PEC das Empregadas Domésticas: Impecável

AutorLuiz Otávio Linhares Renault/Maria Isabel Franco Rios
Ocupação do AutorProfessor dos cursos de graduação e de pós-graduação, mestrado e doutorado, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/Advogada, mestra em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais ? PUCMINAS
Páginas251-259

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1. Introdução

Em 1938, L. de Litala, em sua obra “Il Contratto di Servizio Domestico e il Contratto Portierato”, ponderou: “com o contrato de serviço doméstico, o trabalhador não se obriga a prestar, de regra, uma determinada obra, mas um complexo de serviços materiais, seja à pessoa do empregador, como à sua família, e ao governo da sua casa”.1 No Brasil, o trabalho doméstico foi disciplinado, pela primeira vez, nas Ordenações do Reino, como sendo “aquele realizado no âmbito familiar”.

A palavra “doméstico” possui origem latina, e tem suas raízes no vocábulo latino domus, que significa “casa”. Daí a delimitação da esfera de prestação de serviços da profissão do doméstico, característica essa que erigiu dois dos principais pressupostos para a configuração dessa espécie de contrato de trabalho – âmbito residencial e atividade sem fins lucrativos.

No Direito Romano, o aluguel, vale dizer, a locação ocupava posição de destaque entre os institutos jurídicos, pois se tratava de uma categoria utilizada nas mais variadas situações. Havia a expressão latina – locatio conductio- que permitia indicar as obrigações das duas partes, como acontecia no caso da compra e venda. O contrato de arrendamento – locatio conductio rei –, o contrato de trabalho – locatio conductio operarum– e o aluguel de obra – locatio operis faciendi – em que o empresário se comprometia a fazer, mediante remuneração, determinado trabalho. Nas três categorias, a cada vez, figuravam, um locator e um conductor. No contrato de trabalho – locatio operarum – era o trabalhador, o locator, que alugava de algum modo a sua força de trabalho.

Trabalho doméstico, trabalho a domicílio e trabalho familiar representam três categorias perfeitamente distintas de prestação de serviços, arregimentando, por conseguinte, os elementos indispensáveis à configuração de três espécies de contratos de trabalho.

Trabalhador doméstico é a cozinheira, a governanta, a babá, a faxineira, a lavadeira, a passadeira, o motorista, o jardineiro, o vigia, o acompanhante de idoso, o caseiro e tantas outras atividades típicas do domínio doméstico, sempre sem finalidade lucrativa.

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O trabalho doméstico é aquele realizado no âmbito residencial da pessoa ou da família, destituído de caráter econômico, e, que foi excluído da proteção do Direito Social, no Brasil, pelo art. 7º, alínea “a”, quando da aprovação da CLT, pelo Decreto-lei
n. 5.452, de 1º de Maio de 1943, e que completará 70 anos de vigência, no dia 10 de Novembro deste ano de 2013. O empregado doméstico não desenvolve trabalho que o empregador aproveitará com fim lucrativo. Esse o wishfull thinking do legislador, que não o disse com a propriedade e a intensidade adequada, mas que foi construído pela doutrina e pela jurisprudência. Embora o trabalho utilizado para a produção de bens e de serviços destinados à satisfação das necessidades humanas tenha um conteúdo econômico, o trabalho do empregado e do trabalhador doméstico possui laivos diferenciados, porque a sua atividade é de consumo e não de produção. Logo, a finalidade lucrativa não pode estar presente no iter jurídico.

Alguns autores que cuidaram do assunto – Barassi, Juan Hinojosa, Sermonti, Cesarino Junior, este último entre nós – apontam como característico essencial do trabalho doméstico essa nota de serviço pessoal, regulado mais pela amizade e pela benevolência, em que o empregado participa dire-tamente da vida familiar, da hospitalidade do grupo doméstico, no interior do próprio lar. Em pleno âmbito residencial.

O segundo elemento é que o serviço seja prestado no círculo de residência dos patrões, pouco importando seja sob o teto ou nas adjacências. O que quis a lei significar é que a realização do trabalho se revista dessa característica de benevolência e boa vontade, vivendo o empregado no ambiente da própria vida familiar.2

Por seu turno, o trabalho a domicílio está disciplinado no art. 6º da CLT, como aquele prestado fora do âmbito da empresa, na casa do próprio empregado.

Já o trabalho familiar é aquele executado dentro de oficinas preferencialmente ou exclusivamente formadas por pessoas ligadas por laços de parentesco.

