O Patrimônio Genético como Espécie do Gênero Direito Ambiental

AutorIvan de Oliveira Silva
Páginas45-58

Page 45

3. Reflexões Iniciais

Conforme anotamos alhures, o patrimônio genético brasileiro encontra-se inserido entre os bens de natureza difusa que, por conseguinte, envolvem interesses das presentes e futuras gerações.

Para a demonstração da abrangência dos bens em destaque, vale a pena acrescentar que o "patrimônio genético pode ser entendido como o conjunto de material genético, aí compreendido todo o material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha unidades funcionais de hereditariedade, com valor real ou potencial, que possa ser importante para as gerações presentes e futuras".1Ainda, no que diz respeito ao conceito de patrimônio genético, extremamente oportuno trazer à colação o conteúdo do inciso I do art. 7º da MP nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, in verbis:

I - patrimônio genético: informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusive domesticados, ou mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva.

Page 46

Conceituado o patrimônio genético, há de se verificar que a Constituição Federal abordou o assunto em tópico relativo ao meio ambiente, demonstrando, pois, que o bem ambiental denominado patrimônio genético é uma das emanações do meio ambiente2,que,como direito difuso, deve permanecer ecologicamente equilibrado, eis que essencial à vida com qualidade.

Reza o inciso II, § 1º, do artigo 225 da Magna Carta que, para assegurar o direito difuso de um meio ambiente equilibrado às futuras e presentes gerações, incumbirá ao Poder Público:

Art. 225(...)

§ 1º (...)

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

Com efeito, levando-se em conta a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético brasileiro, bem como a ordenança de fiscalização das entidades dedicadas às pesquisas e manipulação de bem ambiental definido como material genético, do referido mister erigido pelo Legislador Constituinte deverá atender aos princípios apresentados pelos direitos difusos e coletivos, haja vista a impossibilidade de tratamento da matéria somente no esteio da esfera pública ou privada.

Portanto, já que a matéria, na ordem da CF/88, é apontada no tópico que versa sobre o meio ambiente, elencaremos abaixo os princípios do direito ambiental que deverão ser observados à salvaguarda do patrimônio genético brasileiro.

3.1. Princípios do Direito Ambiental Aplicáveis na Manipulação do Material Genético

Pertinente destacar que os princípios do direito ambiental, dada a natureza da matéria, devem ser observados para a preservação do

Page 47

meio ambiente que, nos termos da Constituição, deverá ser mantido, tanto pelo Poder Público como pela coletividade, ecologicamente equilibrado.

3.1.1. Princípio do Poluidor-Pagador

Por meio de uma leitura desatenta, é possível conceber o princípio do poluidor-pagador como um permissivo do direito ambiental, em que, mediante o correspondente pagamento, seja permitido ao poluidor continuar, sob o manto da lei, a sua atividade lesiva ao meio ambiente. Destaque-se, entretanto, que essa interpretação é descabida e não comporta espaço em nosso sistema jurídico.

O princípio em comento carrega no seu bojo uma diretriz total-mente diferente, haja vista que a sua essência prima pela preservação do meio ambiente e também pela repressão do agente poluidor, por meio da correspondente reparação pecuniária.

Assim, nas exatas palavras de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, temos que:

"...impõe-se ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Cabe a ela o ônus de utilizar instrumentos necessários à prevenção dos danos. Numa segunda órbita de alcance, esclarece este princípio que, ocorrendo danos ao meio ambiente em razão da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela reparação."3Dessa forma, é de se verificar que a orientação do princípio vela pelo desenvolvimento de atividades que não agridam o meio ambiente. Esse é o seu norte principal, mas, não havendo alternativa, será de responsabilidade do poluidor arcar com os riscos de sua atividade.4

Page 48

Cumpre-se destacar que, de acordo com esse princípio, o poluidor está obrigado a reparar o dano decorrente da degradação ao meio ambiente e, se for o caso, lançar mão de medidas com vistas a evitá-lo, daí o caráter preventivo da orientação em destaque. Assim, o princípio ora em estudo "...obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada".5Por outro lado, é correto inferir que o princípio do poluidor-pagador aponta pelo uso da eqüidade, quando forçosamente impõe a distribuição dos ônus decorrentes da poluição aos beneficiários do ato poluidor. Nesse sentido, a eqüidade6 pretende a distribuição da justiça ao caso concreto. Para ilustrar, vale trazer à colação a preciosa lição de Guilherme Cano, senão vejamos:

"Quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir. É óbvio que quem assim é onerado redistribuirá esses custos entre os compradores de seus produtos (se é uma indústria, onerando-a nos preços), ou os usuários de seus serviços (por exemplo, uma Municipalidade, em relação a seus serviços de rede de esgotos, aumentando suas tarifas). A eqüidade dessa alternativa reside em que não pagam aqueles que não contribuíram para a deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração."7Em sentido idêntico, sustenta o Princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992:

"Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais." (grifamos)

Todavia, há de se realçar que o principal objetivo do princípio do poluidor-pagador é funcionar como um fator econômico que de-

Page 49

sencoraje o poluidor a provocar o dano ambiental, eis que, ao final de sua contabilidade, será possível que ele observe que o seu lucro será maior com a ausência de atividade poluidora. Nele, portanto, encontramos notória característica educativa.

Assim, ao agente poluidor resta a possibilidade de promover investimento em tecnologias que evitem a degradação do ambiente, sob pena de, enquanto perdurar a atividade danosa, haver, em seu detrimento, a conseqüente repressão.

Eis, portanto, um princípio que, ao lado da possibilidade sempre presente de ser imposto ao causador de dano ambiental o dever de reparação do dano, tem por objetivo assegurar o equilíbrio do meio ambiente por meio de medidas tendentes a desestimular o poluidor que, na hipótese de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT