibitória positiva e negativa.

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A ação inibitória é consequência necessária do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial. Sua estruturação tem relação com as novas regras jurídicas, de conteúdo preventivo, bem como com a necessidade de se conferir verdadeira tutela preventiva aos direitos. A ação inibitória se funda no próprio direito material. Se várias situações de direito substancial, diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de se admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivam proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano1.

A concessão de tutela inibitória tem como finalidade assegurar o cumprimento da norma. Quer dizer, em havendo um direito que exclui um fazer, ou uma norma definindo que algo não pode ser feito, a mera probabilidade de ato contraditório ao direito — e não de dano — é suficiente para a tutela jurisdicional inibitória que se pleiteia2.

Para a efetivação da obrigação de fazer ou não fazer prevista no art. 3º da Lei n. 7.347/85, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor (Lei n. 7.347/85, art. 11).

O que se busca, portanto, é a execução específica da obrigação de fazer ou não fazer e não sua conversão em perdas e danos. Ao regular a

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tutela inibitória, o Código de Defesa do Consumidor e o Código de Processo Civil seguem a mesma linha.

Para tanto, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Igualmente, a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente (Lei n.
8.078/90, art. 84, caput e § 1º e CPC, art. 461, caput e § 1º).

Ainda, para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial (Lei
n. 8.078/90, art. 84, § 5º e CPC, art. 461, § 5º).

O objetivo principal da ação civil pública, portanto, é a obtenção de tutela inibitória e o ressarcimento do dano causado à coletividade. Trata-se de provimentos jurisdicionais de natureza condenatória. A ação civil pública, não obstante, poderá ter por objeto pedido destinado a evitar danos, pedido cominatório e qualquer outro pedido para a eficaz tutela coletiva. Os pedidos a serem veiculados via ação civil pública não se restringem a provimentos condenatórios.

A ação civil poderá ter por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, podendo ser ajuizada ação cautelar para evitar o dano. Além do provimento jurisdicional cautelar, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar adequada e efetiva tutela dos direitos metaindividuais, tais como ações de conhecimento, declaratórias, constitutivas ou mandamentais (Lei n. 7.347/85, arts. , e 21, c/c., CDC, arts. 83 e 90).

Raimundo Simão de Melo sustenta que a ação civil pública poderá ter como objeto, com base no art. 83 da Lei n. 8.078/90, um comando condenatório, cautelar, declaratório, constitutivo, mandamental, de liquidação, de execução e qualquer outra espécie, desde que necessário à tutela dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (2008:96).

Especificamente, Hugo Nigro Mazzilli defende a possibilidade de provimento jurisdicional que declare nulo (ação declaratória) ou anule (ação constitutiva negativa) um ato lesivo ao patrimônio público, à administração, ao meio ambiente ou ao patrimônio cultural. Menciona ainda a possibilidade de anulação de contrato administrativo que contenha algum vício, bem como a propositura de ação anulatória pelo Ministério Público do Trabalho com o objetivo de declarar a nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo

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ou convenção coletiva que viole liberdades individuais e coletivas, além de direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores (2012:243 e 268).

3. Competência material e funcional

A respeito da competência da ação civil pública, o art. 2º da Lei n.
7.347/85 estabelece modalidade de competência funcional absoluta definida a partir do local onde ocorre o dano:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Em relação à ação civil pública proposta na Justiça do Trabalho, Raimundo Simão de Melo destaca três correntes. A primeira sustenta a competência funcional dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, adotando-se regra semelhante aos dissídios coletivos. A segunda sustenta a competência dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho para os danos de abrangência regional e suprarregional, restando às Varas do Trabalho apurar as demandas de abrangência local. Finalmente, a corrente fundada no art. 2º da Lei n.
7.347/85 que defende a fixação da competência com base no local onde ocorre o dano (2008:170).

A respeito da segunda corrente, vislumbra-se relação com a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da Lei n.
7.347/85, nos termos da redação dada pela Lei n. 9.494/97. Esse entendimento recebe severas críticas da doutrina, sob o fundamento de que não se sustenta cientificamente, ao passo que não se podem confundir regras de jurisdição e...

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