2. Breve escorço histórico acerca do trabalho doméstico

Logo após a proclamação da República, curiosamente, ocorreu uma das primeiras tentativas de regulação legislativa do trabalho doméstico. Não logrou êxito por causa de um parecer contrário do Consultor Tristão de Alencar Araripe, em 4.06.1891, afirmando ser o projeto inconstitucional. Em
30.07.1923, o Decreto n. 116.107, regulamentou a matéria no Distrito Federal, porém não passou de letra morta. No Recenseamento do Rio de Janeiro, realizado em 1906, citado por Sidney Chalhoub3, a tabela de profissões apresentadas indica que do total de 117.904 pessoas que se declararam empregadas em serviço doméstico, 94.730 eram mulheres e apenas 23.174 eram homens. Acrescenta que algumas mulheres podiam ser encontradas em casa de comércio ou como operárias, mas o serviço doméstico era o principal reduto das mulheres pobres. O Código Civil de 1916 tratou do tema no capítulo referente à locação de serviços, art. 1.216 e seguintes, aplicado às relações de trabalho em geral.

Em 1941 com a edição do Decreto-lei n. 3.078, a locação dos serviços domésticos foi disciplinado. Dentre outras disposições, este diploma estabeleceu que o contrato de emprego doméstico ou residencial era rescindível, pela simples deliberação das partes, a qualquer tempo. Tendo o empregado prestado serviços ao empregador durante mais de seis meses, a rescisão deveria ser antecedida de um aviso-prévio de oito dias, concedido pela parte que decidisse por fim ao contrato. Não concedendo o aviso, o empregador pagaria o salário a ele correspondente. Se o empregado não o fizesse, poderia ter seus salários retidos até o limite do valor do aviso (art. 3º). Quando o empregador dispensasse o empregado por motivo justo, não haveria pagamento do aviso-prévio. Isto aconteceria quando o empregado não fosse obediente e respeitoso com o empregador ou pessoa de sua família, polido com aqueles que utilizassem seus serviços, não fosse diligente e honesto, zeloso e responsável pelos danos causados, consoante dispunham os arts. 7º e 8º. Se o trabalhador não fosse tratado com urbanidade, quando seus salários não fossem pago pontualmente; quando não lhe fossem dadas condições higiênicas de moradia, alimentação, quando tivessem sido tais utilidades ajustadas, o trabalhador poderia considerar-se despedido por via indireta, exigindo o pagamento do valor do aviso-prévio (arts, 6º e 8º). A grande discussão naquela década foi se o Decreto-lei n. 3.078 havia ou não sido revogado pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

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Segadas Vianna, parlamentar que foi Ministro do Trabalho, apresentou um projeto de Código do Trabalho à Câmara dos Deputados, no qual regulamentava o trabalho doméstico. E como a legislação regulamentadora do trabalho doméstico para produzir bons efeitos necessitava de fiscalização administrativa, esta fiscalização esbarrava no princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio. O argumento da inviolabilidade de domicilio também preocupa o Ministério do Trabalho nos dias de hoje, com o surgimento da PEC n. 66/2012, quando for necessária fiscalização por parte do órgão.

Em 11 de dezembro de 19724, foi editada a Lei
n. 5.859, sobre o trabalho doméstico, cujos direitos foram ampliados no parágrafo único do art. da Constituição da República de 1988.

O art. 1º da Lei n. 5.859 conceitua o empre-gado doméstico como “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.” Anteriormente a CLT conceituara- no art. 7º, “a”, – o doméstico, definindo-o como aquele que presta serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.

Evaristo de Moraes Filho, em seu Projeto de Código do Trabalho, art. 4º, assim definiu o empregado doméstico:

Art. 4º. Considera-se empregado doméstico aquele que presta serviços de natureza não lucrativa para o empregador, à pessoa ou família, no âmbito residencial destas.

Art. 5º Não se considerem domésticos:

I – os motoristas particulares, quando remunerados por pessoa jurídica ou prestarem serviços, direta ou indiretamente, vinculados à atividade profissional do empregador;

II- os porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais, a serviço da administração do edifício e não de cada condomínio em particular.5

Várias tentativas ocorreram para a regulamentação do trabalho doméstico, inclusive um projeto do Presidente Castelo Branco que, foi enviado ao Congresso, e retirado mais tarde pelo próprio Presidente Castelo Branco. Somente pela Lei n. 5.859 de
11.12.1972, composta de oito artigos, ele foi regulamentado. O Regulamento, Decreto n. 71.885, de
9.03.1973, entrou em contradição com a lei no que se refere ao regime de férias.

3. A pec n 66/2012 (Lei áurea do século XXI)

Recentemente, no dia 26 de março último, o Plenário do Senado Federal aprovou por unanimi-dade a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 66/2012, que foi promulgada em 2.04.2013. Essa PEC foi proposta pelo deputado Carlos Bezerra e ampliou os direitos trabalhistas dos empregados domésticos. O site do Senado Federal trouxe a notícia da seguinte maneira: “Aprovada a Lei Áurea do Século 21”. Esta proposta não necessitou de sanção presidencial para entrar em vigor. Mais de 7 milhões de trabalhadores, no Brasil, são empregados domésticos, dentre os quais 97% são mulheres. O maior

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acesso a ensino em anos recentes facilitou a profissionalização e muitos domésticos migraram para outras modalidades de prestação de serviços, como por exemplo, os de diaristas. Isto fez com que o número de...

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